Janeiro é geralmente um mês de recomeços, seja apenas para parar um pouco e reorganizar a vida ou para começar mesmo do zero. Uma das formas que as pessoas encontram para fazê-lo é simples: colocar metas no papel e seguir o plano. O que resulta para uns não tem obrigatoriamente que resultar para outros, mas talvez a história de Will Still seja uma maneira de olhar para os objetivos de outra forma.
“Nunca estabeleci limites para aquilo que poderia alcançar, mas também nunca estabeleci objetivos específicos”, escreveu, este fim de semana, num artigo publicado no ‘The Guardian’.
Tem 30 anos, é treinador do Stade de Reims, clube da Ligue 1, de França, e nunca traçou um objetivo?
“Quando comecei como treinador, não me propus chegar ao topo do escalão em França a uma idade específica. De modo algum. Simplesmente não sou assim como pessoa. O essencial para mim é desfrutar do que estou a fazer agora. Asseguro-me de que fico no presente. Acho que isso significa que nunca estou realmente a pensar no que está para vir, pelo que momentos ou realizações específicas podem surpreender-me. Ao longo da minha carreira, tenho tido alguns momentos em que tenho que me beliscar”, continuou.
Um desses momentos aconteceu no domingo. Still e a sua equipa defrontaram o Paris Saint-Germain, comandado por Christophe Galtier e que conta com jogadores como Lionel Messi, Kylian Mbappé e Neymar. Mais especial ainda foi o resultado: um empate contra o primeiro classificado e campeão em título.
Still nasceu em Inglaterra, como os seus pais, mas passou grande parte da sua vida na Bélgica. Aos 18 anos tomou a decisão de regressar ao seu país de origem para estudar e foi aí que percebeu que podia ser muita coisa no futebol. Não tinha obrigatoriamente que se tornar jogador. “Ser treinador parecia ser a próxima melhor coisa. Era o mais próximo que eu ia chegar da adrenalina de jogar”, considerou. Até porque se fosse como aquilo que experimentava no jogo ‘Football Manager’, que sempre adorou e que considera ter influenciado a sua carreira, iria gostar.
Uma experiência na Preston North End foi suficiente para saber que era aquilo que queria fazer. Terminada a faculdade e de regresso à Bélgica, o treinador encontrou uma forma pouco comum para encontrar emprego. A tradicional entrega de currículos foi substituída por um discurso bem estudado e apresentado à porta de todas as moradas que encontrou de pessoas envolvidas no futebol belga. “Sou jovem e não sou ninguém. Mas tenho experiência em Preston, e tenho conhecimentos da faculdade. Posso, de alguma forma, ajudar em alguma coisa?”, dizia.
Foi Yannick Ferrera, um jovem treinador belga, que lhe deu uma oportunidade, sendo que inicialmente ficou responsável por filmar os jogos dos adversários e editar as imagens. Sem que ninguém o tornasse oficial, quando deu conta já estava a trabalhar como treinador-adjunto, a mudar-se para o Lierse e, com apenas 24 anos, a assumir o cargo de treinador principal.

Sylvain Lefevre/Getty
Dois telefonemas da parte do Reims foram o que o levou ao lugar em que está hoje. No primeiro, Still recebeu o convite para ser adjunto de Óscar García, no segundo veio a proposta para ocupar o seu lugar.
“Tal como no bichinho que se obtém no Football Manager, eu queria ter outra oportunidade como treinador principal. Mas não a tinha planeado. Não tinha pensado em momento algum que seria o treinador principal do Stade de Reims. Isto foi em outubro de 2022 e inicialmente deram-me o cargo até ao Campeonato do Mundo no Catar. Isso significou seis jogos para conseguir o maior número de pontos possível”, contou.
Um dos primeiros grandes desafios de Still desde que assumiu o comando da equipa, ainda no período em que sabia que a sua posição iria ser reavaliada, foi exatamente contra o PSG. Apenas três dias depois. O resultado foi novamente um empate, desta vez sem golos. “Foi a primeira vez na época em que o PSG não conseguiu marcar. Isto foi em outubro, e ninguém tinha mantido uma folha limpa contra eles desde março”, disse.
As provas que Still deu fizeram com que o clube estivesse disposto a tudo para mantê-lo no lugar. Hoje é o treinador mais jovem entre as cinco principais ligas europeias e exerce o cargo sem o UEFA Pro, o IV Nível do curso de treinador exigido a qualquer pessoa que deseje comandar uma equipa de I divisão na Europa. O belga ainda está a tratar de se ‘licenciar’ e por cada partida da Ligue 1 que fez esta época o Stade Reims teve de pagar uma multa de 25 mil euros por Will Still se sentar no banco de suplentes - portanto, só no campeonato o clube já desembolsou 250 mil euros
A equipa não perde há 14 jogos, segue estável na 11.ª posição do campeonato. Algo está a dar certo na convivência com o recém-trintão treinador - será por insistir em viver no momento ou pelas muitas horas que passou a jogar Football Manager? Provavelmente ambas, seguramente nenhuma explicará tudo.