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Futebol feminino

FPF suspende, por quase 3 anos, treinador do Famalicão acusado de assédio sexual e revela como “tocou nas pernas” de jogadora

O Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol revelou, esta quinta-feira, as suspensões e multas que aplicou a Miguel Afonso e Samuel Costa na sequência das queixas de assédio sexual e comportamento discriminatório. Ambos iniciaram a presente época na equipa feminina do Famalicão e o treinador “ofendeu a dignidade” de cinco jogadores com idades inferiores a 21 anos, “discriminando-as por, sendo mulheres”, as tornar “destinatárias das suas pretensões sexuais em função de um papel de género que lhes atribuía”

Diogo Pombo

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O Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) suspendeu Miguel Afonso por 35 meses, na sequência da investigação instaurada após as denúncias de assédio sexual feitas por várias antigas jogadoras suas aquando da passagem pela equipa feminina do Rio Ave, em 2020/21. Também a Samuel Costa, diretor-desportivo do Famalicão onde iniciou esta época com o referido técnico, foi aplicada uma suspensão de 18 meses.

Ambos terão, também, de proceder ao pagamento de multas: o treinador no valor de 5.100 euros e o dirigente de 3.060 euros. Em comunicado feito esta quinta-feira e citando o artigo 125.º, n.º 1 do seu Regulamento Disciplinar - que versa sobre Comportamento Discriminatório -, a FPF apresentou os “fundamentos” para “a decisão condenatória”.

Miguel Afonso, de 35 anos, é castigado por, enquanto treinador principal, ter trocado mensagens “numa rede social com uma jogadora por si treinada, pedindo-lhe fotografias do seu corpo” e procurando “perceber a sua orientação sexual”; por pedir “elogios físicos” e convidar “para cafés, comentando que gostava da forma” como uma jogadora “se movia, se mexia e se tocava”. Na sustentação da decisão, lê-se que o técnico chegou a perguntar a uma futebolista “se sentia ‘tesão’ por si, não obstante a resistência evidenciada pela jogadora em responder a tais interpelações”.

A “equipa especial” criada pelo Conselho de Disciplina da FPF para se encarregar da investigação às denúncias, fez 18 inquirições a vítimas ou testemunhas e analisou 60 documentos (entre extratos de conversas trocadas em redes sociais, áudios e vídeos) e concluiu que Miguel Afonso “ofendeu a dignidade” de cinco jogadoras, “todas com idades inferiores a 21 anos”.

É descrita, também, uma situação na qual o treinador “toca nas pernas” de uma futebolista e ainda tentou “tocar na zona das virilhas da jogadora, quando esta sofria aí de uma lesão, e que comenta que estava com ‘boas coxas’ e ‘boas pernas’”.

A par de outros excertos de conversas já anteriormente revelados - tanto publicamente, no Twitter, como pelo jornal “Público”, que noticiou primeiro as denúncias -, o comunicado da FPF concluiu que Miguel Afonso tentou “seduzi-las e ultrapassar a mera ligação profissional e desportiva, o que deixou as jogadoras nervosas, desconfortáveis, tristes, sentindo-se humilhadas e constrangidas na sua liberdade e na sua dignidade pessoal, além de impotentes para contrariar aquelas condutas, tendo em conta a posição de superioridade hierárquica assumida pelo treinador principal relativamente às suas jogadoras”. O Conselho de Disciplina da entidade acrescenta, ainda, que o treinador “evidenciou um tom algo persecutório, limitativo e castrador da liberdade pessoal daquelas jogadoras”.

A relação a Samuel Costa, o documento retrata que o diretor-desportivo do Famalicão, em conversa com uma jogadora “que se encontra num patamar hierarquicamente inferior”, disse as expressões “migalhinha”, “flop” e “lástima”, levando-a “a chorar” e dizendo-lhe diretamente: “tiveste azar, porque isto aqui não é como tu dizes, é como eu disser. Se eu disser ‘a […] vai embora’, tu vais embora”.

Depois, em “conversas com terceiros”, são imputadas, ao mesmo dirigente, expressões como “fufalhada”, “lesbiquices”, “cheira-me a merdas lesbos” ou “é tudo lésbicas” que perfazem um “comportamente inequivocamente discriminatório em função da orientação sexual” devido a “terminologia depreciativa” com que evidenciou “postura de intolerância e até desprezo”. O Conselho de Disciplina da FPF explica que “tal linguagem não se revela adequada ou sequer tolerável no quadro de relações interpessoais entre cidadãos”.

Resumindo, a entidade revela que as condutas descritas “vão além da importunação típica do assédio sexual”, entrando no “ilícito disciplinar mais grave de Comportamento Discriminatório”. Por “as ofendidas” não cederem “aos avanços” do treinador Miguel Afonso, “todos” sabiam que esse “facto” poderia “prejudicá-las também no plano da sua prática desportiva, como efetivamente sucedeu”.