Perfil

Fórmula 1

Max Verstappen é bicampeão mundial da Fórmula 1, de novo com polémica à mistura

O neerlandês revalidou o título mundial no Grande Prémio do Japão e fê-lo, uma vez mais, em corrida mergulhada em controvérsia: num circuito de Suzuka encharcado pela chuva e com um acidente logo à primeira volta que fez a Fórmula 1 revisitar memórias de uma tragédia, apenas se cumpriram 28 voltas e Leclerc, que terminou em 2.º lugar, teve uma penalização de cinco segundos

Diogo Pombo

Clive Rose/Getty

Partilhar

Dizia-se, outrora, que o alcatrão molhado era o grande divisor de pilotos, o mais fiel barómetro da perícia do homem a domar uma máquina a conter centenas de cavalos de potência sobre quatro rodas, tendência que parece ter vindo a minguar nos anos recentes em que há tanto de tecnológico como de mecânico nos carros como o que Max Verstappen conduziu, no raiar deste domingo, pela encharcada pista de Suzuka até ao momento em que a incerteza lhe morou na voz:

“Tens a certeza?”

A pergunta inundou o capacete do piloto neerlandês quando terminou o Grande Prémio do Japão findas, apenas, 28 voltas. Voltaria a sair-lhe da boca já nas boxes, com a cabeça descoberta. Informavam-no na Red Bull que acabara de garantir o título de campeão mundial de Fórmula 1, o segundo consecutivo da carreira, mas até a prudência do piloto se antecipara a qualquer celebração do que a sua destreza ao volante durante a temporada lhe acabara de dar.

As reticências e dúvidas que terão invadido Verstappen devem-se à inusitada corrida que aconteceu em Suzuka: sob chuva torrencial, houve um acidente logo à primeira volta que fez um trator entrar em pista quando os monolugares ainda estavam a circular, levando a que o Grande Prémio fosse suspenso durante cerca de duas horas. Ao ser retomada, a maior questão em torno da luta veloz era saber se Charles Leclerc lograria fazer o suficiente para retardar uma festa.

Perante a teimosa chuva que jamais parou de encharcar o circuito, Verstappen foi capaz de se evadir das tentativas do monegasco da Ferrari e manter-se na liderança até o Grande Prémio cumprir somente 28 de 53 voltas à pista, pouco mais de metade das previstas. Quando o final foi declarado pelos diretores de corrida, o neerlandês via o rival a cerca de 12 segundos, mas isso não lhe garantia o título segundo a calculadora - o piloto da Red Bull sabia que, mesmo vencendo a corrida, Leclerc teria de ser, pelo menos, terceiro classificado para haver farra logo ali no Japão. Ou, ganhando, o neerlandês teria que juntar a volta mais rápido para tornar irrelevante o resultado do piloto da Ferrari (a façanha ficou com o chinês Zhou Guanyu, da Alfa Romeo).

Mas, precipitado o fim da corrida pela torrencial chuva que forçou a mão dos diretores da corrida e da Federação Internacional Automóvel (FIA), surgiu uma penalização, de cinco segundos, para Charles Leclerc - por cortar uma curva e pisar com as rodas para lá dos limites da pista -, que o fez trocar de posições com Sergio Pérez. O “tens a certeza?” perguntado por Max Verstappen prendia-se com esta confusão.

A 12.ª vitória em 18 corridas de uma temporada que até arrancou titubeante para a Red Bull confirmou o segundo título mundial consecutivo para o neerlandês, de 25 anos, um colecionador já de métricas de carreira invejáveis: são 32 corridas vencidas, 18 pole positions, 74 pódios e 21 voltas mais rápidas. “Estou muito orgulhoso, foi incrível, agradeço a todos os que contribuíram para este sucesso. Conquistar o segundo campeonato com a Honda, especialmente aqui, é muito emotivo”, disse, já de microfone na mão, piscando o olho ao fornecedor de motores japonês que equipa os monolugares da Red Bull.

