O futebol masculino universitário norte-americano prepara-se para fazer história, mas as protagonistas são duas mulheres. Kim Wyant é a treinadora principal da equipa da Universidade de Nova Iorque, que esta sexta-feira vai receber a Universidade de Chicago, treinada por Julianne Sitch, naquele que será o primeiro jogo de futebol masculino da divisão I universitária do país em que ambas as treinadoras são mulheres.
No que toca a equipas de futebol feminino profissionais, o número de treinadoras é cada vez maior, seja qual for a divisão ou o país. Sarina Wiegman é a treinadora que guiou a Inglaterra à vitória no Europeu este ano, Sonia Bompastor está no comando técnico do Lyon, vencedor da Liga dos Campeões da época passada. Em Portugal, as equipas do Sporting e do Benfica têm como treinadoras Mariana Cabral e Filipa Patão, respetivamente. Mas quando se olha para equipas masculinas o cenário é bem diferente.
Nos Estados Unidos, é pequeno o número de mulheres que treinam homens, seja a nível universitário ou profissional. A NBA tem algumas adjuntas, como a portuguesa Mery Andrade, na G League, liga de desenvolvimento da principal. O mesmo para ligas como a NFL ou MLB. Mas os campos que Kim Wyant e Julianne Sitch agora pisam são dominados por homens.
Segundo o “New York Times”, dados publicados pelo Departamento de Educação dos EUA mostram que apenas cerca de 5% de todas as equipas universitárias masculinas são treinadas por mulheres, e a maioria delas praticam desportos de baixo rendimento e de géneros combinados, como o esqui, natação e o atletismo. Apenas cerca de 26% dos treinadores de futebol feminino da divisão I são mulheres.
Wyant foi uma das mulheres que ignorou as estatísticas e seguiu as suas convicções. Em 2015 fez história pela primeira vez, ao ser contratada pela N.Y.U., uma escola da terceira divisão. Foi no seu percurso que Sitch se inspirou para seguir os mesmos passos. Até ao passado mês de abril, Sitch era treinadora adjunta da equipa de futebol feminino da Universidade de Chicago. Quando surgiu a vaga para a equipa masculina, telefonou a Wyant e uma conversa de cerca de meia hora foi suficiente para decidir avançar para o cargo.
"Antes dela, não havia outras mulheres a treinar e a liderar equipas de homens", disse Sitch ao "New York Times". "Ela era obviamente uma influência positiva e um modelo a seguir".
Apesar de a situação nos Estados Unidos não ser a ideal, olhar para a Europa é ainda mais difícil. Várias das treinadoras que conseguiram quebrar essa barreira e chegar às equipas técnicas de equipas masculinas, estão hoje em equipas femininas. Corinne Diacre, treinadora da seleção de futebol feminino francesa desde 2017, é talvez um dos exemplos mais conhecidos. Antes desta cargo, treinou o Clermont Foot, onde esteve durante três anos, sendo que ainda é a única mulher a treinar uma equipa masculina durante esse período de tempo - a portuguesa Helena Costa chegou a ser contratada pelo clube francês antes de Diacre, mas abandonaria a equipa antes de se estrear no banco.
Renate Blindheim, treinadora do Sotra SK, da terceira liga norueguesa, é um dos poucos exemplos que ainda resiste na Europa. Aos 26 anos, tornou-se a primeira mulher a treinar uma equipa de futebol profissional masculina na Noruega. Na altura, não só teve que lidar com o choque de muitos por ser mulher, como também por ser considerada demasiado jovem para o cargo.
A ex-jogadora de futebol inglesa Helen Nkwocha também continua a resistir nos campeonatos masculinos. O sonho de ser treinador sempre esteve presente na sua vida e por isso um dia decidiu deixar o emprego, vender a sua casa e apostar tudo na carreira. E só parou no topo. Hoje é treinadora do Tvøroyrar Bóltfelag, clube da Primeira Liga das Ilhas Faroé.
A presença de uma mulher numa equipa masculina, como Kim Wyant e Julianne Sitch, é mais importante do que pode parecer: “Sabemos pelos dados que quando os jovens homens são expostos a líderes femininas num contexto que lhes interessa, como o desporto, têm perceções e crenças mais igualitárias sobre o género e a liderança. Então é mais provável que, depois de se formarem na faculdade, tratem as mulheres como iguais no local de trabalho e talvez nas suas relações pessoais", afirmou Nicole LaVoi, professora na Universidade do Minnesota, ao jornal norte-americano.