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Chegou como estrela, parte na penumbra: o “fim da era Özil” no Fenerbahçe, dois anos antes de terminar contrato com a equipa de Jorge Jesus

O jogador turco-alemão rescindiu amigavelmente com o clube agora treinado por Jesus. Aos 33 anos, o homem que tem o presidente turco como padrinho de casamento vai continuar no país, ao serviço do Istambul Basaksehir. É mais um episódio atribulado na carreira do médio que brilhou na seleção e no Real Madrid, antes de uma passagem pelo Arsenal cheia de polémicas

Carlos Luís Ramalhão

Anadolu Agency/Getty

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O internacional alemão de origem turca, Mesut Özil, despediu-se do Fenerbahçe, clube que representava desde 2021 e com o qual tinha mais dois anos de contrato. A rescisão com a equipa agora treinada por Jorge Jesus aconteceu por mútuo acordo. Mas o médio nem sequer vai sair da mesma cidade: já foi confirmado como reforço do Istambul Basaksehir.

Nas redes sociais, esta quarta-feira, o jogador deixou uma mensagem de agradecimento, com alguma filosofia: “A vida é cheia de incertezas. Os nossos planos e desejos podem nem sempre ir na direção que pretendemos. Eu queria atingir o sucesso ao ter mais oportunidades de jogar com a camisola do Fenerbahçe, o meu sonho de criança. Quero agradecer aos adeptos e à comunidade do Fenerbahçe pelo grande apoio demonstrado”.

Em 37 jogos ao longo de época e meia, o médio marcou nove golos. O antigo jogador do Schalke 04 ou do Real Madrid passou por uma verdadeira montanha russa no Arsenal. Chegou como estrela, em 2013, e saiu de forma controversa, com o clube a terminar-lhe o contrato seis meses mais cedo.

Em dezembro de 2019, um tweet do jogador, muçulmano praticante, tinha espoletado uma quebra nas suas relações com uma das mais poderosas economias do mundo, cada vez mais presente no mundo do futebol. Ao criticar a forma como a China estava a tratar a minoria Uighur, em grande parte seguidora do Islão e que habita a região de Xinjiang, bem como o silencio da comunidade internacional, Özil estava a comprar uma guerra e a hipotecar a possibilidade de vir, um dia, a jogar na liga chinesa.

De acordo com o jornal “New York Times”, o jogador convenceu-se de que esse foi o momento da grande mudança no Arsenal. Os gunners garantiram não haver qualquer relação entre a posição política do internacional alemão e a sua decadência na equipa treinada por Mikel Arteta, com quem a relação não era fácil.

Alguns dias após o tweet, os dois parceiros chineses da Premier League para a transmissão dos jogos recusaram-se a emitir partidas a envolver o Arsenal. Quando um dos canais, o PP Sports, recuou na decisão, os comentadores recusaram dizer o nome de Özil. O seu avatar chegou a ser apagado de videojogos e a busca pelo seu nome na internet, em território chinês, era devolvida com mensagens de erro.

Apesar de o Arsenal rejeitar as acusações de estar a ceder a pressões externas, a reação do clube inglês foi sempre ambígua. Publicamente, os londrinos tentaram distanciar-se dos comentários do seu atleta. Em privado, diz o “New York Times”, os donos dos gunners consideraram a hipótese de castigar Özil.

Terá sido pedido ao turco-alemão que evitasse declarações políticas ou que não as associasse ao nome do clube. A ambiguidade é evidente quando o Arsenal não deixou de apoiar o movimento “Black Lives Matter” e condenou, com uma publicação oficial, o excesso de violência policial na Nigéria. Há muito que se falava de uma experiência de Özil na Superliga turca e a sucessão de eventos que foi desligando o médio do clube inglês acabou por precipitá-la.

Mas em Istambul nada correu bem. Entre lesões e casos de indisciplina, o médio nunca impôs o seu estatuto de estrela no Fenerbahçe. No momento da partida, o clube emitiu um comunicado em que deseja o melhor ao seu ex-jogador: “Foi acordado que o contrato entre o nosso clube e Mesut Özil será terminado por mútuo acordo. Desejamos ao Mesut Özil sucesso para o resto da sua carreira”.

A BBC lembra que, em junho deste ano, o campeão do mundo pela Alemanha em 2014 tinha dito que iria “esperar pacientemente” pela oportunidade de dar o contributo ao seu “amor de infância”. “Não vim para o Fenerbahçe e para a minha pátria, a Turquia, de férias”, publicou o médio no Instagram a 21 de junho.

A emissora britânica lembra que Jorge Jesus, na sua primeira conferência de imprensa como técnico do clube, referiu “o fim da era Özil”, fechando as portas à continuidade do jogador. Na Turquia, Mesut é muito mais do que um jogador de futebol de elite. O internacional alemão é afilhado de casamento do controverso presidente do país, Recep Tayyip Erdogan.

A relação de amizade com o político fez com que empresas como a Mercedes-Benz ou a Adidas retirassem o patrocínio ao jogador. Özil deixou a seleção alemã precisamente depois de receber críticas no seu país de nascimento por se ter encontrado com Erdogan em plena campanha eleitoral na Turquia. O médio acusou os responsáveis da federação de racismo, deixando a equipa em protesto.