Em março de 2020, equipas e pilotos viajaram para Melbourne, mas poucas horas antes dos carros entrarem em pista para a primeira sessão de treinos livres da temporada o GP Austrália foi cancelado. Poucos dias depois, boa parte do planeta estava confinada perante a ameaça da covid-19.
A Fórmula 1 só voltaria em julho e nesse intervalo de tempo o norte-americano George Floyd foi morto pela polícia de Minneapolis, espoletando protestos um pouco por todo o mundo contra o racismo e a favor dos direitos civis. Quando os carros de Fórmula 1 voltaram a roncar, o Mercedes estava diferente: não era mais o “Silver Arrow”, a flecha prata que papava títulos atrás de títulos. A pintura estava a negro e a razão era de reflexão, a favor do movimento Black Lives Matter. Lewis Hamilton, o único piloto negro da grelha, era o líder incontestado dos protestos pelos direitos humanos e pela diversidade que passaram a ser uma constante no início de cada grande prémio.
Com a pintura a negro, Lewis Hamilton tornou-se campeão mundial em 2020, o heptacampeonato que permitiu ao britânico igualar os números de Michael Schumacher. Em 2021, manteve-se a mesma paleta de cores, com Hamilton a perder desta vez o título para Max Verstappen, na última volta da última corrida do ano, em Abu Dhabi. E talvez para afastar a má sorte, em 2022 a Mercedes voltou ao prateado que tantas alegrias havia dado.
Não correu bem. A temporada de 2022 foi uma das piores da marca alemã desde o regresso à Fórmula 1. O Mercedes revelou desde cedo problemas fundamentais e nunca teve andamento para a Red Bull e, inicialmente, para a Ferrari. George Russell conseguiu a única vitória já na reta final do campeonato, no GP São Paulo. Hamilton, pela primeira vez desde que chegou à Fórmula 1, em 2007, não venceu qualquer corrida.
O Mercedes de 2021
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Para 2023, a Mercedes vai assim voltar ao preto. Mas não por superstição. Nem por uma questão de apoio a causas sociais. É matéria de performance.
Revelado o W14 em Silverstone, o novo carro da Mercedes é pintado de preto na parte dianteira e na zona central, mas nas laterais está literalmente a descoberto, sem qualquer tinta e com a fibra de carbono à vista. E a razão é apenas uma: reduzir peso, por mínimo que seja, para ganhar desempenho.
“No ano passado tínhamos peso a mais e este ano tentámos perceber onde poderíamos poupar cada grama. É por isso que a história se repete”, assumiu Toto Wolff, o líder da equipa.
“Em 2020 quando mudámos o aspeto do carro a razão foi apoiar a diversidade e igualdade, causas que sempre nos foram próximas. A cor negra tornou-se parte do nosso ADN nessa altura e por isso estamos felizes por regressar a ela”, continuou Wolff, em declarações durante a apresentação do carro, que tem agora um chassis mais leve e mudanças aerodinâmicas face a 2022.
A mudança de regulamentos colocou o peso mínimo dos carros de Fórmula 1 nos 798 quilos. Mais peso significa menos velocidade e várias equipas lutaram com esse factor em 2022. Poupar na tinta pode permitir colocar mais peso em componentes mais essenciais, como a unidade de potência. Talvez por isso, de forma mais ou menos assumida, muitos dos carros já conhecidos para 2023 revelam largas zonas de negro. Que na verdade são partes não pintadas, com a fibra de carbono à vista de todos. Alfa Romeo, Haas, McLaren, Alpha Tauri e Ferrari apresentaram carros com tons de preto - não são necessariamente os “produtos finais”, algo que só na primeira corrida do ano se vai confirmar, mas seguramente muito aproximados.