Quando chegou a Londres, ainda por cima com o Campeonato do Mundo no horizonte, a vida corria bem a Richarlison. Depois de se mostrar nos relvados de Fluminense, Watford e Everton, o brasileiro foi contratado para compor o veneno que escorria da ponta da lança no antigo White Hart Lane. A estreia na pré-época, contra uma seleção da Liga Coreana, foi promissora. Antonio Conte esfregava as mãos.
“Foi impressionante a vontade dele. Eu gosto dele nas duas funções, como 9 e também como um 10. Ele mostrou grande espírito, sacrificou-se pela equipa. Foi uma boa exibição”, confessou o treinador italiano, cuja análise sobre “Richy” prosseguiu. “Vi muitas coisas positivas. (...) Ele é forte fisicamente, tem boa personalidade, bom caráter, boa qualidade. É um bom jogador. Estou muito feliz por o termos contratado”, dizia como quem suspira Conte, num estilo que se adivinha ausente e apaixonado ao mesmo tempo.
Richarlison de Andrade, natural de Nova Venécia, onde pai e tio jogaram, custou quase 70 milhões de euros. No verão, para justificar tal ascensão imparável, convocou-se a “ética de trabalho” e as “origens humildes” do futebolista brasileiro, que vai sendo conhecido por estar do lado certo de algumas discussões públicas.
Depois do que fez em Goodison Park, com a camisola do Everton, e com quase 40 jogos pela seleção A do Brasil, parecia ser seguro dizer-se que era uma excelente contratação, com valores que ainda assim não eram chocantes como alguns que temos visto. Os problemas físicos surgiram e o mecanismo de Conte talvez não seja dos mais fáceis de enxergar ou de acompanhar. As presenças no 11 do Tottenham foram intermitentes. Afinal, a concorrência é forte também, com Harry Kane, Son Heung-min, Dejan Kulusevski e Ivan Perisic.

Richard Heathcote
O Campeonato do Mundo, no Catar, serviu para lavar algumas feridas invisíveis e, graças à importância na equipa de Tite, devolver ao corpo o orgulho que qualquer futebolista precisa para competir ao mais alto nível. Em quatro jogos, Richarlison marcou três golos em Doha. No total, atualizando agora as contas, em 42 internacionalizações, o avançado soma 20 golos. O registo é admirável.
Mas o vento mudou em Londres graças aos poucos golos, às lesões e, sobretudo, aos desabafos do jogador após a eliminação do Tottenham na Liga dos Campeões (vs. AC Milan). “Eu devia ter jogado”, queixou-se à TNT Sports, do Brasil. “Eu estava a jogar bem, ganhámos contra Chelsea e West Ham e de repente eu estava no banco. Joguei cinco minutos contra o Wolves, perguntei a razão [de não jogar] e ninguém me explicou. Ontem [quarta-feira] pediram-me para fazer um teste físico no ginásio e disseram-me que eu jogaria se o passasse…”
Avaliando as palavras seguintes de Richarlison, o futebolista superou o teste ou considerou que o superou. “E fiquei no banco. Há coisas que não consigo entender. Não houve explicações outra vez, veremos o que ele nos diz amanhã.” Ele é Antonio Conte, o treinador. E acrescentou: “Mas eu não sou tonto, sou um profissional que trabalha duro todos os dias e quero jogar”.
O avançado, o camisola 9 dos spurs, queixou-se que não tem tido os minutos suficientes. “Tive algumas lesões, mas quando estou em campo dou a minha vida”, garantiu aos microfones brasileiros, repetindo mais do que uma vez “não há muito a dizer”, como quem ia embora. mas nunca ia realmente. “Joguei bem em dois jogos, especialmente contra o Chelsea, por isso penso que deveria ter jogado esta noite, mas não posso chorar agora.”

Jonathan Moscrop
A frase que ecoou e ainda ecoa por todos os jornais com secções de desporto foi: “Esta época, e desculpem a minha linguagem, tem sido uma merda”.
Restam muitos jogos pela frente, por isso haverá sempre uma possibilidade de revanche, que talvez se complique perante este confessionário público. No sábado, o Tottenham vai jogar contra o Nottingham Forest. O foco estará nas próximas 12 jornadas, alerta o brasileiro.
“Vou tentar marcar os golos que conseguir, pois o clube pagou muito dinheiro por mim e eu ainda não correspondi no campo”, admitiu. “É justo dizer que as minhas lesões não ajudaram e que não tenho tido minutos suficientes. Mas agora vou para casa, descansar, treinar amanhã cedo e esperar para ver se o treinador me mete no 11 no próximo jogo.”
Richarlison, camisola 9 da seleção e do clube, tem apenas 661 minutos na Premier League, depois de 17 presenças, apenas sete como titular. Na Liga dos Campeões o brasileiro atuou 366 minutos (4 jogos a titular, 2 como suplente utilizado), quase tanto como durante aquelas semanas no Catar (326’). Ao todo, o futebolista conta com 1384 minutos na época, espalhados por 35 jogos, nos quais marcou apenas cinco golos.
As próximas semanas podem ditar o fado de Richarlison em Londres. Voltaremos a ver Conte a elogiar a vontade e a qualidade de “Richy”? A felicidade de ambos, principalmente em relação um ao outro, será testada nas próximas horas.