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A hegemonia alargada do City ou o sonho desafiante do Arsenal: eis o jogo do ano na Premier League

Os londrinos deslocam-se à casa dos cityzens (20h, Eleven 1) tendo cinco pontos de vantagem no topo do campeonato, embora também mais duas partidas disputadas. Num duelo entre Pep Guardiola e Mikel Arteta que soa a confronto entre mestre e aprendiz, ambos negam que a partida seja decisiva, mas as contas do título passarão pelo que suceder no Etihad

Pedro Barata

Matt McNulty - Manchester City

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Talvez aquilo que ilustre com maior precisão o quão improvável era que o Arsenal chegasse ao final de abril na liderança da Premier League sejam as compras de Gabriel Jesus e Zinchenko. Por muito que as vendas tenham dado cerca de €87 milhões aos não necessitados cofres do Manchester City, alguém imaginaria Pep Guardiola a transferir um jogador com 236 jogos pela sua equipa (o brasileiro) e outro com 128 partidas (o ucraniano) ao Liverpool, o grande rival das temporadas recentes?

E não se pode criticar o homem que, como diz Martí Perarnau, seu biógrafo, ficou careca por tanto pensar em futebol. Nas cinco temporadas anteriores, o Arsenal nunca ficou acima do quinto lugar da Premier League e nunca terminou a menos de 25 pontos do líder. O City teve como pior pontuação na última mão-cheia de campanhas os 81 pontos e o Arsenal teve como melhor prestação os 70 pontos.

É, portanto, normal que a ideia de reforçar o Arsenal não tenha incomodado Pep Guardiola, pois no lado vermelho e branco de Londres não estava um real candidato ao título, uma verdadeira ameaça. Mas rapidamente se viu que algo mudara nos gunners.

Mikel Arteta, altamente questionado em tempos não tão distantes, juntou Zinchenko e Jesus ao talento criativo de Odegaard, à competitividade sempre ligada à corrente de Saka, ao potencial defensivo de Saliba, à presença de Thomas Partey. Tudo somado fez uma equipa que começou por ser agradável à vista, tornou-se depois num “será que…?” e transformou-se num conjunto que carrega a esperança de, 19 anos depois, devolver o título ao Arsenal, dando a primeira Premier League ao Emirates desde que este substituiu Highbury.

Numa temporada que, devido à paragem para as emoções do Mundial, parece durar desde que outra ordem cósmica imperava na terra — sim, Tuchel e Conte orientaram Chelsea e Tottenham ainda esta época, sim, Cristiano Ronaldo disputou ainda esta edição da Premier League —, o jogo do ano em Inglaterra é no Etihad.

Com o Arsenal com 75 pontos, mas 32 jogos disputados, e o Manchester City com 70 pontos, mas somente 30 partidas realizadas, a visita dos londrinos ao norte do país promete marcar a corrida pelo título. Ainda que ambos os espanhóis, antiga dupla técnica no banco da força hegemónica do football, neguem que seja uma noite de decisões.

Arteta e Guardiola, quando eram treinador adjunto e principal no City

Arteta e Guardiola, quando eram treinador adjunto e principal no City

Tom Flathers/Getty

O discurso dos antigos colegas de banco parece tão uniforme que quase dá a ideia de que, como nos velhos tempos, as ideias foram articuladas entre os dois. “Se ganharmos amanhã, não vencemos a liga. Não vai decidir a época”, garante Arteta; “É uma partida importante, mas não decisiva porque ainda há muito por jogar”, completa Pep.

A perda de fulgor do Arsenal

Ganhar uma liga a Pep Guardiola é uma das tarefas mais difíceis do futebol moderno. Tudo começou quando, em 2007/08, a terceira divisão espanhola foi vencida pelo seu Barcelona B, continuando na elite do jogo em Espanha, Alemanha e Inglaterra.

No total, o catalão venceu 11 campeonatos em 14 tentativas. Só o Real Madrid de José Mourinho, em 2011/12, o Chelsea de Antonio Conte, em 2016/17, e o Liverpool de Jürgen Klopp, em 2019/20, conseguiram evitar que os conjuntos de Pep levassem a melhor na prova da regularidade.

A dimensão do desafio ao qual o Arsenal, num dado momento do outono de 2022, se propôs afere-se por esta consistência competitiva tão bem abraçada pelo Manchester City. Só numa das cinco últimas temporadas a formação azul-céu desceu dos 86 pontos e em três fez 93 ou mais. Significa isto que, para os atuais bicampeões, o normal é andar de agosto a maio nos picos do rendimento, com uma velocidade de cruzeiro que equivale às acelerações máximas de muitos adversários de elite.

