Magnata dos supermercados no Brasil, Delcir Sonda viu Neymar com uma bola de futebol nos dias em que o nome não dizia nada ao mundo. Encantado, mas ciente do que poderia ganhar com a ação, apostou naquele que viria a tornar-se futebolista de elite. Agora, sente-se traído e espera que a justiça lhe dê o dinheiro que nunca recebeu.
O empresário contou ao “New York Times” como foi a primeira vez que viu o então garoto. O mundo não sabia quem ele era, mas as pessoas de São Vicente, localidade-dormitório nos arredores do porto de Santos, já o conheciam vagamente. Foi um encontro por acaso. Sonda passeava de barco, num domingo, em meados da década de 2000, quando viu um grupo de miúdos a jogar futebol num campo de chão duro, rodeado por uma rede. Parou o barco e foi espreitar.
“Havia um miúdo completamente diferente dos outros. Ficou-me na cabeça. Nunca imaginei que esse miúdo se tornasse o ‘meu’ jogador”, contou Sonda. Neymar teria 11 ou 12 anos na altura. Mais tarde, o atual PSG tornar-se-ia alvo de vários clubes milionários, com Sonda a ter investido milhões de dólares no desenvolvimento do jogador e no apoio à família.
Na segunda-feira, no tribunal espanhol, estará em causa, acima de tudo, dinheiro, embora sejam referidas acusações de fraude e corrupção. No banco dos réus, estará Neymar, mas também os seus pais, os ex-presidentes do Santos e do Barcelona, entre outras figuras ligadas ao futebol. Simbolicamente, tratar-se-á de promessas por cumprir. E dezenas de milhões de dólares. Enquanto os advogados de Neymar negam a legitimidade das autoridades espanholas para julgar o caso, o Barcelona recusou-se a falar com o “New York Times”.
Escreve o jornal norte-americano que Sonda quer receber pelo menos 35 milhões de dólares. Mas, acima de tudo, contou o empresário ao “NYT” é “a verdade” que procura, ou seja, o que aconteceu em 2009, quando o prodígio deixou o aflito Santos. O clube, depois de recusada uma transferência de Neymar para o Real Madrid, propôs ao jogador o controlo de 40% dos seus direitos financeiros em troca de mais algum tempo.
Sonda já estaria à espreita para comprar esses direitos a Neymar e à família, por dois milhões de dólares, ficando com 40% do que estava a ser oferecido. “Ficaram ricos da noite para o dia”, conta o empresário ao “NYT”. O homem forte dos supermercados não investiu apenas no Santos e em Neymar, mas também no Internacional de Porto Alegre, a equipa do coração, entre outros.
Os irmãos Sonda criaram mesmo um projeto para ajudar futebolistas promissores, garantindo, ao mesmo tempo, retorno financeiro. Aqueles que não singrassem, teriam sempre emprego nos supermercados da família. Mas isso nunca aconteceria a alguém como Neymar que, antes de se estrear pela equipa principal do Santos, já era alvo de negociações na tentativa de controlar o seu futuro.
Antes de se colocar nas mãos do projeto DIS, dos irmãos Sonda, Neymar tinha escolhido o agente Wagner Ribeiro. O empresário sugeriu que haveria clubes – como o Chelsea – interessados em disputar a compra dos 40%, o que usou como argumento para aumentar o preço dos direitos. Houve negociações, das quais Sonda terá saído zangado e decidido a não pagar mais do que o inicialmente proposto. O próprio conta que, no dia seguinte, Neymar e os pais estavam no seu escritório, a assinar o acordo.
A partir daí, sucederam-se convites para que Sonda visitasse a nova casa da família. Até que, em 2011, o magnata começou a notar a presença de outros convidados. Como Pini Zahavi, o conhecido empresário israelita. “Ele começou a aparecer porque queria levá-lo [a Neymar] para Inglaterra”, contou o entrevistado. Ao mesmo tempo, o pai do jogador terá começado a tentar reaver os direitos do filho. As ofertas, segundo Sonda, chegaram aos 8 milhões de euros. Mas o magnata já tinha visto que clubes como o Real Madrid estariam dispostos a pagar 70 milhões por Neymar.
Recusadas as propostas, nem o Santos, nem a DIS tinham então conhecimento de que, nas suas costas, Neymar Sénior e o Barcelona já tinham chegado a um acordo. O clube catalão concordara em pagar €10 milhões na hora a uma empresa criada pelos pais de Neymar, e depois outros €30 milhões quando o brasileiro assinasse pelo Barça, no final do contrato com o Santos, em 2013.
A DIS contactou o Barcelona. O clube negou o acordo, segundo Sonda. Na primavera de 2013, o Santos acordou com o Barcelona vender-lhe os direitos sobre Neymar a um preço de amigo: €17,1 milhões. Alguns extras melhoraram o acordo e foi apenas depois de um elemento do Barcelona ter posto o clube em tribunal que se soube o verdadeiro valor do negócio: mais de €100 milhões. No entanto, nenhum dos pagamentos alegadamente secretos do Barcelona teve algum reflexo positivo na fatia da DIS, que acabaria por receber apenas €6,8 milhões.
Em 2016, numa audição preliminar, Neymar afirmou nem sequer conhecer Sonda. O advogado do empresário estava armado com uma fotografia que mostrava o jogador ao lado de Sonda, na casa de praia do último. Delcir procura receber também milhões em danos e exige penas de prisão para Neymar, os seus pais e vários executivos implicados no caso. Mas o homem de 74 anos insiste que não tem nada a ver com dinheiro.
Vários elementos do Barcelona terão tentado resolver a situação, como o próprio Delcir admite: “Eu podia ter aceitado o dinheiro deles, mas não é importante. Eu preciso de saber o que aconteceu”. O empresário não está sequer preocupado com os efeitos do julgamento sobre a preparação do Mundial por parte do Brasil: “Não me parece que eles sintam a falta do Neymar. Agora, se fosse o Pelé, haveria problemas. Mas não é”.