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Portugal me mata, uma crónica com sotaque carioca

Portugal me mata, uma crónica com sotaque carioca
Foto Jared Wickerham/Getty

O Diretor de Arte do Expresso é luso-brasileiro mas, nem por isso, bom de bola. Cruzou o Atlântico e conta como aprendeu a amar um país que adoramos odiar

Portugal me mata, uma crónica com sotaque carioca

Marco Grieco

Diretor de Arte

Costumo dizer a brincar – que é como se dizem as verdades – que nasci no continente errado. Primeira geração brasileira de uma família portuguesa, ainda tive de esperar mais de 20 anos para ver o Brasil campeão do mundo. Mesmo assim, lá do outro lado do Atlântico, desde sempre aprendi que tínhamos o melhor futebol do mundo, que o melhor jogador de sempre era brasileiro e que já nascíamos com um talento inato, com a bola nos pés. Éramos imbatíveis, mesmo quando éramos batidos.

No país do samba e do futebol, o meu fado foi aprender que ficar em segundo lugar pouco mais era do que ser o primeiro dos últimos. No Brasil, mal acabada obra magna portuguesa com mais de 500 anos, vencer era e é muito diferente de perder. E saber perder não se ensina na escola.

Nas mais de duas décadas que vivi naquele país estranho, acreditei nessa mentira absoluta, vibrei e sofri sob a égide do mau perder. Só vencer interessava e íamos perdendo cada dia mais. Nunca aprendemos a desfrutar pura e simplesmente do prazer da luta, perdemos todas as oportunidades de crescer com cada derrota, e, cegos pela vitória, até acreditamos que o Brasil era o país do futuro. Olhando para trás, agora desde o lado certo do Atlântico, atesto que a única coisa que mudou no Brasil foi mesmo o futebol brasileiro. Para pior.

Cá como lá, o futebol sempre foi e sempre haverá de ser o ópio do povo. Mas desde que aterrei em Portugal, desfazendo o erro dos meus antepassados que cruzaram o mundo em busca de um mundo melhor, não demorei a aprender que não é preciso vencer para convencer. E isso não quer dizer que não se lute pela vitória, mas sim que devemos aceitar os nossos limites. Físicos, mentais, humanos.

Aqui, aprendi o que é perder com honra, o que é lutar de forma honesta por um objetivo, o que é dar o nosso melhor mesmo quando somos muito piores que os outros. Portugal me ensinou muito mais do que aquilo que eu estava à espera de aprender. O que ganhei de Português fui perdendo de Brasileiro. E aquele “nós”, o “nós” do talento natural e jeito para a bola, tornou-se um outro “nós”, o do fado, da dedicação e – por que não? – de uma saudável nostalgia. Sem menosprezar o prazer que é ser campeão, Portugal me ensinou que é a própria luta que merece ser festejada. A vitória é apenas uma consequência de uma série de imponderáveis e, por vezes, nefastos fatores. Do alinhamento das estrelas, se quisermos. Alinhamento que não esteve do nosso lado em 2004. Mas a festa foi bonita na mesma, como nunca tinha visto nem vivido, mesmo no tal “país do futebol”.

Hoje, o melhor do mundo ainda joga na Copa América, mas de azul e branco. E, mesmo tendo nascido no Brasil, não me custa nada dizer que considero um argentino como o melhor jogador de futebol de sempre. Sim, porque o meu amor por Portugal não faz de mim cego, antes pelo contrário. E seria cegueira não acreditar no potencial da nossa seleção, mesmo que ela não seja favorita – como alguns nos querem fazer crer.

A minha certeza é a de que vamos lutar com todas as nossas forças e crenças para trazer a taça. A minha dúvida é a de que a recompensa seja apenas e tão somente um monte de lata prateada. Já somos uma terra abençoada, bela e serena. Essa é a nossa recompensa. Divina, se calhar.

Incalculavelmente maior do que os números da sua economia, Portugal é gigante para além das suas fronteiras. Imensuravelmente maior que qualquer conquista desportiva possa mascarar. Fez história e é história, com passado, presente e futuro.

Se ganharmos, ouro sobre azul. Se perdermos, vida que segue. Nem melhores, nem piores, continuaremos apenas a ser diferentes.

Muito em mim mudou com a mudança. Só não mudou a minha crença na conspiração cósmica e o meu costume de chorar apenas na vitória, nunca na derrota. Só o sucesso me emociona, nunca o fracasso. E, graças a Deus, sou um chorão inveterado…

O que tiver de ser, será. Que os astros nos protejam e, se estiver escrito nas estrelas, que Portugal me dê então motivos para chorar.

Tem alguma questão? Envie um email ao jornalista: MGrieco@expresso.impresa.pt