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Para a frente é que é o caminho do Arsenal

Com mais certezas do que dúvidas, com a constância da ousadia e um flow arrebatador, a equipa de Mikel Arteta ganhou (3-2) a um soluçante Liverpool, vergando-o durante muitas fases de uma partida que provou, com 10 jornadas feitas na Premier League, como o Arsenal pós-Wenger já existe com um sorriso

Diogo Pombo

Justin Setterfield/Getty

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A ressaca, Arsenalmente falando, é um estado momentâneo de saúde clubística tramado de ultrapassar. Foram 22 anos à bolina do soprado por Arsène Wenger, o treinador-instituição tido e achado em tudo o que era decidido futebolisticamente no clube, elevando-o a títulos, presenças consecutivas na fase a eliminar da Liga dos Campeões, muitos deliciosos períodos de jogo bem jogadas e, mesmo que pessoa alguma seja maior do que um clube, a sua saída, em 2018, retumbou a equipa numa fase catatónica.

Replicar o senhor Wenger é impossível, mimicar alguém é milagre, mas, nos altos gabinetes do Arsenal, a intenção pareceu logo ser encontrar uma pessoa que viesse para ficar. Não Unai Emery, com o seu inglês esforçado e metódica obsessão, pelo que, em dezembro de 2019, seduziu Mikel Arteta a tentar sê-lo, arrancando-o da sombra de Pep Guardiola no banco do Manchester City para ser treinador principal no norte de Londres onde terminou a carreira de jogador. A oscilação entre a passividade e a excitação prosseguiram.

Em duas épocas e meia, a prevalência da estima à bola e a um jogo de posse, entremeado com as posturas estratégicas em clássicos e jogos grandes, nos quais o Arsenal se armava para condicionar os outros e feri-los rapidamente com transições, deram ao clube dois oitavos lugares e um quinto na Premier League. Por vezes palpável, outras vezes forçoso, o progresso era conforme os dias: o Arsenal ainda titubeava, os tempos a mordiscar títulos e a viver no terraço do futebol inglês eram melancolia e não realidade. Mas, esta temporada, deu-se o clique.

Aos praticamente os mesmos jogadores do ano passado, Arteta acrescentou o francês Saliba, absurdamente ágil para tão corpulento defesa central, e Gabriel Jesus, o avançado irrequieto com samba nos pés a quem a titularidade no City era esporádica. Com ambos pregados ao onze, veio o melhor arranque na Premier League nos últimos 15 anos, sete vitórias e uma derrota envoltas num estilo a abusar da posse de bola, com extremos de pé trocado (o destro Martinelli à esquerda e o canhoto Saka à direita) com todas as ações apontadas à baliza e, entre eles, o norueguês Odegaard dar toques de algodão às jogadas e ser o predileto passador de assistências.

Todos feriram o Liverpool ao seu terceiro jogo grande nesta Premier League (vitória com o Tottenham, surpreendente derrota com o United) e logo em menos de dois minutos, a serem o que não costumam ser esta época, rebobinando a tendência de Arteta noutras dobragens do calendário: bola recuperada, passes verticais obrigatórios, frenesim na jogada para logo atacar espaços e golo de Martinelli. O brasileiro carregaria o rápido contra-ataque do segundo golo, fixando a atenção de dois adversários antes de cruzar para Saka. A prática de jogadas rock ‘n’ roll no mutável Arsenal que periga como mais lhe convier ferir a outra equipa.

Este domingo, essa era o Liverpool, a equipa também algo esquizofrénica esta época, um quê sôfrega com a queda de forma de alguns nomes - Salah o mais notório, Thiago Alcântara outro, depois Arnold e Robertson, dupla de laterais tão fulcral no ímpeto atacante - e a ser golpeada num número anormal de vezes quando defende. Lentos de reação e concedendo espaços como nunca na era de Jürgen Klopp, ainda marcaram na primeira parte com Darwin e, na segunda, por Firmino, duas manifestações de vida entre a incapacidade de se sobreporem a uns londrinos que jogam com um sorriso nas chuteiras perante o tanto que têm crescido.

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Shaun Botterill/Getty

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Charlotte Wilson/Offside

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Shaun Botterill/Getty

A segunda metade demonstrou-o flagrantemente. O Arsenal era um dínamo em movimento, a bola a ir dos defesas aos médios e a acabar nos atacantes em passes feitos com certeza no meio de movimentos coordenados e não acaso. Era uma equipa a desfrutar da estabilidade de uma intenção e feliz nos pulos de crescimento que está a dar, já a habituar com constância no meio-campo de um Liverpool encolhido, manietado e incapaz de ligar três passes seguidos perante a pressão consertada dos gunners.

O terceiro pontapé válido ter surgido de penálti é uma desfaçatez injusta para quem limitar aos golos a visita a este jogo. Quando Thiago derrubou Gabriel Jesus, os visitantes tinham dois, três minutos somados a suster tentativas consecutivas na área, com os onze jogadores lá espremidos, a levarem com jogadas que terminavam sempre em remate. O flow do Arsenal era arrebatador - a capacidade de terem a bola e fazerem dela uma ameaça, sem pudores a popular a área de gente a aparecer para rematar, é uma constância de ousadia com que se têm destacado nesta Premier League.

A vitória chegou sem tremideiras e com o Arsenal seguro, estável e confiante, a conspirar as posses de bola com calma para gelar os ritmos e vergar o Liverpool a uma banalização anormal com Klopp, no dia do sétimo aniversário da convivência dos reds com o treinador alemão que os devolveu à mentalidade de peito cheio dos anos 80 e 90. Feita uma dezena de jogos, o Arsenal de Mikel Arteta lidera o campeonato inglês e a sensação de não haver dúvidas é o melhor a que o clube poderia almejar.

Verticalizando todas as jogadas sem medo, dando a batuta do risco atacante a futebolistas cheios de talento nos seus vinte e poucos anos (o português Fábio Vieira, entrada nos descontos, terá de se pacientar enquanto brilha a espaços), este Arsenal já se recheia com mais certezas do que dúvidas. À quarta época com Arteta, para a frente já parece mesmo ser o caminho.