Igor Jovicevic é croata e treina o Shakhtar Donetsk no período mais difícil da história do clube (de 2014, quando os russos invadiram Donetsk, até hoje, passando pela mudança para Kiev e depois para Lviv). Há 20 anos ligado ao futebol ucraniano, Igor refere que lidera uma equipa que “não joga”. A guerra obriga a paragens constantes. Todavia, essa pausa triste acontece apenas internamente. O Shakhtar está na Liga dos Campeões e vai ter um teste difícil, ao visitar o Real Madrid. Para Jovicevic, será também um regresso, uma vez que passou pela equipa B do gigante espanhol.
A 24 de fevereiro de 2022, o croata ainda não orientava o clube originalmente de Donetsk. Igor, de 49 anos, estava no SK Dnipro-1, também da primeira divisão do futebol ucraniano. Fugiu para o oeste e entrou na Roménia, seguindo uma multidão assustada, como ele. Oito meses mais tarde, está de regresso e a orientar um dos dois clubes mais preponderantes da nação azul e amarela. Jovicevic disse agora, em entrevista ao “El Mundo”, que a sua equipa é “nómada”, “sem jogar”.
O início da guerra marca, como seria de esperar, o início da conversa, ultrapassando em relevância a bola que tem dificuldade em rolar na relva sem que soem as sirenes. Igor descreve o dia 24 de fevereiro: “Estava em Dnipro. Tínhamos voltado da pré-temporada na Turquia e, nessa mesma noite, às 5 da manhã, começaram os bombardeamentos. Começou o caos, a invasão e o stresse que ainda trago comigo”.
Durante vários dias, o técnico e outras pessoas tentaram sair da zona em perigo. Foram para Lviv, “a única zona mais ou menos segura”. “Ninguém esperava uma invasão desta magnitude. Pensavam que ia acontecer apenas no Donbass, mas é um desastre que persiste”, desabafa o croata, que prossegue: “Era um sentimento de pânico (…) queria sair o mais depressa possível para me juntar à minha família. Demorei 60 horas a fugir da Ucrânia depois de várias tentativas. Algumas fronteiras tinham as pontes destruídas, outras eram já controladas pela Rússia”.
O técnico, que diz ter mantido o contacto com todos os que ficaram para trás, acabaria por regressar ao país mártir por causa de “um sentimento patriótico”. “A partir do quarto mês de guerra, começou a valorizar-se o regresso do futebol como forma de dizer que a vida continua. O desporto mexe com as emoções das pessoas e era importante mostrar que continuávamos ali, gritar que estávamos vivos”.
A guerra está mais visível em 2022, mas a verdade é que a invasão do exército de Putin começou em 2014. “Eu era o treinador do Karpaty Lviv. Sei como se sente o povo, o que (…) sentiu na invasão. Os motivos para voltar foram sempre desportivos, porque eu não sou soldado, sou treinador de futebol, mas voltei também à Ucrânia por questões de coração”, admite.
A viver em Lviv, Igor conta ao “El Mundo” como é o seu dia-a-dia: “Jogamos aqui as partidas da liga em casa. Disputamos a Liga dos Campeões em Varsóvia. Em Lviv, não temos bombardeamentos há uns meses. (…) Há muitas sirenes, constantemente, que nos obrigam a parar os treinos e a ir para os bunkers, mas já não caem bombas. Treinamos e vamos para o hotel, por agora estamos tranquilos”.
O regresso do futebol fez-se em Kiev, “por uma questão de patriotismo”. Não sabiam se a Rússia iria levar a atitude como uma provocação. No primeiro dia da pré-temporada, o destaque foi para o plano humano: “Falamos de vitórias ou derrotas, mas sabemos de que profissionais estamos a falar e as dificuldades de preparar um jogo com as sirenes a fazerem-se ouvir. Temos uma responsabilidade civil”.
“Ao fazermos o nosso trabalho, tentamos ajudar as pessoas que estão a lutar na primeira linha, para que possam desfrutar do jogo”, conta o croata, que acrescenta: “É uma pequena responsabilidade. Neste tipo de jogos, sentimos o apoio de toda a Ucrânia e isso cria uma autoestima para lutar, para agradecer aos que lutam pela liberdade e nos permitem jogar futebol. (…) O nosso último jogo, no sábado, esteve parado durante 15 minutos por causa das sirenes”.
Com a saída de muitos dos jogadores estrangeiros, ficaram os da casa. Mais do que ucranianos, são da região original do clube. “A maioria é de Donetsk e tem família e amigos lá. Perderam a sua casa em 2014, mudaram-se para Kiev, já se haviam habituado a outra cidade que não a sua. (…) E perderam-na novamente por causa da invasão. Agora estamos em Lviv, vamos a Varsóvia ou não sei aonde. A nossa casa é o autocarro. (…) Somos nómadas”.
Em Madrid, o técnico croata vai reencontrar um compatriota que, também ele, viveu uma guerra: Luka Modric. “Sofreu muito e ficará com esse sentimento a vida toda. Posso fazer um paralelismo entre a situação croata e a ucraniana. São países amigos. Esse orgulho que têm os ucranianos pode mudar-lhes a mentalidade para o futuro”, defende Igor Jovicevic.