Bruno Fernandes deu uma entrevista a “The Athletic” em que falou do atual momento do Manchester United, do início periclitante depois de uma pré-época promissora, do ex-treinador Ralf Rangnick e, obviamente, da celebridade que tem como companheiro de equipa, Cristiano Ronaldo.
Sobre os momentos menos bons que o histórico clube do noroeste de Inglaterra tem vivido, Bruno confessa: “Conseguíamos senti-lo entre nós, entre os adeptos, na atmosfera, era como voltar ao passado. Todos sentiam que a confiança estava novamente em baixo. (…) Cheguei a sentir que eram fantasmas do passado”.
Os espíritos que assombram Old Trafford vêm de um passado recente. Referem-se à turbulência da época transata, entre o despedimento de Ole Gunnar Solskjaer – figura maior do clube enquanto jogador, incapaz de repetir os feitos como técnico – e a curta passagem de Ralf Rangnick pelo comando técnico dos red devils. Foram seis derrotas consecutivas na Premier League, no final da última temporada.
“A confiança no futebol não é tudo, mas é quase tudo. Teres a confiança dos teus colegas, do teu treinador, dos adeptos, é verdadeiramente importante, porque, por vezes, em campo, quando falhas um passe…”, contou o português, deixando o final da frase em suspenso, apenas para logo a seguir imitar o som que os adeptos fazem quando um passe não chega ao destino. “No passado, sempre que falhávamos um passe ou algo do género, estávamos a desiludir alguém”, admite.
“Tenho mais de 400 jogos na carreira. Tenho tido jogos maus, jogos muito bons, jogos normais. É tudo uma questão de compreender o que fizeste bem nos jogos bons”, diz o natural da Maia, que vive agora um momento de ascensão coletiva. Fernandes sublinha o trabalho do novo treinador, Erik ten Hag, que compara ao pai: “O meu pai também me pontapeava e era muito forte! No futebol, vai haver sempre alguém mais velho do que tu ou com mais experiência. Tem a ver com tornarmo-nos mais espertos do que eles e encontrarmos as nossas armas para os bater”.
Bruno Fernandes é o tipo de jogador a quem, no futebol, nos referimos como um 10. É o tipo de futebolista que tem como grande missão encontrar espaço na relva. “Encontrar as áreas que não estão ocupadas ou, por vezes, as zonas mortas onde ninguém consegue ver-te ou marcar-te. Ou, se te marcarem, vão criar mais espaço no meio para outras pessoas”, explica o ex-capitão do Sporting.
Às tais “zonas mortas”, Fernandes chama “área do árbitro”. “Porque ninguém marca o árbitro”, acrescenta, dando até o exemplo concreto de Mike Dean, um homem do apito inglês da Premier League, para atestar a sua atenção: “Ele, por exemplo, corre muito pelo centro [do campo], que é provavelmente melhor para ver o jogo, mas, para nós, número 10, essa não pode ser [sempre] a nossa posição”.
Desde que chegou a Old Trafford, em 2020, Fernandes conquistou os adeptos, ascendeu meteoricamente dentro da equipa. Mas a verdade é que o Manchester United não foi o primeiro clube inglês a procurar os seus serviços. Em agosto de 2019, estava ele no Sporting, o Tottenham fez uma proposta que ficou abaixo do que os leões pretendiam. Bruno lembra: “Obviamente que eu queria ir para a Premier League. O treinador, Mauricio Pochettino, era quem me queria lá. Foi uma boa oferta, mas o Sporting fez tudo para que eu ficasse. (…) O presidente [Varandas] falou comigo no dia errado. Foi quando eles decidiram recusar a oferta do Tottenham e eu fiquei zangado. Felizmente, o treinador [Keizer] era o ideal naquela altura”.
Robbie Jay Barratt - AMA/Getty
Foi na primeira semana de 2020 que Solskjaer e o seu adjunto viajaram para Lisboa com o intuito de observar o capitão leonino frente ao FC Porto, um jogo que os verdes perderam por 2-1. Mais tarde, o técnico norueguês diria a Fernandes que ficara impressionado com a sua personalidade em campo.
“No início de janeiro, o meu agente disse: ‘Não tens de te preocupar, porque a qualquer altura eu apresento-te um clube, será um clube de sonho para ti’”. Para o português, o sonho tinha um nome: Manchester United. A vontade era de vestir aquela camisola vermelha, mas também de exercer a sua influência em campo. Solskjaer apercebeu-se disso desde o princípio. “Ele disse: ‘Eu sei do que és capaz com a bola, mas quero também que sejas o líder que eras no Sporting”, conta o português.
Quando as coisas ficaram cinzentas, os jornais ingleses viram um Bruno Fernandes quezilento, fora de controlo. “É assim que eu sou. O que vês em campo é o Bruno apaixonado pelo jogo, que não dá nada por perdido. Eu consigo lutar com alguém que é meu amigo fora de campo. Jogo contra o Wolves e há muito jogadores portugueses, mas se tiver de pontapeá-los, faço-o. Se tiver de reclamar com eles, faço-o”, confessa o criativo.
Há quem diga que Bruno agita os braços quando quer reclamar com os companheiros de equipa. “Isso nunca aconteceu”, responde, continuando: “Eu posso agitar os braços para pedir a bola e para lhes dizer alguma coisa sobre o sítio onde devem colocar a bola. Mas nunca falo com eles com maus modos. (…) Não exijo mais de ninguém do que de mim próprio”.
Entre Solskjaer e ten Hag, Bruno Fernandes foi orientado por Ralf Rangnick, que chegou como interino e ganhou apenas 10 dos 24 jogos da Premier League em que liderou o United. Sobre o alemão, Fernandes diz: “O Ralf chegou com a sua ideia de jogar com intensidade e pressão, como costumava fazer na Alemanha. Mas não resultou porque havia um ambiente entre todos em que a confiança estava em baixo. (…) Não tem nada a ver com o Ralf. Ele deu o seu melhor. É um bom treinador, com boas ideias, mas não encaixou bem com toda a gente”.
Sobre as críticas que um jogador pode ouvir dos adeptos, Bruno Fernandes problematizou a questão: “É fácil pensar, das bancadas, ‘porque não fazer isto?’. Mas, em campo, tens um segundo para pensar. (…) Imagina um defesa central a passar-me a bola. Tenho o lateral direito a quem posso dar a bola, mas ele está a ser marcado por três adversários. Por isso, se fizer um passe ‘fácil’, estou a dizer ao lateral, ‘agora lida com isso’”.
Longe da fama de ter mau feitio, no balneário, Bruno é visto como um jogador divertido. “No outro dia, vi um vídeo em que perguntavam ao Rapha [Varane] quem era o jogador mais engraçado do balneário e ele disse ‘Bruno’. A maioria das pessoas ficará surpreendida (…), porque elas não sabem quem sou ou como lido com os outros”.
Cristiano Ronaldo é um tema incontornável numa entrevista a Bruno Fernandes, por coincidirem tanto no clube, como na seleção. Ultimamente, em qualquer conversa com os média, surge a pergunta sobre o colega de clube e seleção. Até agora, o médio português tem respondido sempre. “Obviamente, é muito bom jogar com ele, para alguém que faz assistências. Se lhe deres a bola certa, ele marca”.