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Tempo útil de jogo: cabe aos árbitros um trabalho mais corajoso, mas também aos jogadores a responsabilidade de perceberem que futebol não é circo e que jogar à bola não é palhaçada

O ex-árbitro internacional Duarte Gomes reflete sobre o tempo útil de jogo, o que podem fazer os atores, as suas culpas e outras possíveis soluções para melhorar o espectáculo

Duarte Gomes

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Há precisamente um ano participei no webinar “Thinking Football”, organizado pela Liga Portugal. Na altura, o meu painel abordou a questão do “tempo útil de jogo”, sugerindo soluções para combater as muitas paragens que, de facto, acontecem no futebol profissional em Portugal.

Nessa reflexão participaram, para além de mim e do Tiago Madureira (Liga Portugal), o Costinha e o Marco Silva (ambos treinadores) e o Daniel Podence (jogador). O debate foi moderado pelo Carlos Daniel.

Cada um de nós teve a oportunidade de dizer de sua justiça sobre o que poderia ser feito para minimizar esse estrago. Todos concordaram que a escassez do tempo útil de cada partida é um fenómeno perverso, que afeta a qualidade desportiva.

Como era de esperar, um ano depois nada mudou e os dados mais recentes do Observatório do Futebol (CIES) apenas o confirma:

– A 1ª Liga portuguesa está em 31° lugar entre 36 submetidas a estudo.

O nosso campeonato tem uma média de 57’09” de jogo jogado, o que significa que, em cada partida analisada, a bola não rolou durante quase 33 minutos.

Se, a título de exemplo, pegarmos no clássico FC Porto-Sporting CP disputado no Dragão, constatamos que o jogo só teve 43m de tempo útil, apesar de ter durado 105 minutos.

Quer isso dizer que não se jogou à bola durante 49 minutos, tempo superior a uma parte.

Mais do que preocupantes, estes são números aberrantes que, ao contrário do que pensará a maioria, não se deve apenas a excesso de apito por parte dos árbitros.

Convém que sejamos claros na forma como desmontamos esse mito, sob pena de continuarmos a rotular os mesmos do costume como responsáveis por tudo o que de mau acontece no futebol.

Cabe aos árbitros sim, uma arbitragem mais corajosa e menos defensiva. Verdade. Cabe-lhes permitir contactos até ao limite e arriscar mais, em nome da qualidade do espectáculo.

Mas na mesma medida, cabe aos jogadores a responsabilidade de perceberem que futebol não é circo e que jogar à bola não é palhaçada.

Simular lesões de forma descarada, cair ao solo com expressões de dor excruciante, procurar conflitos em cada jogada, perder tempo em todos os recomeços ou barafustar por tudo e por nada… não ajuda. Tal como aos homens do apito cabe a missão de aplicar as regras com bom senso, cabe aos atletas o desafio de jogarem à bola com ética profissional.

A chico-espertice leviana, a vontade de querer “arrumar” disciplinarmente com o adversário – também ele colega de profissão (e, às vezes, de seleção) – e a postura bélica por dá cá esta palha, não é de jogador, é de batoteiro e esses estão a mais no jogo.

E não esqueçamos as quedas teatralizadas (a roçar o patético), na esperança que a verdade tecnológica descortine uma qualquer “causa/efeito” mecânica, que valide um penálti de TV.

Sejamos honestos… se alguns dos nossos jogadores (não todos, felizmente) pararem com estas malandrices, a bola rola ou não rola mais tempo?

E que dizer dos seus treinadores, que tantas vezes se queixam que a bola não rola, mas que na verdade pouco ou nada fazem para impedir que alguns dos seus atletas entrem nesse registo?

Alguém tem dúvidas que se o líder proibir o seu jogador de simular ou perder tempo de forma deliberada, a coisa não melhora? Então se o timoneiro proibir expedientes antidesportivos, haverá algum dos seus comandados que o desrespeite?

As vezes convém pôr o dedo na ferida, não para beliscar alguém, mas para despertar as mentes.

As coisas são assim porque todos contribuem, por ação ou inércia, que sejam. E cabe a todos o esforço conjunto de as melhorar.

Até o IFAB tem responsabilidades ativas nesta matéria. Apesar de várias alterações recentes às leis de jogo, o organismo nunca encontrou uma legislação capaz de acabar, de vez, com perdas de tempo desnecessárias.

Solução possível
– Se um jogo de futebol tivesse 60m de tempo cronometrado (divido em duas partes iguais, de 30m/cada), a bola rolava ou não rolava a totalidade desse período?
– E esse tempo seria ou não superior ao que se joga de verdade, hoje em dia?
– Iria ou não iria diluir (por serem inócuas) as várias tentativas de se perder tempo?
– E se nas respetivas paragens de jogo (técnicas ou intervalos), se permitisse mais publicidade, maiores momentos de interação no público, mais participação dos adeptos… não estaríamos a atrair mais pessoas para o espectáculo?
– Não estaríamos a proporcionar um serão mais agradável às famílias?
– Não estaríamos a criar mais lucro e benefícios para a própria competição?

Mas afinal de contas, o que é nos falta para replicarmos boas práticas e aplicarmos o saber que tantas outras modalidades já nos ensinaram?

Faz confusão, não faz?