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A confissão de André Gomes: "Não me sinto bem no campo. Já tive medo de sair à rua por vergonha"

O internacional português, em entrevista brutalmente honesta à revista “Panenka”, confessou que, por vergonha, já teve medo de sair à rua em Barcelona, onde os adeptos do próprio clube o assobiam quando entra em campo: “Chateia-me, no bom sentido, que as pessoas em Portugal e em Espanha digam que posso ir muito mais longe e fazer as coisas muito melhor. E pergunto a mim mesmo: ‘Porque não as faço?‘”

Diogo Pombo

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Estamos no 36' minuto de um jogo futebol em Camp Nou, estádio que está à pinha para ver como o Barcelona, líder do campeonato, em teoria e na prática, discute o título espanhol. Defronta o Atlético Madrid, o segundo classificado, está a ganhar por 1-0, mas a partida está renhia e discutida e longe de estar resolvida. O treinador decide trocar um jogador por outro, quem sai é o ovacionado e venerado Andrés Iniesta, por lesão, quem entra é André Gomes.

E entra assobiado, apupado e sonoramente criticado pelos adeptos que celebrariam como loucos caso, no minuto seguinte, ele marcasse um golo.

Há muitos meses que o internacional português, campeão europeu de seleções, ouve assobios de quem torce por vitórias da equipa pela qual ele joga. André Gomes é uma espécie de patinho que, não se sabe bem como, se fez feio em Barcelona desde que, em 2016 e acabado de vencer o Euro com Portugal, trocou o Valência pelo Barcelona por 35 milhões de euros (mais uns 20 milhões em variáveis, incluindo a hipótese de vir a ganhar uma Bola de Ouro).

Agora, o médio que nunca vimos a ter um sinal de revolta ou indignação pela forma como os adeptos, no estádio, o tratam, resolveu falar. Num espanhol fluente e articulado, André Gomes concedeu uma longa entrevista à "Panenka", à qual confessou estar "ferido" mentalmente. "Não me sinto bem no campo. Não estou a desfrutar do que posso fazer. Com a pressão vivo bem, com o que não vivo bem é com a pressão que coloco sobre mim mesmo. Sou demasiado auto-crítico e perfecionista, nunca tolero enganar-me", explicou.

No vídeo com que a revista espanhola revelou a entrevista, que será publicada na sua edição de março, vê-se e ouve-se André Gomes, com um ar sério, a tentar explicar o que sente num clube em que, hoje, os adeptos o fazem jogar sobre brasas. "Os primeiros seis meses foram bastante bons, mas depois as coisas mudaram. Talvez não seja a palavras mais correta, mas virou um pouco o inferno, porque comecei a ter mais pressão. "Falo muitas vezes com os meus amigos, que dizem, claramente, que vou com o travão de mão para o campo. O que custa mais é que tenhas consciência disso", revelou.

André Gomes vincou que treina bem, é ajudado pelos companheiros do Barcelona e toda a gente o apoia de forma "espetacular". Mas sente que não dá tudo o que pode tem "porque as sensações que [tem] dentro de campo são más". E o problema, lamenta o português, é a forma como se fecha em si mesmo, corroendo-se na pressão alheia e na que impõe a si próprio.

Soccrates Images

Os assobios, os apupos e as críticas têm acompanhado o internacional português, que só tem 24 anos, já há muitos meses. Interpretando as palavras que disse - a entrevista durou cerca de hora e meia e terá 12 páginas na revista "Panenka" -, tudo isso criou uma pressão que tem cercado André Gomes e fazendo-o sentir-se envergonhado, amedrontado e atacado pela pressão de fora, e que vem de dentro. Como nenhum futebolista se deveria sentir:

"Pensar demasiado faz-me mal, obviamente, porque penso em demasia nas coisas más. Tenho claro o que tenho de fazer e não estou a fazer, entre o que posso fazer e não estou a fazer, e o que as pessoas esperam que eu faça, vou a reboque da parte negativa. Mesmo que os meus companheiros me ajudem em quase todos os jogos, as coisas não me saem. Eu fecho-me. Não me permito sacar a frustração que tenho dentro. O que faço é não querer falar ou chatear ninguém. É como me sentisse envergonhado."

"Já me aconteceu, mais do que uma vez, não querer sair à rua. Que as pessoas olhem para ti e tenham uma opinião sobre o teu trabalho. Tive medo de sair à rua, por vergonha da situação toda que levo. Estou a trabalhar, fisicamente e a nível mental, para ultrapassar essa barreira. Mais do que tudo, quero ser eu mesmo."