Pierre Gasly nas boxes, durante a corrida
1 / 4

Pierre Gasly nas boxes, durante a corrida

Mario Renzi - Formula 1

Aos 25 anos, Max Verstappen conquistou o segundo título mundial de Fórmula 1
2 / 4

Aos 25 anos, Max Verstappen conquistou o segundo título mundial de Fórmula 1

PHILIP FONG/Getty

A chuva encharcou a pista em Suzuka e encurtou a duração do Grande Prémio
3 / 4

A chuva encharcou a pista em Suzuka e encurtou a duração do Grande Prémio

Bryn Lennon - Formula 1

Max Verstappen a celebrar com o pai, Jos
4 / 4

Max Verstappen a celebrar com o pai, Jos

Mark Thompson/Getty

A curta distância está agora um recorde de simbolismo especial, por ainda ser detido pelos nomes que são: caso Verstappen vença mais uma Grande Prémio esta época, igualará as 13 conquistas feitas num só ano por Michael Schumacher, em 2004, e outro alemão, Sebastien Vettel, em 2013, que está de saída da Fórmula 1. “O Max tem sido deveras dominador esta temporada, elevou-se a outro nível, não pensávamos que conseguiríamos os pontos suficientes já hoje”, disse Christian Horner à “Sky Sports”, no desfecho da corrida.

“Estive a dois metros de morrer hoje”

Já festa se fazia de arromba quando a controvérsia acrescera ao inusitado das circunstâncias que, um ano volvido, pintalgaram também outra conquista do título mundial de Max Verstappen - em 2021, uma decisão dos diretores de corrida em Abu Dhabi em deixar os carros atrás do safety car fazerem ultrapassagens fez com que o neerlandês tivesse um duelo particular com Lewis Hamilton na derradeira volta, para discutirem quem levava a coroa.

Em Susuka, a polémica surgiu logo à primeira volta. As escorregadias condições de pista foram ainda mais evidenciadas por Carlos Sainz, ao despistar-se com o seu Ferrari e embater contra as barreiras, causando vários detritos a ficarem espalhados na pista. O acidente levaria à interrupção da corrida por duas horas, mas, até aos carros repousarem, houve vários passos a serem tomados.

Nessa ronda inaugural ao circuito, Pierre Gasly teve de ir às boxes e, ao sair, estava um trator já em pista e junto à curva 12, onde o despiste acontecera. O francês da Alpha Tauri não sabia porque, apesar de o safety car virtual já estar acionado por essa altura, ninguém terá avisado as equipas e os pilotos da presença do monstruoso veículo numa pista onde a chuva torrencial tornava a visibilidade muito reduzida.

E os ecos da mais grave tragédia recente da Fórmula 1 foram ressuscitados.

Porque foi ali, em Suzuka, há oito anos, que Jules Bianchi morreu fruto de um acidente em que embateu contra um trator que estava no circuito a atender um incidente anterior. O igualmente francês era amigo de Pierre Gasly que, saindo da curva a quase 200 km/h, passou muito perto do veículo, sendo pronto a manifestar a sua incredulidade acicatada pela recordação desse desastre. “O que é este trator em pista? É inaceitável, lembrem-se do que aconteceu. Não acredito nisto! Não queremos ver um trator em pista nunca mais” refilou, esbaforido, através do rádio da equipa.

A tragédia com Jules Bianchi fez a FIA mudar algumas regras, criando, por exemplo, o safety car virtual hoje utilizado com frequência e impedindo qualquer veículo que não um monolugar de entrar em pista sem a autorização da direção da corrida - no caso, é o português Eduardo Freitas, detentor do cargo na Fórmula 1. A corrida já tinha uma dupla bandeira amarela, seguida da vermelha, quando Gasly alcançar o local do acidente.

O piloto francês, já sabendo do castigo que lhe foi imposto - perdeu um lugar (ficou em 18.º) e levou com dois pontos de penalização por conduzir “a velocidades que excederam os 200 km/h em múltiplas ocasiões sob uma bandeira vermelha” -, reforçou o seu descontentamento após a corrida. “Já perdemos o Jules, um piloto e pessoa fantásticos, pelas razões que sabemos, na mesma pista, com as mesmas condições, devido a uma grua. Como vimos hoje outra enquanto estávamos todos em pista?”, começou por questionar.

Pierre Gasly “não compreende” como tal foi possível, acrescentando que “obviamente teve medo” e poderia “ter perdido o controlo do carro” como sucedeu a Carlos Sainz. “Estive a dois metros de morrer hoje e isso é inaceitável. Se tivesse aquaplanado, não estaria aqui”, vaticinou. Às palavras do francês juntaram-se muitas outras, em sincronia nas críticas: o pai de Jules Bianchi escreve que a F1 demonstrou que “não há respeito pela memória” do filho; Sergio Pérez classificou o momento como “o mais baixo da modalidade em anos”, Vettel reforçou que “precisamos de aprender” porque “todos os pilotos tiveram sorte hoje” e Lando Norris questionou “como é que isto aconteceu?!”.