A 21 de janeiro de 2020, o Arsenal de Mikel Arteta, a viver os seus primeiros tempo no banco gunner, visitou o Chelsea em mais um dérbi londrino. Aos 63', Gabriel Martinelli, numa arrancada devastadora, semelhante à que não deu em golo no Sporting - Arsenal devido à supersónica intervenção de St. Juste, fez o 1-1 para os visitantes. Cesc Fàbregas, lenda dos londrinos que vestem de vermelho e branco, escreveu: “Francis Cagigao volta a atacar”.
Passados 24 minutos, já com o Chelsea a vencer por 2-1, Héctor Bellerín restabeleceu a igualdade. Fàbregas recorreu às redes sociais para sublinhar a mensagem: “E Francis Cagigao volta a atacar outra vez. Lenda”.
As mensagens de Cesc elogiavam o homem que recomendara as contratações de Bellerín e Martinelli quando ambos eram adolescentes projetos de jogadores. Um estava na formação do Barcelona e outro no Ituano, da quarta divisão do Brasil. O mesmo olheiro que, muitos anos antes, detetara o talento de Fàbregas, sendo fundamental para que o médio fosse da Catalunha para Inglaterra.
Francis Cagigao nasceu em Londres, filho de imigrantes galegos que chegaram ao Reino Unido em 1964. Apaixonado pelo futebol, venceu a Taça de Inglaterra sub-19 pelo Arsenal, mudando-se depois para o Barcelona, onde nunca se estreou pela equipa principal. Atuaria também no Racing Santander, mas seria o olfato para detetar o talento alheio que o distinguiria.
De 1996 a 2020, Cagigao trabalhou no Arsenal, 24 anos em que foi de scout responsável por Portugal e Espanha a chefe de recrutamento do clube. “Arsène Wenger queria uma nova estrutura global de deteção de talento”, explica à Tribuna Expresso um dos homens no centro dessa rede idealizada pelo técnico francês.
Wenger, Reyes e Cagigao na apresentação do espanhol no Arsenal, em 2004
Stuart MacFarlane
O primeiro jogador recomendado por Cagigao e contratado pelo Arsenal foi o camaronês Lauren. Seguiu-se uma lista que parece uma parada de craques: Cesc Fàgregas, José Antonio Reyes, Robin Van Persie, Carlos Vela, Santi Cazorla, Héctor Bellerín, Emiliano Martínez. Do plantel atual, Gabriel Martinelli, Thomas Partey, Gabriel Magalhães ou William Saliba também foram sugeridos pelo homem que atualmente vive na Galiza.
O Wengerismo trouxe ao Arsenal títulos e admiração internacional, tornando o clube, nos melhores anos sob o comando do francês, num dos mais poderosos do mundo. O dinheiro gasto na construção do novo estádio, inaugurado em 2006, e a entrada no futebol do músculo financeiro de Roman Abramovich ou dos clubes-Estado relegou os londrinos para um segundo plano, mas polir talento jovem sempre esteve nas prioridades dos gunners.
Nesse processo, Francis Cagigao tornou-se um dos homens mais importantes do Arsenal durante mais de duas décadas. Viajou pelo mundo em busca da next big thing, indo a lugares remotos. Fala com paixão e romantismo da profissão, sendo quase poética a forma como diz que “há sempre um campo de futebol algures, no sítio mais distante e perdido…”.
Como é a sua vida quando não está diretamente envolvido num projeto?
É muito diferente. Trabalhei 24 anos no Arsenal e, quando saí em 2020, estive apenas dois meses parado, porque aceitei uma proposta para ser diretor desportivo da federação do Chile. No final de 2022 esse projeto terminou e regressei a casa no começo de 2023. Portanto, é praticamente a primeira vez que tenho algum tempo sem estar a trabalhar exclusivamente para alguém. Faço assessoria para alguns clubes, é verdade, mas não trabalho diretamente com nenhum, pelo que é um momento atípico na minha vida. Vejo muito futebol e estou a utilizar este tempo para fazer um reset — no futebol, como em qualquer outro trabalho, é preciso ir fazendo reset, estar a par das novidades que há.
Fazendo uma viagem no tempo até 1996. Como surgiu a oportunidade de trabalhar no Arsenal?
