Perfil

Futebol internacional

O Brasileirão vai a meio e com dois treinadores portugueses na frente: como foi o primeiro turno e o que vem aí?

O Palmeiras de Abel Ferreira, com o melhor ataque e a melhor defesa, vai-se assumindo como o grande favorito à conquista do Brasileiro. Vítor Pereira vai fazendo milagres na casa da Democracia Corinthiana, enquanto o Flamengo, sem Paulo Sousa e agora com Dorival, vai virando a página. Botafogo de Luís Castro vai jogando entre o céu e o inferno. Que aspirantes à derradeira glória favorece o calendário?

Hugo Tavares da Silva

Alexandre Schneider

Partilhar

O voo para o lugar mais alto do céu do Brasil, onde se esquecem e mascaram misérias e afobações do dia a dia, vai a meio. Dezanove rodadas estão jogadas no Brasileiro, ou Brasileirão, com muitas curiosidades, surpresas e, pois claro, boas notícias para alguns portugueses. Se Abel Ferreira está em boa posição para cumprir o que está destinado na gloriosa bússola que o ampara, Vítor Pereira está a engendrar um qualquer milagre.

O bicampeão da América, que entra com “70% de bateria” para cada jogo, vai dando prazer aos seus associados e adeptos, confirmam as lotações esgotadas no Allianz Parque, que já se traduziram em 50 milhões de reais (9,21 milhões de euros) em seis meses. O Palmeiras ganhou 11 jogos das primeiras 19 jornadas do campeonato brasileiro. Está em primeiro lugar, com mais quatro pontos do que o Corinthians de Vítor Pereira. O verdão, o clube que mais finaliza na liga (17,4 remates por jogo), é aliás o melhor ataque (31) e a melhor defesa (13).

Abel Ferreira, que vai citando Telê Santana no “Roda Viva” relativamente aos problemas do Brasileiro em termos de calendário, queixou-se depois da 19.ª jornada. “Só espero e desejo que este campeonato seja resolvido dentro das quatro linhas pelas duas equipes que têm que ser protagonistas, não uma terceira”, disse o português, que guarda sempre para o desconhecido e imprevisível amanhã o que será das pernas dos futebolistas, ou seja, lesões devido a jogos atrás de jogos. “Espero que o campeonato não seja resolvido pelo VAR nem pelos árbitros, mas pelas equipas. Tenho visto muita confusão pelo VAR.”

Abel Ferreira

Abel Ferreira

Alexandre Schneider

E acrescentou: “A nossa batalha este ano é jogo a jogo. Já disse que não sabia como a equipa ia reagir ao calendário, temos muitos jogadores fora por lesão, como os outros têm também. Aqui é jogo a jogo. Há muitos candidatos pela mesma cadeira, está tudo embolado. Jogo a jogo e no fim vemos a tabela. Durante o percurso terá mudanças”.

O calendário do Palmeiras, que ainda está na sua querida Libertadores, para o segundo turno, como se diz por lá, dita deslocações aos campos de Corinthians, Fluminense, Botafogo, Atlético Mineiro e Internacional, recebendo no seu campo Flamengo, Santos e São Paulo.

Finalmente, olhando as estatísticas à boleia do Whoscored, o Palmeiras é a quarta equipa com mais posse de bola (53,2%), atrás de Flamengo (55,1%), Atlético Mineiro (56,1%) e do deslumbrante Fluminense de Fernando Diniz (56,3%), que se despediu há pouco mais de duas semanas de Fred. O melhor marcador do campeão da América, com sete golos em 19 jornadas, é Rony… e o central Gustavo Gómez, que está perto do recorde de Júnior Baiano – 10 golos em 1999.

Os perseguidores, os números e o mundo ao contrário

Nestes dias vai-se cogitando o eventual regresso de Vágner Love, que poderá deixar o Midtjylland, o adversário do Benfica na 3.ª eliminatória da Liga dos Campeões, para assinar pelo Paysandu da terceira divisão. Mas também se fala muito do que Vítor Pereira tem feito no berço da Democracia Corinthiana. Em segundo lugar, o Corinthians vai resistindo a tudo, mantendo-se vivinho da silva na Libertadores – eliminou Boca Juniors na Bombonera (só o Santos de Pelé havia feito tal coisa, em 1963) – e na Taça do Brasil, onde vai defrontar o Atlético Goianiense nos quartos de final.

Vítor Pereira na Bombonera

Vítor Pereira na Bombonera

Marcelo Endelli

Nos tops das estatísticas, o timão só aparece nos melhores passadores: quarta melhor equipa na taxa de sucesso de passe (84,1%), atrás de Fluminense (85%), Atlético Mineiro (85,8%) e Flamengo (86,2%), que se vai encontrando sem Paulo Sousa e agora com Dorival Júnior. Já Cássio, para alguns o maior guarda-redes da história deste clube de São Paulo, tem sido o mais decisivo da liga, de acordo com o “Espião Estatístico” do “Globo Esporte”.

A equipa de Vítor Pereira terá uma segunda volta exigente, como é sempre neste país, mas quem sabe mais simpática no que toca aos grandes duelos: os rapazes treinados pelo português vão jogar nos campos de São Paulo e Flamengo, enquanto em casa, diante dos seus fiéis seguidores, terão pela frente Botafogo, Palmeiras, Internacional, Fluminense e, na última jornada, Atlético Mineiro.

O Flamengo, que finalmente secou as saudosas lágrimas por Jorge Jesus, ganhou cinco dos últimos seis jogos e voltou a colocar-se na corrida pelo título, mesmo que esteja em sexto lugar e a nove pontos do Palmeiras. Explicando o início hesitante do mengão, Sousa somou 12 de 30 pontos, enquanto Dorival acumulou 18 de 27 disputados (só Fluminense e Palmeiras fizeram mais pontos – 2 – neste segundo período do colosso do Rio de Janeiro).

