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Santos Márquez, o empresário esquecido do “Caso Figo”: “Todos mentem. A única verdade são as comissões”

A Netflix estreou recentemente o documentário “O Caso Figo”, à volta da questão “Quem diz a verdade sobre como foi gerida a contratação que mudou para sempre o futebol espanhol?”, falando da ida do português do Barcelona para o Real Madrid. Santos Márquez reclama a sua quota de protagonismo e sublinha, numa entrevista ao El Confidencial, que ninguém é inocente na história

Expresso

PIERRE-PHILIPPE MARCOU/Getty

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Santos Márquez, antigo empresário de futebol, considera-se o único protagonista na controversa viagem de Luís Figo de Barcelona para Madrid. No contexto da estreia do documentário “O Caso Figo”, da Netflix, que gira sobre a pergunta “Quem diz a verdade sobre como foi gerida a contratação que mudou para sempre o futebol espanhol?”, Márquez não tem pejo em responder que “todos mentem”.

O ex-agente diz que Florentino Pérez já tinha assinado um acordo com o então melhor jogador português “a 28 de março [de 2000], às 10 horas”, quatro meses antes de o negócio ser tornado público. Figo, então capitão do Barça, nunca deixou de ser odiado na Catalunha, mas passou a ídolo na capital de Espanha, ajudando a ser eleito presidente do Real Madrid um então desconhecido.

Luís Figo, no documentário, fala da falta de carinho por parte da direção catalã e de uma reunião em Lisboa, com um Florentino já eleito, que o convenceu a fazer parte de um plantel galáctico. Em entrevista ao site El Confidencial, Santos Márquez nega a versão do ex-jogador.

“O único protagonista da contratação fui eu”, diz logo o antigo empresário, passando de imediato à revisão do documentário: “O que se diz (…) é totalmente falso. A única verdade são as comissões. (...) A transferência foi negociada muito antes do que diz o documentário. [José] Veiga e Futre entraram 15 dias antes das eleições, quando o negócio estava feito”. O acordo terá sido concretizado num momento fulcral, quando o antigo agente trabalhava havia já dois anos com o então candidato Florentino Pérez.

Quanto à verdade, Márquez vai desenrolando a sua versão: “O que foi tornado público sobre os valores a pagar no caso de uma das partes romper o pacto: isso sim, é verdade. Se o Florentino fosse eleito (…) e traísse o acordo, teria que pagar. E vice-versa, se fosse Figo a não querer vir para Madrid”.

“O que Figo fez, qualquer outro trabalhador do mundo o faria”, diz Santos Márquez, em resposta à sua própria pergunta: “Se estás a receber 1.000 euros numa empresa e outra te der um milhão, o que fazes?”. “Não se pode matá-lo (…), quis ganhar dinheiro com a sua profissão e foi para o melhor clube do mundo”, diz o espanhol sobre o jogador formado no Sporting. “Nisso dou razão a Florentino. Sem dúvida, não é o melhor presidente do planeta. Conseguiu sê-lo durante os primeiros quatro anos de mandato da sua primeira etapa”, acrescenta.

Sobre o documento que vinculou o português aos merengues, Márquez garante que foi assinado por três pessoas: “Florentino, Figo e eu”. Garante não o ter, mas também admite que, se o tivesse, não o tornaria público. E admite que tem boa memória para datas, daí as muitas certezas de que se orgulha no caso Figo: “Não sejam ingénuos. Se [o acordo] não estivesse assinado anteriormente, teria sido mais fácil para o Barcelona ficar com Figo. Pagavam 30 milhões e continuavam com o melhor jogador da Europa na sua equipa”.

Para o homem que diz ter trabalhado mais de 40 anos no futebol, o documentário da Netflix mostra “os últimos 15 dias [do negócio], para que nem Figo nem Florentino saiam prejudicados”. “Não entendo porque não se disse a verdade, apenas os números da comissão”, reitera Márquez, que não percebe a razão que levou Florentino Pérez a pagar as comissões de Futre e Veiga.