Odegaard e Saka têm sido os principais destaques da época do Arsenal

Odegaard e Saka têm sido os principais destaques da época do Arsenal

Stuart MacFarlane/Getty

Para o Arsenal bater esta equipa feita à medida de Guardiola — do financiamento inesgotável de Abu Dhabi ao apoio diretivo de Ferran Soriano e Txiki Begiristain — seria sempre necessária uma prestação na Premier League quase perfeita.

Até abril, os resultados estavam, de facto, conjugados com a fasquia imposta pela máquina de Pep. No primeiro dia do mês da liberdade, o Arsenal recebeu e bateu o Leeds para ficar com o seguinte registo: 23 vitórias, três empates e três derrotas. Traduzido em pontos, tinha mais oito que o City, contando mais um encontro realizado.

Mas talvez o ritmo imposto pelo City, perseguidor que não afrouxa, tenha começado a passar fatura. Talvez a eliminação contra o Sporting tenha deixado marcas.

Nas últimas três jornadas, o Arsenal somou três empates. Contra o Liverpool e o West Ham, desperdiçou vantagens de dois golos. Frente ao Southampton, último da tabela, perdia por 3-1 aos 87', mas conseguiu resgatar um ponto.

Por muito que Pep e Arteta concordem com o óbvio de não sair qualquer campeão do Etihad, a verdade é que, também por este choque de tendências, o duelo assume transcendência particular. Não só se enfrentam primeiro e segundo a pouco para o final da Premier League, mas medir-se-á igualmente um líder que vai em quebra de forma com um perseguidor que chega ao momento das decisões disposto a cimentar a sua posição hegemónica.

O City que aspira ao triplete embalado pelas velhas novidades de Pep

Em contraciclo com a perda de fulgor do Arsenal, o Manchester City abraçou a primavera vestindo o melhor traje de Guardiola. São 11 triunfos nos últimos 12 jogos, sendo o único empate em Munique, quando a equipa confirmou o 3-0 que trazia da primeira mão de Inglaterra.

Os cityzens chegam às decisões na luta pelo triplete. Além da corrida pela Premier League, estão na final da FA Cup, onde terão um dérbi contra o United, e nas meias-finais da Liga dos Campeões, onde voltarão a tentar bater o Real Madrid para assegurar o troféu que falta ao projeto de Abu Dhabi no clube.

Já com 32 golos, Haaland pode tornar-se no jogador que mais marcou numa só temporada da Premier League

Já com 32 golos, Haaland pode tornar-se no jogador que mais marcou numa só temporada da Premier League

Tom Flathers/Getty

Em caso de triunfo, o City ficará apenas a dois pontos do Arsenal, mas tendo ainda sete jornadas por disputar, enquanto os londrinos só farão cinco rondas depois de ir ao Etihad. Com triunfos em quatro das últimas cinco edições da Premier League, vencer a quinta em seis ampliaria o domínio de ferro do clube no futebol inglês.

Por muito que Guardiola tenha um estilo reconhecível, uma das marcas de identidade do técnico é, qual fã das teorias do Darwin, a sua capacidade para se ir adaptando para sobreviver. E este Manchester City 2022/23 volta a apresentar nuances face a antigas versões.

A mais evidente de todas é a presença de um avançado como Erling Haaland. O norueguês, que parece uma figura vinda da mitologia nórdica, meio lenda das neves meio robô programado para o golo, tem feito em Manchester o que já fizera em Dortmund ou Salzburgo: golos atrás de golos.

Só na Premier League são já 32 golos, igualando o recorde de Salah para mais festejos numa edição do campeonato com 38 jornadas. O objetivo será, agora, superar o máximo histórico de 34 golos, estabelecido por Andy Cole e Alan Shearer, mas em campanhas em que se disputaram 42 jornadas.

Outra nuance recente de Pep é o uso, em simultâneo, de quatro jogadores que são centrais de raiz. Com Cancelo no Bayern, Zinchenko no Arsenal e Walker mais no banco, o catalão tem apostado, muitas vezes, em Rúben Dias, Akanji, Aké e Stones de início. O português, o suíço e o neerlandês ficam quase sempre na linha mais recuada, com o inglês, cada vez mais completo e universal, a subir para se juntar a Rodri no meio-campo, dando, simultaneamente, equilíbrio defensivo e qualidade no passe.

Entre as variantes de Pep e o entusiasmo de Arteta, entre a grande fase do City que tudo quer vencer e as dúvidas que o Arsenal pode ter, entre um papão dominador e um aspirante a uma improvável conquista. O comboio da conquista da Premier League vai passar pelo Etihad.