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Futebol feminino

Beth Mead, a miúda que era “demasiado simpática” e “demasiado relaxada”, esqueceu a desilusão e foi a melhor marcadora e jogadora do Euro

Beth Mead não gostou de ter ficado de fora dos Jogos Olímpicos de Tóquio, mas não esconde que lhe soube muito bem fazer o caminho de volta. Depois do período negativo, focou-se no trabalho e regressou na sua melhor forma. Além de ter feito história por Inglaterra no Euro 2022, levou para casa mais dois prémios individuais

Rita Meireles

Lynne Cameron - The FA

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Quando Phil Neville deixou o comando técnico da equipa de futebol feminino de Inglaterra, Sarina Wiegman foi o nome escolhido para o substituir, mas a treinadora tinha um pedido: assumir a nova posição só depois dos Jogos Olímpicos de Tóquio. A federação não se opôs e apontou Hege Riise como treinadora da equipa da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte durante a competição. Riise não partilhava a visão de Neville e fez uma mudança inesperada.

Os 13 golos de Beth Mead em 38 jogos no Arsenal durante a época 2020/21 não foram suficientes para a treinadora norueguesa incluir a jogadora na equipa que viajou para Tóquio. "O desempenho da jogadora não tem sido bom durante a época", justificou na altura. Ao que Mead respondeu: “Respeito a decisão, mas não a partilho. Foi um momento difícil”. No final, a seleção britânica não conseguiu lutar pelas medalhas.

Arsenal FC

Mead nunca quis ficar sem jogar, até mesmo quando a única possibilidade que tinha era em equipas masculinas. Em criança, abordou Philip Nedley, o seu primeiro treinador, em Hinderwell, onde cresceu, já equipada e pediu-lhe para jogar. A primeira coisa que passou pela cabeça de Nedley foi o receio de que ela acabasse por se magoar a jogar com os rapazes.

“A Beth era pequena e alguns dos rapazes tinham o dobro do seu tamanho. Era uma equipa para crianças dos cinco aos 11 anos, pelo que a nossa preocupação era que ela pudesse ser magoada pelos rapazes maiores. Contudo, assim que começou a jogar, percebemos que a Beth estava a dar o melhor de si, a superar os rapazes por todo o lado e a fazer passar a bola por eles. Mesmo nessa idade jovem, ela mostrou verdadeira habilidade e determinação”, disse o treinador ao jornal “i”.

Todas as crianças da equipa participavam na sessão de futebol de duas horas, sempre ao sábado de manhã. Mead está certa de que, em parte, o que a levou àqueles jogos foi a vontade da mãe de se livrar dela durante umas horas, graças ao seu elevado nível de energia.

“Um dia fui lá e disseram-me a mim e à minha mãe: 'Podes juntar-te ao grupo, mas serás a única rapariga aqui. Eles são bastante duros, ela vai ficar bem?'. A minha mãe respondeu: 'Ela vai ficar bem', porque ela só se queria ver livre de mim, penso eu. Mas quando ela voltou uma hora mais tarde, basicamente disseram-lhe que eu era mais dura do que a maioria dos rapazes”, escreveu a jogadora no website “England Football”.

Continuou a jogar com os rapazes e foi treinada por Nedley até aos 10 anos, altura em que a sua qualidade como jogadora se tornou evidente e decidiram procurar uma equipa de futebol feminino. Acabou por se juntar a uma equipa de Middlesbrough, que a obrigou a uma viagem de 45 minutos sempre que ia treinar ou jogar. Sendo que, pelo meio, ainda regressou ao futebol masculino com o clube California Boys.

“Estou grata por esse período a jogar com os rapazes porque o meu desenvolvimento estava mais avançado do que algumas das raparigas que estavam no centro de excelência de Middlesbrough. Sou uma grande crente de que tudo acontece por uma razão e penso que isso me ajudou no desenvolvimento da minha carreira futebolística. É espantoso que tenhamos agora estes percursos para as jovens raparigas, mas algumas delas talvez não tenham esse gosto de poder jogar ao lado dos rapazes. Acho que há prós e contras nisso”, continuou a jogadora de 27 anos.

Ian Horrocks - The FA

Seguiu-se o Sunderland, aos 16 anos, e depois o Arsenal, onde está desde a época 2016/17. Seguindo a lógica da própria, se é verdade que tudo acontece por algum motivo, ficar fora da convocatória dos Jogos era algo que tinha que acontecer para que o Euro 2022 se tornasse uma realidade. E não é por acaso que a frase “Beth Mead is on fire!” foi uma das mais ditas e cantadas em Inglaterra nas últimas semanas.

As experiências negativas têm muitas vezes um impacto positivo, quando abordadas de forma correta. Esta é mais uma frase feita que Beth Mead confirma. Depois de uma fase de grupos no Euro 2022 perfeita, onde a jogadora marcou cinco golos, incluindo o inaugural da competição, e de eliminarem a Espanha, uma das seleções favoritas, as Lionesses venceram por 4-0 a Suécia. Foi a maior vitória nas ‘meias’ de um Europeu. Quem marcou o golo que desbloqueou a partida? Beth Mead.

Em nove meses, marcou quatro hat-tricks internacionais, incluindo a grande exibição na fase de grupos contra a Noruega. O seu regresso tem sido notável e tem muito a ver com o seu crescimento no último ano. Phil Neville acreditava que Mead era "demasiado simpática" e "demasiado relaxada" para conseguir maximizar o seu talento, mas ela considera-se uma mulher mudada. "Doze meses talvez soe um curto espaço de tempo, mas tem sido um grande ano de crescimento para mim", disse a jogadora ao “The Guardian”.

A colega de equipa Lucy Bronze também teve uma grande influência nesse processo, depois de ter gritado com ela durante um treino da seleção inglesa.

"A Lucy gritou comigo durante um jogo de treino há mais de um ano, porque eu não controlava a bola e cuidava dela", disse ao mesmo jornal. "Ela gritou: 'Espero que faças melhor porque sei que o consegues fazer'. Isso ficou comigo. Se a Lucy está a gritar comigo, ela está a tentar tirar o melhor de mim, porque sabe que é disso que sou capaz. A Lucy tem sido um modelo a seguir".

Harriet Lander

E funcionou. No passado domingo, a Inglaterra venceu o Euro 2022, o primeiro da sua história, e Beth Mead levou para casa o troféu de melhor marcadora, apesar de terminar empatada com a alemã Alexandra Popp, e o de melhor jogadora do torneio.

Mead marcou em quatro dos seis jogos da Inglaterra no torneio em casa, enquanto que Popp marcou em todos os cinco jogos da Alemanha antes da final. Terminaram com seis golos cada e foram as assistências que deram a Bota de Ouro à inglesa.

"Não consigo acreditar", disse depois do jogo à BBC Sport. "Por vezes, o futebol põe-nos para baixo, mas o melhor caminho é o regresso. Estou sem palavras. Estou em estado de choque. Já chorei com a minha mãe e o meu pai. Estou tão orgulhosa desta equipa, adoro esta equipa e adoro este país”.