Num evento ao vivo, organizado em Londres pelo jornal “The Guardian”, o antigo futebolista de Leicester, Tottenham ou Barcelona, Gary Lineker, apresentou o novo livro, “50 Times Football Changed the World” (“50 Vezes que o Futebol Mudou o Mundo”), escrito em conjunto com o argumentista Ivor Baddiel, e aproveitou para falar sobre a carreira – imaculada a nível de sanções disciplinares – e opinar sobre o futebol.
Ligado ao jornalismo há alguns anos, aquele que é visto como um dos melhores avançados de sempre não tem dúvidas: “Acho que, por vezes, o futebol tem uma imprensa injusta. Há sempre uma busca pelas histórias negativas. A verdade é que o futebol tem um grande poder para fazer o bem. (…) As redes sociais mudaram isso, de certa forma. Vemos jogadores (…) a fazer um trabalho fantástico com as comunidades”.
Quando os autores – Ivor também estava presente – se lembraram de que poderia ser uma boa ideia escrever um livro, acharam, segundo Lineker, que poderia constituir “algo muito positivo para o futebol, que destacasse algumas das coisas fantásticas que o desporto conseguiu”. Um dos destaques positivos foi a vitória das lionesses (as “leoas”, alcunha dada às jogadoras da seleção inglesa) no último Europeu, jogado em casa.
“No meu tempo, dificilmente vias um rosto feminino nas bancadas”, confessa o ex-internacional, prosseguindo com humor: “Exceto a minha mãe”. “Isso está a mudar de forma dramática. Já estava a acontecer antes do sucesso do último Europeu, mas está agora a crescer ainda mais, o que é ótimo”, considerou Lineker, que se baseou, acima de tudo, no universo das ilhas britânicas. Mas não só.
A dada altura, o autor revela uma das histórias preferidas que o livro conta. Trata-se de uma equipa de jovens tailandeses, que joga no mar. “Eles adoram futebol e construíram um campo flutuante, de madeira, com pregos que acabam por se espetar nos pés dos jogadores. E eles tornaram-se uma equipa muito boa. Penso que jogar em casa deles deve ser bastante difícil para os adversários”, remata Lineker, com o habitual sentido de humor.
Mas a história preferida do antigo jogador é a da vitória inesperada do Leicester na Premier League, em 2015-16. Adepto confesso do clube da cidade onde nasceu, no centro de Inglaterra, Gary assume que chorou quando o clube, de média dimensão, conseguiu vencer os gigantes milionários do futebol inglês: “Não foi apenas porque eu sou adepto do Leicester, foi mesmo o maior milagre desportivo de todos os tempos. Era impossível acontecer o que aconteceu ao Leicester nesse ano. Quanto mais perto estávamos do dia em que devia acontecer, mais assustados ficávamos com o facto de poder não se concretizar”.

Gary Lineker vestido de polícia nos EUA, durante o estágio da seleção inglesa antes do Mundial de 1986, jogado no México
Mirrorpix
Recuando à infância, Gary admite: “Joguei futebol desde tempos de que não tenho memória. E adorava. As pessoas falam do dinheiro envolvido, etc., mas não é por isso que se joga. É um bónus que vem com o facto de seres bem-sucedido, mas jogas pelo amor ao jogo”.
Do público, chegou uma pergunta a focar exatamente a questão dos salários milionários dos jogadores de futebol. Lineker começa por brincar – “Acho que são maravilhosos! A única coisa de que tenho inveja é da assistência nos aviões” –, mas acaba por opinar um pouco sobre o tema: “O futebol é tão competitivo em termos de direitos televisivos, por exemplo, os clubes estão desesperados por ter os melhores jogadores… Não é possível justificar os salários no futebol, particularmente em relação a pessoas que fazem trabalhos verdadeiramente importantes, como enfermeiras e médicos, mas é a maneira como funciona. Mas é engraçado que muitas pessoas se queixem do que ganham os futebolistas, mas nunca falem das estrelas do cinema e da música”.
Em resposta à pergunta de uma menina de seis anos que pede conselhos sobre como conseguir marcar mais golos, Gary responde: “Anda ali pela área ou (…) adivinha para onde se dirige a bola. Depois, corre para esse espaço e tenta ficar com a bola, vais conseguir uma oportunidade muito boa. Sei que soa fácil, mas a minha carreira foi toda baseada nisso”.
Lineker conseguiu o feito impressionante de nunca ter visto um cartão amarelo (ou vermelho) ao longo da carreira. Mais uma vez, o natural de Leicester aproveita para brincar com o assunto, dizendo: “Mas já vi alguns amarelos e vermelhos desde que me retirei”. “Eu não tinha mau feitio, mas, se jogasse agora, veria algum cartão por tocar na bola com a mão ou acidentalmente deslocar o tornozelo de alguém. [O futebol] mudou muito”.
O antigo internacional inglês recordou também o dia em que chegou ao Barcelona para ser apresentado aos adeptos e lhe disseram que tinha de mostrar alguns truques [como dar toques na bola]. Apavorado, respondeu: “Eu não faço truques”. Então, pediram-lhe para marcar um golo. Gary apressou-se a pegar na bola e pontapeou-a, acertando na baliza para delírio dos presentes.
Respondendo ao pedido de referir jogadores atuais com uma influência positiva sobre o mundo, Lineker ficou-se por aqueles que jogam em Inglaterra e pela seleção inglesa: “Marcus Rashford, pelo que tem feito em prol da educação das crianças. Estou extremamente orgulhoso do que têm feito os jogadores atuais da Premier League. Se olharmos para Henderson, que juntou os capitães no início da pandemia e angariou imenso dinheiro para o NHS [SNS britânico]. Raheem Sterling e as questões raciais… Ainda hoje vi um vídeo que mostrava o Harry Kane a visitar uma escola e a falar com as crianças.”
Durante o processo de pesquisa para o livro, Gary admitiu que ele e Ivor chegaram a pensar que não iriam conseguir 50 histórias para contar. “Depois, tornou-se óbvio que seriam bastantes mais. Talvez por esta altura, no próximo ano, tenhamos as próximas 50…”, deixa em aberto o apresentador do “Match Day”, da “BBC”.