Vinte e dois anos é um tempo adulto e 2000, na viragem do milénio, já foi figurativamente há muito mais sóis vividos do que a mera contagem numérica expõe: a internet era imberbe e longe de realizar o potencial viral que hoje tem, o endinheirado futebol pontapeava valores por jogadores incríveis que agora se aplicam a exemplares muito bons, ou apenas bons, e o imediatismo de tudo se saber no momento em que acontece era ainda matéria de ficção. Foi neste resumo de mundo que Luís Figo agitou um verão.
O português abanara o Europeu pela seleção, as fintas portentosas e os raides solitários contra infelizes adversários a destacarem-se na aventura de Portugal até às meias-finais e os tempos em que o futebol se punha muito mais a jeito para um jogador achincalhar outros dando, sozinho, esticões no jogo, tinha Luís Figo como um dos dribladores mais apetecíveis da modalidade. E uma forma de resumir o que protagonizou seria constatar que o Real Madrid o comprou ao Barcelona.
Era um eufemismo gritante se ficasse por aí a descrição de o melhor jogador dos culés ter ido para o maior rival por 12 milhões de contos - já foi mesmo há muito tempo e, sem ajustar à inflação, é o equivalente a €60 milhões -, fixando a transferência mais cara até então, enfurecendo adeptos e acicatando ainda mais as relações entre os clubes, pouco depois de dizer, após a eliminação de Portugal no Campeonato da Europa: “Aconteça o que acontecer, tenho contrato com o Barcelona”.

Tony Marshall - EMPICS
Aconteceu que Luís Figo jogaria as cinco épocas seguintes no Real Madrid, sendo eleito o melhor jogador do mundo ainda em 2000, mesmo ano em que os adeptos do Barcelona lhe arremessaram uma cabeça de porco, entre outros objetos variados, quando o português regressou a Camp Nou e se acercou das bandeirolas de canto. Pelos merengues conquistaria seis títulos, incluindo dois campeonatos espanhóis e uma Liga dos Campeões, sem se livrar da fama e do vernáculo que ainda lhe guardam na Catalunha.
Mais de duas décadas passadas, a Netflix vasculhou a história para desenterrar a polémica e ouvir quem nela participou. O documentário estreia na próxima semana, a 25 de agosto, com o respetivo trailer a cumprir com aquilo para que serve os trailers, que manejar a corda-bamba entre o estragar um pouco da experiência, mostrando alguma informação, e aguçar a sede de visionamento para quem deseja ouvir Luís Figo, Florentino Pérez, o presidente do Real Madrid, José Veiga, o empresário do jogador na altura, ou Joan Gaspart, o então recém-eleito líder do Barcelona.
E vê-los, como cantam os tempos atuais, a propagar as suas verdades e a garantirem que a verdadeira é a deles. “A verdadeira história tenho-a eu, porque sou o protagonista”, diz Luís Figo, especado diante da câmara. Mas quem a terá realmente? “Sem dúvida nenhuma eu, porque sou o protagonista”, respondeu Florentino Pérez. Tantos anos depois, poderá não ser desta que saibamos tudo.