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Quando mais era preciso, a debilidade tornou-se força. E a Oceânia ficou mais perto

Na sequência de um canto, momento do jogo que tantas dores de cabeça tem dado, Fátima Pinto fez, aos 89', o golo que deu a vitória (2-1) de Portugal contra a Bélgica. No primeiro encontro do play-off de qualificação para o Mundial 2023, na Austrália e na Nova Zelândia, a equipa de Francisco Neto mostrou a sua melhor versão para continuar a sonhar. Segue-se a Islândia, na terça-feira

Pedro Barata

Hernâni Pereira/FPF

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Durante boa parte do Portugal - Bélgica, deu a ideia de estarmos a ver a seleção nacional que Francisco Neto tem idealizada na sua cabeça. Uma equipa pressionante, capaz de roubar a bola em zonas subidas e de não passar muito tempo perto da própria baliza. Um conjunto com duas avançadas rápidas, sempre prontas a explodir nas costas da defesa rival, mas capaz de ter bola e de a circular com critério. Uma formação calejada por vários anos competindo em conjunto, com as marcas de maturidade competitiva de que o técnico fala.

Esse jogar levou ao domínio da partida contra um rival de créditos firmados, 19.º no ranking FIFA — Portugal é 27.º — e capaz de ter chegado aos quartos-de-final do último Europeu, do qual a seleção nacional saiu na fase de grupos. Mas, se foi exatamente o Portugal que esperamos ver a superiorizar-se e a fazer pelo triunfo, foi num lance que nos habituámos a associar a trauma que se deu a explosão de alegria em Vizela.

No Europeu de Inglaterra, Portugal sofreu sete golos de bola parada em três partidas. Na Sérvia, na partida decisiva para estar neste play-off, a equipa também começou a perder devido a um livre lateral. No entanto, os fantasmas viraram sorrisos ao minuto 89 da primeira etapa do complexo play-off rumo ao Mundial 2023.

Joana Marchão, que já tinha assistido Diana Silva para o 1-0, bateu um canto da direita. O doce pé esquerdo da lateral do Parma colocou a bola junto à baliza visitante, onde Tatiana Pinto saltou para cabecear para o golo do triunfo. Portugal festejou de alegria, levando Francisco Neto a não conter a emoção.

O caminho para uma inédita presença na fase final da mais importante das competições de seleções é longo e poderá incluir uma primeira viagem à Nova Zelândia em 2023, mas, para já, o mais importante foi conseguido. Segue-se novo embate exigente, frente à Islândia, terça-feira em Paços de Ferreira.

Hernâni Pereira/FPF

Com um miolo reforçado, com a metrónomo Dolores Silva ladeada pela agressiva Fátima Pinto e a inteligente Tatiana Pinto, Portugal entrou a mandar no jogo. Logo aos 5', um lançamento longo de Joana Marchão encontrou a velocidade de Diana Silva. Jéssica recebeu o cruzamento da companheira de ataque, mas não cabeceou com precisão.

Nos primeiros 30 minutos, Portugal foi claramente a melhor equipa em campo. Além do perigo no ataque às costas da defesa rival, destacou-se o conforto a gerir a posse e a força na recuperação. Ana Borges e Fátima Pinto mordiam para que a equipa vivesse no meio-campo rival, enquanto Andreia Norton, artista de pé e rápida de cabeça, oferecia vantagens em cada posse. O único susto deu-se aos 14', quando uma má receção de Diana Gomes permitiu a Wullaert isolar-se, mas Patrícia Morais evitou o golo.

Aos 29', chegou o merecido golo português. Em nova lance de paciência a circular, Joana Marchão subiu pelo lado esquerdo. A lateral pode não ser a mais eficaz das defesas em certos momentos, mas a sua canhota é um recurso ofensivo precioso. Depois de ter marcado um muito importante golo na Sérvia, fez um cruzamento que tinha inscrito na bola o nome de Diana Silva. A ágil avançada antecipou-se às defesas e, de joelho, abriu o marcador.

Hernâni Pereira/FPF

Apesar da superioridade portuguesa, o intervalo chegou com igualdade no marcador. Na sequência de um canto, a bola sobrou para Cayman, que rematou. Joana Marchão cortou o lance com os braços e, após consulta do VAR, foi assinalado penálti. Wullaert, a melhor das belgas, não desperdiçou.

Portugal não abalou com o golo e na segunda parte entrou com o mesmo guião. Apesar da valia das adversárias, as jogadoras nacionais quiseram a bola, trocaram-na serenamente, sempre com muito vigor para a recuperar. Aos 50', após novo cruzamento de Joana Marchão, Fátima Pinto rematou para boa defesa de Evrard.

Aos 55', o melhor lance do desafio ilustrou as virtudes portuguesa. Rodando de um lado a outro, com paciência, viu-se o pé esquerdo de Marchão em busca de melhores rotas de ataque ou o bailado de Andreia Norton entre as adversárias. Após cruzamento de Borges, Tatiana Pinto amorteceu para o remate por cima de Jéssica Silva.

Apesar da ascendência local, as visitantes também conseguiam assustar. Um grande passe de Wullaert descobriu Cayman sozinha na direita, mas Van Kerkhoven rematou de maneira deficiente. Três minutos depois, a forte Wullaert marcaria mesmo, mas o lance foi anulado, após consulta do VAR, por posição adiantada da avançada.

Andreia Norton foi uma das melhores em campo

Andreia Norton foi uma das melhores em campo

SEVIL OKTEM/Getty

Aos 79', Francisco Neto foi buscar Ana Capeta e Andreia Jacinto ao banco. O perfume da jogadora da Real Sociedad foi o empurrão que faltava para ferir as belgas. Perto do final, um passe de craque da centrocampista isolou Diana Silva, que foi derrubada por Amber Tysiak. Primeiro foi assinalado penálti, mas, após nova consulta do VAR, a decisão foi de livre direto e expulsão para a defesa.

O remate de Carole Costa na execução do livre foi defendido para a barra. No canto seguinte, o pé esquerdo de Joana Marchão e a cabeça de Fátima Pinto transformaram os medos em virtudes.

O sentido abraço final de Jéssica Silva a Francisco Neto evidencia o significado deste triunfo para o futebol português. Num trabalho de crescimento constante, de soma diária, há momentos pontuais que são multiplicadores desse processo que se faz passo a passo. Estar num Mundial seria um multiplicador por números desconhecidos. A Oceânia está mais perto.