O nível da equipa promete manter a toada (apesar das deslocações aos relvados de São Paulo, Palmeiras, Botafogo e Atlético Mineiro). Afinal, Pedro começou a disparar como o artilheiro dos artilheiros, e já se questiona por lá até se poderá estar na lista de Tite para o Catar 2022. Arturo Vidal chegou para o meio-campo e Everton Cebolinha para agitar o ataque.

Giorgian De Arrascaeta, Rodinei and Arturo Vidal vs. Avaí

Giorgian De Arrascaeta, Rodinei and Arturo Vidal vs. Avaí

Heuler Andrey

Paulo Vinícius Coelho, ou PVC, um reputado cronista e jornalista do outro lado do charco (que já escreveu na Tribuna Expresso sobre o “Reino Unido do futebol Portugal-Brasil), vai exaltando com o Brasileirão. “O primeiro turno da Série A terminou na noite desta segunda-feira e o Cruzeiro ganhou a primeira metade da Série B há duas semanas”, pode ler-se na sua crónica no “Globo Esporte”. “É exatamente o oposto do que acontecia há 19 anos, quando o Palmeiras conquistou o título da Série B e o Cruzeiro, da Série A. Em 19 anos, o mundo virou de cabeça para baixo no futebol brasileiro.”

Acompanhar a atualidade brasileira, seja desportiva, política ou social, é sempre assim, um festival de contradições ou repetições invertidas. Trama e drama ao som da cuíca. O Botafogo, treinado por Luís Castro e agora com mais pragmatismo no manual de ferramentas, é talvez o maior espelho dessa realidade. Com John Textor a injetar reais nas contas bancárias e com alguns reforços a chegar ao Nilton Santos, alguns apaixonados pela farda outrora vestida por Garrincha e Didi acharam que o sucesso chegaria ontem, como que por magia. Mas o futebol não é assim, exige tempo normalmente e obriga a enfrentar ventos na direção contrária. O Botafogo, em 11.º lugar, está somente a seis pontos da pré-eliminatória da Libertadores, mas também está a quatro pontos dos lugares de descida, nomeadamente do 17.º, onde está o Cuiabá de António Oliveira, outro português, que desde que entrou soma duas vitórias, três empates e quatro derrotas.

Sobre a pressão, Castro, que está prestes a receber a notícia da renovação do prodígio Matheus Nascimento, deixou há cerca de duas semanas uma reflexão que ecoou em Portugal e no Brasil. “Eu procuro pacificar sempre o futebol, vou procurar fazer isso sempre e não vou me calar nunca. Estou determinado a seguir esse caminho. Até ao último segundo da minha vida no Brasil. Por mim, vou continuar até ao limite e cumprir o meu contrato. Pode aumentar a pressão, não quero saber. Sabem quando eu tive pressão? Quando tive que amparar os meus pais com cancro no hospital. Ali tive uma pressão louca. Essa é a pressão da minha vida. Pressão de perder um jogo? Pelo amor de Deus…”

Ganso vs. São Paulo

Ganso vs. São Paulo

Ricardo Moreira

O campeão Atlético Mineiro, que acabou de resgatar o treinador que ganhou esse campeonato nacional, Cuca, segue na quarta posição, a sete pontos do líder, com Hulk a perder gás. Cristian Pavón, ex-Boca, e Alan Kardec, que passou pelo Benfica no passado, são duas das novas figuras para mudar o fado do clube na classificação.

Agora com Cuca ao leme, as grandes travessuras do calendário do Atlético Mineiro prendem-se com as idas aos estádios de Fluminense, Santos, Flamengo, São Paulo e Corinthians. Não vai ser água de coco, não.

Mirando as cantigas individuais, Germán Cano, um grandíssimo goleador na Colômbia e no Brasil, vai mantendo o pé afinado. São já 12 golos para o avançado do Fluminense, que vai beneficiando do jogo líquido dos meninos de Fernando Diniz, sobretudo graças a André e Ganso, o canhoto que mais parece vindo de outra década. Questiona-se até, no podcast “A Mesa”, porque não se fala nele na Argentina, afinal é o autor de 41% dos golos da equipa das Laranjeiras no campeonato (ao todo, tem 29 golos). Já Pedro Raúl, com 48% dos golos do Goiás, alcançou os 10 golos de Jonathan Calleri, do São Paulo.

No capítulo das assistências, Arrascaeta (Flamengo) leva sete, sendo um dos principais beneficiados da chegada de Dorival ao Maracanã. Seguem-se Artur (Bragantino) e o admirável Gustavo Scarpa (Palmeiras), com cinco.

Segundo o Whoscored, Hulk é quem remata mais no Brasileiro (3.6), à frente de Scarpa (3.4), Germán Cano (3.3), Steven Mendoza (3.1), agitador qualificado do Ceará, e Wellington Rato (3.1), do Atlético Goianiense.

No início da época, Atlético Mineiro, Palmeiras e Flamengo partiram na frente como favoritos, algo que, com duas mudanças de treinadores e de alguns futebolistas pelo meio, ainda se pode verificar. O Fluminense que ainda vai jogar fora com Santos, Internacional, Flamengo, Atlético Mineiro e Corinthians e o clube treinado por Vítor Pereira ainda tentam fazer uma improvável gracinha. As restantes 19 jornadas serão jogadas até 12 de novembro, a tempo de não chocar com as convocatórias para o Campeonato do Mundo, no Catar. Essa, a eventual convocatória para a Copa, é a outra corrida dentro da corrida. É o sonho de tantos que tentam agora meter giz nas botas e na alma.