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Cavani, a “ave rara” no futebol: “Não tenho o livro da felicidade. Apanhei jatos privados, dei-me a luxos e desfrutei, mas não me faz feliz”

Brilhou no PSG, foi apaparicado pelo Benfica e acabou no Manchester United, mas não ficou. O internacional uruguaio está agora a viver um novo capítulo, no Valência, e assume-se como um eterno aprendiz do que é tentar ser feliz nesta vida

Expresso

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Em entrevista ao “Relevo”, um novo meio de comunicação desportivo espanhol, Edinson Cavani, internacional uruguaio que ficou – ainda – mais famoso em Portugal aquando do namoro do Benfica, no verão de 2020, aceita que lhe chamem “ave rara do futebol”. “Talvez, sim, pode ser. São coisas que deixo aos outros”, diz o homem que brilhou no PSG e foi para o Manchester United durante a maior crise do clube nos últimos 20 anos. “Em Manchester, houve situações em que dizia que, num momento da minha carreira, comecei a ver o futebol como uma escola, em que temos de estar abertos a aprender com os treinadores, com os colegas…”, confessa.

No entanto, Cavani, de 35 anos, mantém essa visão do futebol enquanto escola: “Caso contrário, terminas com a carreira vazia. Acabas com dinheiro e possibilidades, mas se não utilizas o futebol para aprender o que é a vida, não serve”. O avançado prossegue com a explicação: “Tenho as ideias bastante claras, não tenho o livrinho da felicidade, mas esta é a maneira que creio dever ser a minha forma de vida. Nunca me excedi nas minhas conquistas, equivoco-me porque sou um ser humano”.

Cavani não nega que a conta recheada também ajuda, mas contrapõe que o dinheiro não é tudo: “Também [houve momentos em que] não tinha nada e fui feliz. (…) Nunca passei fome, a minha família sempre teve o necessário para educar-me, sempre me ajudou com o que podia e, com o que tive, fui feliz”. O jogador faz questão de acrescentar: “Hoje em dia, todos querem mais e mais”.

Há uma filosofia de vida muito presente em Edinson. O internacional uruguaio fala de se encontrar “com experiências opostas” durante a carreira de futebolista. “Começas a dar-te conta de que, para conseguir coisas, tivemos de renunciar a muitas outras”, explica Cavani, recuando à infância: “Quando era pequeno, houve muitas que me fizeram feliz. Não era quem sou agora, mas era feliz. Agora tens muitas possibilidades, mas renunciaste ao que te dava a felicidade. O que conseguiste não é a felicidade”.

O atual jogador do Valência mantém bem presente a noção do que o faz feliz: “As minhas raízes, os meus amigos, a minha terra, tradições, a minha família. E isso, mantenho-o”. “Apanhei os meus aviões privados, dei-me a luxos e desfrutei deles, mas, neste momento, isso não me vai fazer mais feliz. Talvez soe hipócrita que eu diga disto”, admite o ser humano que, por sê-lo antes de ser futebolista profissional e estrela dos relvados, já recorreu a ajuda psicológica e di-lo sem problemas.

“A primeira vez que fui [à terapia] foi após a reviravolta do Barça frente ao PSG. Afetou-me bastante. (…) Em cinco minutos mudou tudo o que estávamos a fazer. É um golpe tão grande que não podes controlar e que, sendo futebol, toca noutras partes da tua personalidade, com sintomas de ansiedade, suores frios, (…) tinha medo de dormir. (…) Fui ao médico do PSG, que adoro e ele disse-me: ‘O que se está a passar acontece a muitas pessoas em contextos diferentes’. Percebi que não era um super-herói”, conta, na entrevista ao “Relevo”.

“Fiz terapia muitos anos. Cresci numa geração com pais que te dizem que não deves chorar, que não podes expor as emoções. Como se não pudesses mostrar debilidades, como se crescesses com uma armadura que faz pensar que és mais forte do que todos”, diz Cavani, com clareza, consciente de que há muita gente que acaba por cair: “Não és um super-herói, daqueles que podem com tudo, ajudas a família, marcas todos os domingos. Mas, por vezes, não nos escutamos a nós próprios. (…) Para isso, há profissionais. A minha teoria é que todos precisamos de todos, a vida é um círculo”.

A certa altura, quiçá sem intenção, Cavani faz-nos pensar nas eternas lutas do futebol. Vem-nos obrigatoriamente à memória uma rivalidade batida: Cristiano Ronaldo e Lionel Messi. “É uma mentira isso de lutar por ser sempre o melhor. Haverá sempre alguém acima de ti, que tem ou sabe mais do que tu, é mais bonito do que tu, etc.”, diz o uruguaio, que não esquece um dos temas do momento.

“Nas redes sociais, é como se valesses o que pareces ser ou [és alguém] de acordo com o que tens”, opina Cavani. “E não se luta por melhorar e crescer. Perdemos muito tempo com coisas que não interessam. O futebol é cada vez mais mediático e influente na vida dos outros. Mas a saúde mental é fundamental e há falta dela no futebol”, remata o avançado.