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“Não consigo expressar o quão triste e cruel isto é”: desporto norte-americano reage a reversão de Roe v Wade

A decisão do Supremo Tribunal dos Estados Unidos quanto ao direito ao aborto originou uma onda de críticas. Megan Rapinoe falou durante nove minutos seguidos sobre uma reversão que, diz, vai "exacerbar tantas das desigualdades que já existem", mas também Coco Gauff, Billie Jean King, LeBron James ou a própria NBA se mostraram críticos

Pedro Barata

Brad Smith/ISI Photos/Getty

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Na sexta-feira, o Supremo Tribunal dos Estados Unidos reverteu a decisão que protegia o direito ao aborto no país, conhecida como “Roe vs. Wade”. O reconhecimento constitucional do direito de interromper voluntariamente a gravidez até à 24.ª semana de gestação tinha ocorrido em janeiro de 1973, mas foi agora alterado, perante protestos de milhares de pessoas.

Há algumas semanas que o mundo do desporto norte-americano já se tinha pronunciado a favor da manutenção do direito a abortar, mas com a decisão do Supremo as críticas voltaram a surgir. Uma das mais claras foi Megan Rapinoe, estrela da seleção norte-americana de futebol.

A jogadora, conhecida defensora da igualdade de género ou dos direitos LGBTIQA+, falou, durante mais de nove minutos seguidos, numa conferência de imprensa durante uma concentração da equipa campeão do mundo. Antes de ser feita qualquer questão, a atacante, emocionada, disse "não conseguir expressar o quão triste e cruel isto é", repetindo várias vezes que "ser a favor da escolha significa que podes escolher, permite que outras pessoas sejam pró-vida, mas ser pró-vida não permite que ninguém escolha".

Rapinoe vincou que, apesar de ser "uma mulher cisgénero, rica e branca", nem "todas as pessoas têm isso", afetando esta reversão "desproporcionalmente mulheres pobres, negras, imigrantes, que estão em relações abusivas, mulheres que, quando eram meninas, foram violadas por familiares". "Vai exacerbar tantas das desigualdades que já existem" opinou a norte-americana.

A jogadora entende que a decisão do Supremo "não expressa a vontade geral do país" e recordou que "a falta do direito de abortar não permite que as pessoas não abortem, permite, sim, que elas não tenham abortos seguros":" Isto não é pró-vida. É um pensamento político que se conjuga com a completa falta de regulação sobre armas, com pena de morte, com falta de cuidados de saúde universais, falta de assistência alimentar, falta de licenças de maternidade e paternidade... Não é pró-vida", disse a jogadora.

Lindsey Horan, companheira de Rapinoe na seleção dos Estados Unidos, confessou ainda estar "um pouco chocada" com o sucedido, sentindo que o seu país deu "um passo atrás". O organismo que gere as equipas nacionais de futebol norte-americanas garantiu, nas redes sociais, continuar a lutar "pelos direitos humanos, incluindo o direito de tomar decisões sobre cuidados de saúde individuais", já que "não há igualdade sem autonomia sobre o corpo".

No ténis, Billie Jean King é, há várias décadas, uma das mais ativas vozes a favor da igualdade de género. A vencedora de 12 torneios do Grand Slam recorreu ao Twitter para considerar o dia 24 de junho como "um dia triste" para os Estados Unidos, recordando, tal como Rapinoe, que a decisão "não vai acabar com o aborto", mas sim "com o acesso legal e seguro a este procedimento médico vital". A lenda do ténis apelou ainda que as pessoas "usem as suas vozes" e "continuem a lutar".


Billie Jean King, na marcha do orgulho em Nova Iorque, em 2018

Billie Jean King, na marcha do orgulho em Nova Iorque, em 2018

Gotham

Em Wimbledon, Coco Gauff, tenista norte-americana de 18 anos que chegou à final da última edição de Roland-Garros, expressou a sua "desilusão" com a reversão. Sinto-me mal pelo futuro das mulheres e pelas mulheres de agora, mas também me sinto mal por quem protestou por isto [pelo direito ao aborto], não sei durante quantos anos, e agora estão vivos para verem a decisão ser revertida".

Gauff tem expressado a sua opinião sobre vários temas, desde a proteção de direitos LGBTIQA+ até ao controlo das armas. A jogadora disse que, pelas "leituras e investigações que tem feito", sente que "a história se está a repetir" e que os EUA estão a "regredir".

Para a tenista, a ação do Supremo pode "abrir a porta" a "reverter outras coisas" para as quais "pessoas no passado trabalharam". "Quero encorajar as pessoas a fazerem ouvir a sua voz, porque nós podemos provocar mudanças. Esperemos que as mudanças aconteçam", desejou Gauff, 12.ª do ranking WTA. Tal como Rapinoe e Billie Jean, Coco Gauff, no Twitter, recordou que o "aborto legal e não seguro vai aumentar".

Coco Gauff

Coco Gauff

John Walton - PA Images/Getty

Ashleigh Johnson, guarda-redes de polo aquático que foi campeã olímpica com os EUA no Rio e em Tóquio, entende que "o futuro é desprotegido". Em declarações à "Time", a atleta considerou que esta decisão "é só mais uma barreira" para as mulheres que queiram ser atletas profissionais, porque "não têm proteção" e "não se sentem empoderadas" para "perseguirem os seus sonhos".

O universo do basquetebol também se juntou aos protestos. A NBA e a WNBA emitiram um comunicado, no qual sublinham que "as mulheres devem poder tomar as suas próprias decisões quanto à saúde e futuro", com a "liberdade protegida". "Continuaremos a advogar pela igualdade de género e de saúde, incluindo garantir que os nossos trabalhadores têm acesso a saúde reprodutiva, independentemente da sua localização".

LeBron James, uma das estrelas maiores da NBA, partilhou um tweet da ativista DeRecka Purnell, opinando que a decisão é "sobre poder e controlo". Josh Hart, jogador dos Portland Trail Blazers pediu "desculpa" às mulheres norte-americanas.