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“Há racismo nos estádios de futebol, onde tudo é permitido”: Ancelotti admite retirar a equipa do Real Madrid de campo no futuro

O treinador italiano do Real Madrid voltou a falar aos jornalistas, na véspera do jogo contra o Rayo Vallecano, para pedir “medidas drásticas” no futebol que impeçam o triunfo do racismo. “Estou preocupado. Condenar atos de racismo não é suficiente, é preciso atuar.”

Hugo Tavares da Silva

Aitor Alcalde Colomer

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Uma das coisas mais hediondas que existe no mundo voltou a acontecer num campo de futebol. Uma multidão, que por alguma razão se sente superior por ter um tom de pele diferente, voltou a regurgitar insultos e ódio contra Vinicius Jr., o futebolista do Real Madrid. Tem sido recorrente nos muitos estádios de Espanha, chamam-lhe “macaco" e fazem gestos e sons. Colegas de profissão, personalidades e anónimos de todas as latitudes colocaram-se ao lado do brasileiro. Até Lula da Silva, o Presidente do Brasil, condenou mais um episódio do lamentável racismo testemunhado no campo do Valência. O Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, apagou-se na segunda-feira, enobrecendo o que é negro.

Insultado antes e durante o jogo, o extremo carioca foi questionado por Carlo Ancelotti se queria sair. Vinícius, que a certa altura pareceu limpar as lágrimas, continuou e foi expulso. Os racistas ganharam, diria depois. “O campeonato que já foi de Ronaldinho, Ronaldo, Cristiano e Messi hoje é dos racistas”, podia ler-se nas redes sociais na sequência do jogo no Mestalla. “Uma nação linda, que me acolheu e que amo, mas que aceitou exportar a imagem para o mundo de um país racista.”

No próximo jogo, esta quarta-feira, em casa contra o Rayo, haverá apoio para o ausente, que verá uma faixa enorme contra o racismo. No minuto 20, escreveu o “As”, os madridistas vão cantar por Vinícius, combatendo assim o desamor contra o seu jogador. Há, claro, nestas histórias sempre o outro lado, pois nenhum clube tem uma imagem imaculada. Ainda há poucos dias, no Real-City, Pep Guardiola ouviu no estádio do Real Madrid um cântico homofóbico que já escutava nos tempos de jogador.

Após a derrota contra o Valência, na flash interview, Carlo Ancelotti recusou falar do jogo, afinal acontecera algo realmente importante, um crime desolador. Na véspera da partida contra o Rayo, Carletto voltou a falar apenas no caso, desta vez por iniciativa dos jornalistas.

“Temos uma grande oportunidade de acabar com isto”, começou por dizer o treinador italiano. “O presidente da FIFA foi muito claro sobre isto, oxalá a federação e a liga possam ser também, e os árbitros, porque passou algo no jogo de Valência que não pode acontecer.”

Aitor Alcalde Colomer

Resumindo: “Espanha não é racista, mas há racismo em Espanha”, defende o técnico. Ancelotti admite que interromper o jogo, em momentos de injúrias e insultos racistas, é uma solução. Faltam “medidas drásticas”, tal como aconteceram em 1985, lembrou, quando as equipas inglesas foram banidas das competições europeias durante cinco temporadas.

O italiano, que lamenta que nos estádio de futebol seja “tudo permitido”, entende que o protocolo “está obsoleto”, pois esse mesmo mecanismo deveria ser acionado quando o autocarro chega ao estádios, que é onde começam os insultos. Esse foi, aliás, um dos argumentos mais fortes de Ancelotti para desmontar aqueles que dizem que a forma de atuar do brasileiro no campo é o que motiva a resposta criminosa e violenta por parte dos adeptos caseiros por Espanha fora.

“Estou à espera para ver o que vai acontecer. Estou preocupado. (...) Nós gostamos de futebol, esperamos que seja o mais limpo possível”, confessou, garantindo estar de olho nos próximos passos de federação e liga. Afinal, “condenar atos de racismo não é suficiente, é preciso atuar”.

O treinador do Real Madrid desmentiu ainda as notícias que davam conta da intenção de Vinicius abandonar Espanha. “Ele ama o futebol, ama o Real Madrid, quer fazer a sua carreira e ter o seu protagonismo nesta equipa. Ele sabe que o futuro tem de ser aqui”, explicou o italiano, que garantiu que, caso o brasileiro seja suspenso por dois jogos, lhe vai dar uma semana de férias.

As autoridades não estão a ter a “consciência real do que está a acontecer”, denunciou Carletto, que admitiu que no futuro poderá ter de tomar uma decisão diferente na hora do racismo.

“Poderei ter a responsabilidade de retirar o jogador do campo ou a equipa mesmo. Mas não é a minha responsabilidade, oxalá não tenha que chegar a essa drástica solução. Há um juiz no campo que tem de ter esse tipo de responsabilidade", lembrou.