Durante três anos, a advogada e investigadora Maria de Magalhães acompanhou três dezenas de jogadoras e, ao perceber que o vazio legal existente em Portugal conduziu a um cenário de precariedade sem precedentes, acabou por conceber uma primeira proposta para a Convenção Coletiva de Trabalho, com 57 artigos, para regular a atividade do futebol feminino. “Fala-se muito da desigualdade entre o futebol masculino e feminino, mas há uma enorme desigualdade dentro do próprio futebol feminino e se não começarmos por aí, nunca chegaremos a patamares como outros países têm chegado”, começou por dizer à Tribuna Expresso.
O diagnóstico que fez foi traduzido numa Tese de Mestrado em Direito Desportivo sobre “A igualdade de género no futebol português: uma proposta de contrato coletivo para o futebol profissional feminino”, defendida em outubro passado no Instituto Nacional de Educação Física da Catalunha e Universidade de Lérida, Espanha, e que fez chegar à FPF, uma semana antes da seleção viajar para o Mundial do Catar 2022.
Até à data não foi contactada pela federação.
Maria de Magalhães explica que para elaborar este trabalho académico recorreu ao “direito comparado e à análise dos regimes jurídicos aplicáveis ao futebol argentino, espanhol, americano e português”, mais especificamente, os acordos para o futebol feminino na Argentina e Espanha e ao nosso acordo coletivo para o futebol masculino, uma vez que estes são o resultado de negociações entre vários organismos.
A advogada e investigadora esclarece desde logo que o regime jurídico americano “baseia-se muito na questão remuneratória, uma vez que a grande luta das jogadoras norte-americanas tem a ver com a igualdade salarial”. Considerando que em Portugal a maioria das jogadoras de futebol se encontra numa situação precária, sem contrato de trabalho, prestando a sua atividade desportiva ao abrigo de contratos de prestação de serviços “ou através de acordos que carecem de transparência”, a maior preocupação neste momento deve ser a regulamentação daquilo que é o contrato de trabalho escrito, “onde são estabelecidos todos os direitos e deveres das partes contratantes”, para permitir às jogadoras “uma dedicação exclusiva ao desporto e uma maior segurança profissional, o que contribuiria para uma melhor competitividade nacional e internacional”.
Sem prejuízo do entendimento de que deve haver salários iguais para os jogadores masculino e femininos, que jogam na mesma divisão, a advogada propõe para já uma remuneração mínima mensal equivalente a dois salários mínimos nacionais. Uma proposta menos ambiciosa da que foi incluída no Acordo Coletivo de Trabalho que o Sindicato dos Jogadores apresentou em fevereiro e que estabelece para as jogadoras da Liga BPI, um valor correspondente a três vezes a remuneração mínima mensal garantida para os trabalhadores em geral.
Comparando com o acordo espanhol, Maria de Magalhães diz que este “é mais restritivo, pois propõe contratos de trabalho a tempo parcial”. Isto significa que “abre a porta ao exercício simultâneo de outras atividades, o que não contribui para o pleno desenvolvimento das atletas femininas em particular, pois terão menos horas de esforço e dedicação, nem do futebol feminino em geral, conduzindo a equipas menos especializadas e menos competitivas”. Note-se que as jogadoras espanholas, com contrato a tempo inteiro, recebem um mínimo de 16 mil euros por ano, enquanto as que têm contratos a tempo parcial auferem, no mínimo, 12 mil euros anuais.
Ainda no âmbito das remunerações, a investigadora introduziu no seu convénio prémios por antiguidade, definindo que terão direto a eles as jogadoras que tenham permanecido seis ou mais anos no mesmo clube ou SAD. O mesmo está previsto no ACT do Sindicato que determina o pagamento de 750€ por duas temporadas completas; de 1.000€, por quatro e de 2.000€ por seis temporadas completas. A proposta de Maria de Magalhães é igual à de Espanha que prevê: 2.000€ por seis temporadas, 2.500€ por sete, 3.000€ por oito, 3.500€ por nove ou mais.
Atualmente não existem direitos de formação para o futebol feminino, nem mesmo a nível internacional, assim Maria de Magalhaes incluiu dois artigos que tratam da compensação e que considera importantes e vantajosos tanto para as jogadoras (recebe 7% da indemnização devida ao clube ou SAD de origem) como para os clubes.
A inclusão de normas sobre período normal de trabalho, horários, trabalho suplementar, descanso semanal e férias, entre outros, mereceu também a atenção da investigadora que, tal como o Sindicato dos Jogadores, prevê um período normal de trabalho de 35 horas semanais, com um descanso semanal de um dia e meio, mais meio dia do que na Argentina.