Depois de 100 minutos de queixas generalizadas, de rodas e rodinhas, de mais acusações do que futebol, os episódios que se seguiram ao apito final resumem melhor o panorama global do FC Porto – Sporting do que o ocorrido anteriormente: uma sucessão de ofensas, empurrões, corridas para aqui e para ali, conflitos entre jogadores, entre jogadores e dirigentes, entre membros exteriores ao jogo e jogadores, tudo pontuado por um árbitro perdido que ia distribuindo expulsões.
O FC Porto – Sporting teve um prólogo de elogios de parte a parte, revestidos das “canções de embalar” de que ambos os técnicos falaram. Mas o 2-2 final produziu-se no contexto mais próprio de uma “canção da canção triste”, como diria Manuel Cruz. Além dos 11 amarelos e das expulsões de Coates, Pepe, Marchesín, Tabata e Palhinha — estes quatro últimos já após o final da partida —, a sensação que fica é de mais um jogo que, podendo ser uma promoção do futebol português, acabou por ser uma lamentável sucessão de incidentes.
Escrever sobre um clássico entre as duas melhores equipas do futebol nacional gastando tantas linhas para descrever uma arruaça e não um jogo não é tarefa prazerosa, mas a realidade do sucedido a isso obriga. 100 minutos de altercações por tudo e por nada terminaram com o FC Porto — que chegou às 50 rondas seguidas sem perder — a manter a preciosa vantagem de seis pontos para o Sporting, quando ambas as formações têm, agora, 12 jornadas por realizar.

(Foto: Diogo Cardoso/DeFodi Images via Getty Images)
O oitavo duelo entre Rúben Amorim e Sérgio Conceição — com o técnico do FC Porto a só ter ganho um dos embates que disputou perante o antigo médio — até começou com futebol empolgante, com muita ação perto das balizas. Antes dos 30 segundos já os dragões tinham obrigado Adán a uma dupla defesa, após remates de Vitinha e Taremi, e aos 4′ Paulinho, após roubo de bola a Vitinha, também forçou Diogo Costa — recuperado depois da lesão sofrida em Arouca — a intervir.
E, ao quinto tiro enquadrado antes dos oito minutos, surgiu o 1-0 para o Sporting, fruto de uma jogada entre futebolistas que, em momentos mais ou menos recentes, beneficiaram do manto de proteção e conforto que Rúben Amorim estende por cima dos seus homens: Ricardo Esgaio colocou a bola longa, para o lado esquerdo, onde Matheus Reis voltou a mostrar os seus dotes desconhecidos, com uma assistência de futebol de praia para a cabeça de Paulinho, que abriu o marcador.
Há 74 anos que o Sporting não marcava tão cedo em casa do FC Porto para o campeonato. Uma volta ao sol antes, em 1947, estreou “O Leão da Estrela”. O senhor Anastácio até teria festejado o golo de Paulinho, mas ficaria triste ao ver o espetáculo que se seguiu.

(Foto: Jose Manuel Alvarez/Quality Sport Images/Getty Images)
O FC Porto, com Evanilson no centro do ataque, Taremi partindo mais da esquerda e a ameaça permanente de Fábio Vieira e a hiperatividade de Otávio nas costas dos dianteiros, reagiu à desvantagem mantendo a toada que lhe é conhecida, com muita pressão sobre a saída de bola leonina. O Sporting insistia em tentar ligar o jogo, mas várias recuperações em zona alta dos locais levaram a diversos cantos e livres laterais. Ainda assim, nessas bolas paradas sobressaiu a competência defensiva dos visitantes, que evitaram sempre finalizações.
Só que as convicções da equipa de Rúben Amorim parecem feitas à prova de aço. E o Sporting nunca deixou de tentar sair a jogar a partir de Adán. Da mesma forma que, em alguns momentos, isso levou a possibilidades de perigo para o FC Porto, aos 34′ levou a uma jogada que culminou no 2-0.
A bola viajou da direira para a esquerda, da esquerda para trás, de trás para a direita, sendo tocada por todos os futebolistas dos campeões nacionais. Pelo meio, contou com o brilhantismo de Matheus Nunes, o único homem que, no primeiro tempo, tinha o talento e a força para sair das zonas de pressão.
Matheus Reis voltou a cruzar, Sarabia desviou para o centro com a sua qualidade simples e Nuno Santos, pela terceira vez nas últimas duas épocas, marcou ao FC Porto, dobrando a vantagem do Sporting. O 2-0, aos 34′, teve selo das ideias bem vincadas de Amorim.

(Foto: by Jose Manuel Alvarez/Quality Sport Images/Getty Images)
Quatro minutos volvidos, um atraso no posicionamento de Feddal colocou Taremi em jogo, com o iraniano a servir o remate fácil de Fábio Vieira que, com o seu pior pé, o direito, reduziu para 2-1. Estava relançado o clássico depois de 38 minutos emotivos. Mas o final da primeira parte acentuou uma realidade que já se vinha presentindo, levando-a para dimensões pouco dignas.
Para explicá-lo de forma concisa, nos últimos minutos da etapa inicial não se jogou. Protestos, confrontos, isqueiros atirados da bancada e rodinhas constantes entre jogadores e ao árbitro, como se estar ali em picardias fosse o centro do jogo. Vários minutos de futebol desperdiçado depois, o intervalo chegou.
O recomeço veio em forma de más notícias para o Sporting, já que aos 49′ João Pinheiro mostrou o segundo amarelo a Coates por entender que o uruguaio travou um lance promissor de Evanilson. Com praticamente uma parte inteira por jogar, Rúben Amorim ativou o modo resistência, evocando memórias de Braga, na temporada passada, ou de Barcelos, esta época.
Lançando Palhinha, Slimani ou Neto, o técnico dos campeões nacionais procurou revestir a sua equipa de robustez, o oposto que o seu rival do outro banco ia fazendo, ao lançar Galeno, Francisco Conceição ou Pêpê. Aos 59′, Zaidu acertou no poste, mas os minutos iam passando com um Sporting competente a defender, beneficiando dos automatismos sabidos de memória que tem, e um FC Porto precipitado a atacar.

P. (Foto: by Zed Jameson/MB Media/Getty Images)
O bloqueio no futebol ofensivo dos dragões foi resolvido por um jovem com íman para o golo, seja para marcar ou para assistir. Os recursos que Fábio Vieira tem para atacar a baliza rival são inesgotáveis e, aos 78′, o canhoto serviu Taremi para o 2-2 que deixou o Dragão a acreditar na reviravolta. São já 11 as assistências do Vieira que escreve sermões de bom futebol.
Contando o tempo de descontos, ainda havia mais de 20 minutos por jogar. Só que, tal como no desfecho da primeira parte, pouco se jogou.

(Foto: Diogo Cardoso/DeFodi Images via Getty Images)
Entre faltas, paragens e protestos, o embate chegou ao último lance da partida, quase ao minuto 100, com um canto para o FC Porto. Com Feddal a precisar de assistência, a eternidade que se tardou para fazer aquela jogada sintetizou o clássico: pouca pressa e vontade de jogar, muita disponibilidade para a polémica e para o acessório.
O clássico terminou, mas o sucedido depois evidencia que o jogo quase parecia algo secundário naquele contexto, tal o empenho geral em sair por cima de uma situação em que todos ficaram a perder — desde logo, a imagem do futebol português. O corrupio de atitudes lamentáveis e infantis colocou um ponto final num espetáculo triste. As cantigas de embalar do encontro do título foram canções tristes da partida em que o jogo não foi destaque.