O Liverpool ainda não tinha conquistado qualquer vitória. Era um animal ferido. O Bournemouth chegava ao relvado do Anfield com a intenção de sobreviver. Mas rolou tudo ao contrário. Aos 31’, os rapazes de Jürgen Klopp já tinham marcado quatro golos. Aos 90’, eram nove: 9-0. Foi apenas a quarta vez que este resultado foi observado na Premier League, a nova versão da Liga Inglesa.
Se o Southampton logrou esse desprazer recentemente, contra Leicester e United, os red devils foram os primeiros a fazê-lo, do lado mais simpático da história, numa tarde mágica de Andy Cole, em março de 1995, contra o Ipswich Town. O avançado inglês fez cinco golos, com Ryan Giggs a ser muito Giggs e Mark Hughes a dar espetáculo, tudo pintado pelo som irresistível daqueles tempos que era cuspido das bancadas.
Regressemos a este fim de semana. Scott Parker, o treinador dos visitantes, admitiu que precisava de novos jogadores e falou em “choque” e numa experiência de “humildade”. Klopp reconheceu que não foi uma tarde boa para alguém defrontar o Liverpool
Depois do jogo, no programa “Match of The Day”, da BBC, Gary Lineker lançou o tema com a sua sabedoria habitual. Questionava que tipo de consequências sofre uma equipa que leva uma pancada destas. “Se ao menos tivéssemos alguém no estúdio que experienciou uma derrota de 9-0 em Anfield… Oh!”, exclamou, ironizando, olhando para Ian Wright, o famoso ex-avançado do Arsenal.
Jermaine Jenas, ex-futebolista, riu-se com Lineker. Wright esboçou um sorriso, mas havia algum incómodo, a lembrança pesava. Na tarde de 12 de setembro de 1989, era uma terça-feira, o Crystal Palace visitou o mítico Anfield, perante mais de 35 mil pessoas. Ao intervalo, os londrinos estavam a perder por 3-0, com golos de Steve Nicol, Steve McMahon e o inevitável Ian Rush.
O treinador dos visitantes, Steve Coppell, deixou um aviso à equipa durante o descanso: “Temos de ter cuidado aqui, estamos a jogar contra uma equipa de elite”, lembra Ian Wright. “Mas nem nos aproximávamos deles.”
Aquela trama continuou e os golos não andaram realmente sozinhos, como cantam os especiais adeptos do Liverpool. Steve Nicol, outra vez, Gary Gillespie, Peter Beardsley, John Aldridge, John Barnes e Glenn Hysén voltaram a fazer o marcador cantarolar a festa: 9-0.

Ian Wright vs. Manchester United, na final da Taça de 1990
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“Eu estava a chorar”, continuou Wright, enquanto Lineker já ouvia com alguma empatia e compreensão. “Comecei a chorar quando o Geoff Thomas falhou o penálti quando estava 6-0, não só porque o queria marcar, mas porque era devastador. O facto é que é humilhante… Eu chorei. Foi muito mau para nós, tivemos de nos erguer rapidamente porque eles eram simplesmente tão bons. Foi difícil na semana seguinte, foi uma das semanas de treinos mais horrorosas.”
Mas a redenção veio mesmo mais tarde. O Crystal Palace até terminaria a Division One na 15.º posição, com os mesmos pontos, imagine-se, do que Manchester United e Manchester City, mas teve o seu momento alto na FA Cup. Na tarde de 8 de abril, no Villa Park, em Birmingham, os rapazes de Londres eliminaram o Liverpool nas meias-finais da Taça de Inglaterra, após prolongamento. O resultado ficou 4-3, Alan Pardew, o treinador dos tempos que correm, marcou um dos golos. Ian Wright não estava na ficha de jogo.
Mas jogou na final contra o Manchester United e de que maneira, senhores. Com dois golos, foi uma das figuras daquele 3-3, em Wembley, numa tarde de maio. Sir Alex Ferguson era o homem que tentava transformar o clube de cima abaixo. Foi necessário jogar-se uma finalíssima. Cinco dias depois, futebolistas e adeptos voltaram ao Estádio de Wembley. Ian Wright ficou no banco e foi de lá que viu o único golo do jogo, marcado por Lee Martin. Foi o primeiro troféu da história surrealista que esperava Ferguson no Teatro dos Sonhos.