No documentário, aquele que na altura da transferência de Figo era o empresário português com mais visibilidade tenta libertar a pressão dos ombros do futebolista. “Era uma estratégia: (…) dizer que o seu representante tinha tratado da assinatura. Figo foi o primeiro a assinar, porque fê-lo em março. Aquilo foi um circo que eles montaram para ficar tudo bonito”, diz Santos Márquez, que revela ter havido ainda uma hesitação do jogador português: “No último momento, quando se viu que Florentino ia ganhar, (…) dá-se conta de que era ali [Barcelona] que tinha a sua vida e a sua família”.

Ao El Confidencial, Santos Márquez mostra um ficheiro áudio em que se pode ouvir Paulo Futre, depois de o espanhol lhe ter chamado “traidor” pelo que disse no documentário: “Estás maluco? Como podes dizer-me algo assim? Falei de Sá Pinto, falei de tudo, mas não o incluíram. (…) Apenas contaram a verdade de Figo, mas da outra parte ninguém sabe. O que está por trás, os 90%, ainda não foram contados. Deveria haver um segundo capítulo. (…) Como poderia não falar de ti?”.

Na reunião de Lisboa, quando o negócio parecia fechado, “Figo estava assustado”, conta o espanhol. “Passaram duas, três e quatro horas e não havia nada fechado. (…) Futre tinha muita vontade de concretizar a operação e forçou muito. Às quatro da manhã, falei com o Luís muito a sério. Disse-lhe que tinha um compromisso com Florentino e que o sabia”, acrescenta, revelando que Figo chegou a pedir que contratassem Sá Pinto à Real Sociedad. Quando o presidente do Real perguntou a Santos Márquez de quem se tratava, o empresário disse “que era um ciclista”.

Márquez diz também que Joan Gaspart, o então presidente do Barcelona, tentou igualar o que ofereciam os rivais. “Pensou que os barcelonistas o iriam castigar”, afirma. Mas Gaspart não o diz na obra da Netflix. Porquê? “Porque não lhe interessa. Eu liguei-lhe (…) no dia seguinte a ter visto o documentário para lhe dizer que ia contar tudo”, diz Santos Márquez, que confirma a ideia de Florentino, de pagar aos sócios do Real caso Figo não viesse.

O antigo agente assume ter recebido pelo negócio, embora garanta que ganhou “bastante menos do que Futre e Veiga”. Quanto às voltas que terá dado o empréstimo que alimentou o negócio, Márquez não diz muito, mas responde às críticas da direção catalã de Gaspart: “Quando se paga uma cláusula, tem de ser o jogador a pagá-la, ele compra a sua liberdade. É sempre assim, mas não é assim. O que se faz é negociar para que o jogador não saia prejudicado e que não fique carregado de impostos. Não creio que tudo isto tenha prejudicado Figo, tem uma personalidade impressionante, é um grande homem, tem uma grande família”.

Ao contrário do português, com quem fala “algumas vezes”, Santos Márquez assume que não comunica com Florentino Pérez “há, pelo menos, 18 anos”. O homem que diz que “o futebolista é sagrado” foi também o responsável pela ida de Iker Casillas para o FC Porto, em 2015, negócio que lhe custou a condenação a quatro anos de prisão – por cumprir – e a perda da licença para exercer a sua profissão. Márquez insiste que esse negócio “não foi bem explicado, [o guarda-redes] foi a desculpa, mas é igual”. Neste momento, os seus advogados dão tudo para que este não tenha de cumprir a pena.

Finalmente, acerca das razões que podem ter levado Luís Figo a comprometer-se com um candidato a presidente do Real Madrid que ninguém conhecia, Santos Márquez é claro: “Figo tinha 27 anos. Não era nenhum menino. Era o contrato da sua vida. Qualquer jogador teria assinado esse contrato. O que se passou foi que ninguém pensava que Florentino Pérez fosse ganhar as eleições”.