"Não me senti bem-vindo!"
Lewis Hamilton é um dos maiores nomes da Fórmula 1. Venceu sete mundiais, algo que apenas ele e Michael Schumacher conseguiram fazer, e já ultrapassou a marca dos 100 em praticamente tudo: pole positions, vitórias, pódios. Mas quando pensa nos primeiros tempos na categoria-rainha ao longo dos últimos 15 anos, é assim que reage.
"Não senti que fosse aceite. Só Deus sabe quantos destes pilotos dizem: 'Não é isto que é um piloto de Fórmula 1. Não é assim que um piloto se comporta. Não é assim que se faz. Tatuagens? Não! Um piloto de Fórmula 1 não tem tatuagens! Um piloto de Fórmula 1 não tem personalidade. E piercings!'”, disse numa longa reportagem da revista "Vanity Fair".
A dimensão do sucesso do piloto pode levar a pensar que esta situação já não é uma realidade e que existiu apenas no momento em que Hamilton apresentou algo novo para a modalidade. Seria de pensar que atualmente o foco estaria apenas no que o britânico faz em pista. Mas os problemas continuam.
Esta temporada, por exemplo, surgiu a questão das jóias. Desde 2005, dois anos antes de Hamilton chegar à F1, que existe uma regra que proíbe os pilotos de usar brincos, anéis ou colares nos carros, por razões de segurança. Até este ano ninguém se mostrou interessado em ver essa regra ser cumprida, mas em 2022, Lewis, que habitualmente corre com dois brincos e um piercing no nariz, foi informado de que tinha de os retirar.
“As pessoas gostam de ter poder. E de impor o poder”, afirmou o piloto, realçando que sentiu que o súbito interesse nessa regra foi direcionado a si: “Porque na verdade sou o único que usa jóias”.

Clive Mason
Mas meses antes algo marcou o piloto de uma forma bem mais profunda. Quando chegaram à última corrida de 2021, Hamilton e Max Verstappen estavam empatados em pontos. Quem terminasse à frente em Abu Dhabi tornar-se-ia campeão e se fosse Hamilton, seria o primeiro homem na história a ganhar oito mundiais. A cinco voltas da corrida terminar, o britânico ia na frente com 11 segundos de vantagem. Poucas coisas lhe tirariam o título naquele momento.
"Vemos as coisas começarem a desenrolar-se", lembrou o piloto, "e os meus piores medos ganharam vida. Eu estava tipo, não há maneira de eles manipularem isto. Não há maneira nenhuma. Isso não vai acontecer. Certamente que não".
O acidente de Nicholas Latifi no final da corrida levaria Hamilton a vencer o título atrás de um safety car, mas Michael Masi, na altura diretor de corrida, quis uma luta até ao último segundo e, numa mudança de regras inesperada, relançou a corrida entre os dois candidatos ao título. Hamilton viu-se na última volta com pneus usados e Verstappen estava acabado de sair da garagem para uma mudança de pneus.
"Não sei se consigo realmente pôr em palavras a sensação que tive. Lembro-me de estar ali sentado apenas incrédulo. A aperceber-me que tenho de tirar os meus cintos, tenho de sair dali, tenho de encontrar forças. Eu não tinha forças. E foi um dos momentos mais difíceis, diria eu, que tive em muito, muito tempo. Eu sabia o que tinha acontecido. Eu sabia que decisões tinham sido tomadas e porquê. Sim, eu sabia que algo não estava certo", garantiu Lewis.
Mas primeiro ainda passou pelo choque. Mellody Hobson, amiga do piloto, contou à mesma revista o estado em que encontrou Hamilton logo após a corrida. “Ele estava mesmo atordoado”, lembrou. “Atordoado. Como se estivesse em choque. Ele faz a mesma pergunta uma e outra vez: 'O que aconteceu?'. Agarrei-o pelos dois ombros e disse: 'Fizeste tudo bem'. Estava sempre a dizer-lhe isso. Disse: 'Não foste tu. Fizeste tudo bem'. E ele disse literalmente umas quatro ou cinco vezes: 'O que aconteceu?'”.

Clive Rose
Os tempos que se seguiram na Fórmula 1 foram, no mínimo, atribulados. A Mercedes vai para tribunal ou não? Lewis Hamilton continua na modalidade ou não? A Federação Internacional do Automóvel (FIA) vai demitir Masi? Alguém vai assumir o erro? Todas estas questões já foram respondidas entretanto, mas enquanto a FIA declarava que tinha acontecido um erro humano, mantendo o resultado, o piloto passava por um período de incerteza junto da família e amigos.
Sim, Lewis Hamilton pensou em deixar a Fórmula 1: "Considerei se queria continuar", confirmou.
Foi junto dos amigos e das pessoas que o inspiram que decidiu voltar para vingar Abu Dhabi. Para isso, a Mercedes teria de ser a equipa que melhor conseguiria ler e aplicar o novo regulamento. Nada disso aconteceu e, com apenas mais um ano de contrato, os rumores voltaram: Lewis Hamilton vai deixar a Fórmula 1?
“A trabalhar na minha obra-prima, serei eu a decidir quando estará terminada”, respondeu no Instagram.
Hamilton diz que não só não vai terminar a carreira agora, como tem ideias de prolongá-la. "Estaria a mentir se dissesse que não pensei em prolongar. Ainda estou na missão, ainda estou a adorar conduzir, ainda estou a ser desafiado. Por isso, não sinto realmente que tenho de desistir dela tão cedo", afirmou.
O piloto não escondeu que vê como um insulto o facto de, depois de tantos anos, o continuarem a confundir com alguém que viraria as costas a uma luta. “Mas mais uma vez, é o que eles fariam”, disse. Não o que Lewis Hamilton faria.
"Eu sou feito de outra massa. Fui feito para isto. Faz-me lembrar que as pessoas ainda não me conhecem. Mesmo depois de todos estes anos. As pessoas ainda não sabem. Por isso, ok, vou provar que estás errado outra vez", concluiu.