No futuro, o desporto tenderá a contar com um apoio crescente da psicologia. É um jovem de apelido sonante que nos dá essa ideia. Davide Ancelotti é filho de Carlo, o treinador do Real Madrid. Decidiu terminar a carreira de jogador mais cedo do que seria esperado e dedicar-se a outra paixão: a mente dos atletas. “No futuro, todos os jogadores vão ter o seu próprio psicólogo”, declarou à "BBC".
A discussão da importância de um acompanhamento profissional aos desportistas já não é novidade. Que o digam Simone Biles, Svetlana Khorkina, Paul Pogba, Zlatan Ibrahimovic, entre muitos outros que já admitiram publicamente o trabalho feito com psicólogos. Porque o futebol, como qualquer modalidade, não é um lugar imune a que os atletas lidem com problemas de saúde mental - em 2009, o antigo guarda-redes do Benfica, Robert Enke, suicidou-se; dois anos depois, seria o ex-jogador galês e então treinador, Gary Speed.
Continuando no futebol, Davide Ancelotti iniciou a sua viagem com o pai, há quase 20 anos, no AC Milan, clube pioneiro no apoio psicológico dado a jogadores na Europa. Davide preocupa-se com a exigência que é atirada ao corpo e à mente dos jogadores de elite. São mudanças inevitáveis no foco do desporto no lado mental.
Conta a "BBC" que há um clube da Premier League – o Chelsea – com um departamento de ciência desportiva que estuda os níveis de confiança, concentração e motivação dos jogadores. Vários clubes europeus de topo estão a experimentar com imagens do cérebro e realidade virtual para melhorar os conhecimentos científicos sobre a perceção, entre outros. No entanto, a “cultura tradicional conservadora” persiste, evitando amiúde o que considera “tabus”.
A psicologia não serve apenas os atletas de elite
O "Swimming World" lembra-nos que os atletas profissionais “fazem tudo o que podem” para obterem os melhores resultados. “Eles mudam as suas dietas, treinam diariamente, e por vezes tentam novas abordagens”. É aí que entra a psicologia, que não serve apenas para os desportistas de elite. O site refere a importância de “intervenções com os pais e as famílias envolvidas no desporto jovem” e da “participação na formação de treinadores no que diz respeito à motivação”. Outros tópicos referidos são as “capacidades interpessoais e de liderança”, o “desenvolvimento do talento” e a “educação dos treinadores e dos dirigentes no que diz respeito à identificação atempada de dificuldades psicológicas”.
No caso particular da natação, a psicologia do desporto poderia ser benéfica em situações como “lidar com a antecipação de um evento de quatro dias”. Sendo praticada dentro de água, a modalidade tem um foco muito grande na respiração, que é coordenada pelo cérebro.
A “Sala da Mente” do AC Milan e os psicólogos individuais
O centro de treinos do AC Milan – o Milanello – lembra a Davide Ancelotti os seus tempos de jogador. Como médio, entre 2007 e 2009, Ancelotti passava algum tempo na “Sala da Mente”, um inovador laboratório de psicologia com grande influência num período de sucesso por igualar do clube de San Siro. A sala abriu em 1986 e esteve 23 anos ativa. O fenómeno espoletou o interesse de Davide na matéria. Estudou Ciência do Desporto, tendo sido distinguido pela sua universidade por causa de uma tese sobre as capacidades motoras dos futebolistas. Antes de trabalhar em Madrid, David já integrava a equipa técnica do pai, tendo passado por Bayern de Munique, Nápoles e Everton.
“No passado, tentámos trazer alguém que os jogadores não soubessem que era psicólogo, para observar e elaborar relatórios para nós. Era mais para a equipa técnica, porque achamos que os treinadores precisam de saber mais sobre psicologia”, disse Davide Ancelotti, prosseguindo: “Em Madrid, agora, temos jogadores com os seus próprios psicólogos. A saúde mental e a psicologia são mais faladas na sociedade hoje em dia, por isso os jogadores mais jovens compreendem-nas melhor. (…) Não penso que devamos ter um psicólogo para todo o plantel”.
A visão de Ancelotti choca com a tendência crescente para que os clubes contratem psicólogos para trabalhar com todo o plantel principal, em vez de abordarem cada indivíduo.
Os clubes da Premier League tendem a usar especialistas experientes no apoio à confiança e ao foco dos jogadores, bem como em identificar ansiedades e depressões. No entanto, o seu trabalho é normalmente dedicado a toda a equipa. No futuro, seguindo a ideia de Davide Ancelotti, a relação entre psicólogo e jogador poderá ser levemente equiparada à de um piloto de Fórmula 1 com o seu engenheiro de corrida.