Em dezembro de 2021, a cabeça de Rafa Nadal era um mar de incógnitas. Depois de, no final do verão, ter sido (mais uma vez) operado e, em setembro, ter pousado de muletas, prognosticar como seria a temporada de 2022 do tenista de 35 anos tratava-se de um exercício arriscado. No período do natal, o espanhol testou positivo à covid-19 e, segundo diversos meios de comunicação do seu país, três dias antes da data marcada para rumar à Austrália para iniciar a nova época, Nadal não sabia se viajaria ou não.
Mas Rafa é o desportista que nos habituou a transformar o que parece impossível em realidade. No início de janeiro e nos seus primeiros encontros desde agosto, o espanhol venceu o ATP 250 de Melbourne, dando o mote para o que se seguiria: no Open da Austrália, Nadal ergueu o 21.º primeiro título do Grand Slam, um novo recorde entre os homens. "Há mês e meio não sabia se poderia voltar a jogar", desabafou, após o épico triunfo na final contra Daniil Medvedev.
Transformando as dúvidas sobre o seu estado físico em novos elogios à competitividade e resiliência, o balear deu sequência à forma ganhadora, conquistando o ATP 500 de Acapulco — voltando a bater Medvedev pelo caminho — e em Indian Wells a tendência mantém-se, com três vitórias em três duelos que o colocam nos quartos-de-final do torneio muitas vezes apelidado de quinto major.
Impondo-se, por 7-6(3) e 7-6(5), perante Reilly Opelka, Nadal chegou ao seu melhor começo de ano de sempre, com 18 vitórias e nenhuma derrota, um registo que supera os 17 triunfos para arrancar a época que Pete Sampras logrou em 1997 e Roger Federer obteve em 2018 — e conseguiu-o a menos de três meses de cumprir 36 anos. Melhor do que o espanhol só Novak Djokovic, capaz de ganhar 26 vezes seguidas até conhecer o sabor da derrota em 2020. Em 2011, conseguiu umas estratosféricas 41 vitórias nos seus primeiros 41 encontros da campanha.
Atualmente na 4.ª posição do ranking ATP e em busca do seu quarto título do ano, Nadal considerou, após bater Opelka — o 17.º do mundo e conhecido pelo seu poderoso serviço —, que realizou o seu "melhor encontro no torneio", numa vitória que "tem muito significado". No entanto, com a prudência dada pelos quase 36 anos, o espanhol fez um desabafo: "Este não é o momento de mentir ou esconder coisas. Sim, tenho jogando com dor, e hoje [no embate contra Opelka] no segundo set senti-me um pouco pior, sendo honesto".
"Os problemas no pé têm-me incomodado. Oxalá possa continuar a aguentar", desejou Rafa, que colocou já as atenções no pós-Indian Wells: "Este vai ser o último torneio em hard courts. Depois, a terra batida ajudará. Resta-me fazer um último esforço para conseguir o melhor possível aqui". Depois de Indian Wells, Nadal não disputará o torneio de Miami, voltando para a Europa para preparar a temporada de terra batida — que culminará em Roland Garros, onde tentará vencer pela 14.ª vez, erguendo o seu 22.º major.
Para já, Nadal concentra-se em Indian Wells, onde procura o quarto título. O seu adversário nas meias-finais será o sempre polémica e explosivo Nick Kyrgios, australiano com um lugar na hierarquia mundial (132.º) muito distante do seu talento.
Desde que, em Wimbledon 2014, um Kyrgios de 19 anos derrotou Nadal, que os dois têm tido uma peculiar rivalidade, com os exageros e truques do australiano a colidirem com a imagem de profissional com ética monacal do espanhol. Quando, após bater o tenista da terra dos cangurus na final do torneio de Pequim em 2017, o espanhol disse que "quando ele realmente quer jogar, é um dos oponentes mais duros", era possível entender como as inconsistências de Kyrgios chocam com a maneira de olhar o desporto do balear.
Além daquele primeiro triunfo em 2014, o australiano já bateu Nadal noutras três ocasiões, o que levou Rafa a reconhecer que "com o seu talento e serviço, Kyrgios pode, obviamente, vencer um torneio do Grand Slam".
Satisfeito com o momento que vive, mas consciente das fragilidades do seu corpo, Nadal assegura que "não pensa no passado", olhando "só para a frente". "Para mim, é surpreende estar na posição em que estou, tendo vencido já três títulos. Não posso dizer que seja um sonho porque há três meses nem sequer podia sonhar com isto". Pela enésima vez, Rafa está-se a superar a si próprio.