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André Villas-Boas: “As pessoas dizem-me: ‘Ele era um miúdo estúpido que quis ser treinador e não correu bem no Chelsea porque era teimoso’”

O treinador português ainda é recordado pela passagem por Inglaterra, onde treinou Chelsea e Tottenham. Em entrevista, Villas-Boas fala do que tem feito e do que se passou em Stamford Bridge, em particular, e que daria “uma autobiografia chocante”

Expresso

Jonathan Bartolozzi/Getty

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André Villas-Boas, o homem que tinha no Dragão a sua cadeira de sonho, acabou por experimentar muitos outros assentos, dois deles em Inglaterra, onde é ainda recordado. Em entrevista ao jornal “The Telegraph”, o técnico conta o que tem feito nos últimos anos, desde as visitas a bairros pobres de Nova Deli à paixão pela escrita.

Desde que deixou os spurs, em 2014, Villas-Boas tem permanecido em silêncio grande parte do tempo. Mas o jornal inglês assegura que o portuense é lembrado por muitos daqueles que compõem a vasta comunidade ligada ao futebol no país. Nos últimos anos, Villas-Boas tem andado pela Ásia, onde abraçou vários projetos de voluntariado. Um deles chama-se Slum Soccer e, enquanto embaixador dos Laureus, o português andou a visitar bairros pobres de Nova Deli.

“A maioria de nós conhece os problemas sociais que vivemos, mas agora, na Índia, estão noutra escala. Ver as pessoas a apanhar comida do lixo, sem calçado, sem saneamento ou água corrente… (…) É verdadeiramente difícil de ver”, diz o antigo treinador do FC Porto. Mas Villas-Boas também testemunhou a força do futebol.

Multifacetado, André Villas-Boas baseou uma ONG noutra das suas paixões: o automobilismo. A Race for Good é uma forma de angariar dinheiro, mas também uma prova da natureza curiosa do português, algo que se tornou óbvio desde o tempo em que era olheiro de José Mourinho, no FC Porto, e depois no Chelsea.

Sobre os seus tempos em Inglaterra, Villas-Boas não esconde as dificuldades: “Porque não tenho problemas em falar dos meus falhanços. As pessoas dizem-me: ‘Ele era um miúdo estúpido que quis ser treinador e não correu bem no Chelsea porque ele era teimoso, blá blá blá”. “Há tantas mentiras neste jogo que as pessoas querem associar a mim. (…) Quantos treinadores foram despedidos pelo Chelsea?”, questiona.

“O Chelsea foi algo que acontece a muitas pessoas que passam por lá. Por vezes tens sorte, ganhas um troféu e pelo menos deixas uma marca. Eu não tive a sorte”, confessa Villas-Boas, acrescentando: “Pensávamos que não precisaríamos de tantas mudanças quando começámos. Foi um erro de gestão”.

André lembra o falhanço na contratação de Luka Modric, então no Tottenham. “Havia também o negócio João Moutinho para fazer. Foi a promessa de Roman [Abramovich] na altura. (…) Falcao era outro que esteve quase a vir”, refere. “Há muitas coisas sobre esse tempo que merecem uma daquelas autobiografias chocantes em Inglaterra”, brinca.

Após ser despedido, em março de 2012, o Tottenham apressou-se a contratá-lo para substituir Harry Redknapp. Foi uma época de bons resultados, no fim da qual Gareth Bale rumou a Madrid. Villas-Boas era pretendo pelo PSG e confessa que, embora quisesse ficar em Londres, o presidente do Tottenham, David Levy, queria vendê-lo.

“A oferta do PSG estava em cima da mesa. Sim, o Daniel queria vender-me por 15 milhões de libras. Obviamente, o PSG não queria pagar 15 milhões e houve muitas coisas que não correram bem, particularmente na abordagem deles”, conta Villas-Boas, prosseguindo: “Eu decidi ficar, pelo meu amor ao Tottenham. (…) Foi nessa altura que começou uma má relação para a segunda época”.

O português acabaria por sair com “um acordo de cavalheiros”. “As pessoas em Inglaterra referem-se a mim por causa das cláusulas de rescisão e dos pagamentos. (…) Eu tinha um acordo com o Chelsea para ser pago mensalmente e consegui o trabalho em junho. Por isso, o Chelsea pagou-me quatro meses do meu ordenado. Nunca recebi uma compensação de 10 ou 15 milhões de libras. (…) Foi precisamente igual com o Tottenham”, conta.

Um dos (muitos) livros favoritos de André Villas-Boas é “A ascensão do Super-homem”, de Steven Kotler, que examina a performance de alto nível e os seus requisitos. Está atento ao mundo, segue os clubes por onde passou. No Chelsea, viu com curiosidade a chegada de Todd Boehly e de um furacão de ideias: “No início, estás em total negação das ideias que surgem, mas depois vês o estado da concorrência e não sabes se outras coisas poderiam acontecer, se outro modelo poderia resultar. (…) Os americanos [como Boehly] estão 10 anos à frente de nós”.

Villas-Boas, romântico confesso, admite que gostava de orientar uma seleção. Mas o que pode acontecer depois do futebol? “Eu gosto de escrever. Escrevo muito. Coisas diferentes. Escrevo do coração, coisas muito emotivas relacionadas com o Porto, Marselha, a minha vida. (…) Depende do que vier a seguir, mas o meu próximo emprego pode ser o último e talvez eu possa finalmente juntar-me ao “Daily Telegraph”, responde com um sorriso.