Eu tinha começado a minha carreira de jogador no Arsenal, antes de ir para o Barcelona, pelo que ainda mantinha contacto com gente de lá, particularmente com o Pat Rice, adjunto do Arsène Wenger. Pediram-me que me reunisse com o clube numa altura em que estava a tirar o título de treinador em Londres. A ideia era criar um departamento de recrutamento global, juntamente com o Steve Rowley, [falecido em 2022] que foi meu companheiro de equipa. Nós, com o Damien Comolli [atual presidente do Toulouse], iniciámos esse departamento, que chegou a ter mais de 48 pessoas.
Como é que se cria uma rede de scouting a nível mundial nos anos 90, sem os recursos tecnológicos de 2023?
Começámos com o que tínhamos, em formato vídeo, e daí passámos aos DVD’s. Vendo muito futebol, usando muito o telefone, estabelecendo contactos para criar uma rede muito grande de pessoas do futebol. Fazíamos muitas viagens, víamos muito futebol ao vivo. Eram outros tempos. Não tínhamos Wyscout [plataforma que compila vídeos e estatísticas de jogadores de todo o mundo] nem essas ferramentas digitais, nem sequer e-mail. Eram, digamos, os tempos da aventura no scouting, dos pioneiros. Fui um período muito bonito, de muito trabalho, porque hoje em dia podes poupar muito tempo e viagens com os recursos que há. Era tudo mais rústico. Mas fizemos um excelente trabalho, porque foi uma época gloriosa para o Arsenal.
Foi-se perdendo um pouco esse espírito aventureiro da deteção de talento?
Eu creio que o que se foi perdendo foi essência. A verdade é que nem tudo é o olho treinado de um olheiro nem tudo são os dados. Há que chegar sempre a um compromisso, um terreno intermédio entre as duas coisas. Aí está o ideal. Não acredito que os dados te ajudem a contratar futebolistas jovens de topo, porque há poucas informações estatísticas sobre eles. Por exemplo, os dados não nos levaram a contratar um Gabriel Martinelli nem um William Saliba, essas operações fizeram-se com base no visionamento de muito futebol jovem. E aí é onde os dados estatísticos não têm vantagem, que está do lado do olho treinado de um scout profissional. Quando vês que há clubes que quase só utilizam o big data para contratar, mas depois pagam 90, 100 ou 110 milhões por jogador, isso é um pouco uma loucura.
Qual é, então, o grande contributo de — neste tempo de tantas métricas e análises estatísticas por máquinas — ir ver um jogador ao vivo?
Da mesma maneira que não vais colocar alguém que só tenha cozinhado um ovo frito a servir para 80 pessoas num restaurante de estrelas Michelin. É muito difícil igualar um olho treinado, um técnico com experiência de jogo, com conhecimentos detalhados de futebolistas ou de como melhoram os jovens. Os dados estatísticos vão-te dar factos, mas a decisão final vai ter de ser tomada por um ser humano, ponderando os dados e o que viu. Claro que a estatística ajuda-nos, sobretudo, a filtrar: leva-nos de uma situação mega para uma micro, permite-nos ir de uma lista grande para, com base nas métricas definidas por cada clube, chegar a listas pequenas, onde creio que é importante o olho treinado.
Quando ia a lugares longínquos fazer essa observação in loco, em que é que tentava reparar mais?
Há aspetos em que toda a gente repara. Questões técnicas, táticas ou físicas. Depois há a parte psicológica, que é muito mais difícil de avaliar, porque não somos psicólogos. Eu tento reparar um pouco na inteligência do jogador, que decisões toma em momentos cruciais dos encontros, em situações complicadas no relvado. E tentar pensar na adaptabilidade do jogador, intuir se se vai adaptar bem a outra cultura, a outro país. Para isso tentas olhar para a atitude dele, o perfil como jogador.
Stuart MacFarlane/Getty
Que impacto lhe causou Arsène Wenger quando o conheceu?
Enorme. Conheci-o quando estava a fazer o estágio do curso de treinador no Arsenal. Para mim, é uma figura mais importante. Diria, sem qualquer dúvida, que foi a pessoa mais inteligente que encontrei no futebol. Ajudou-me muito, tanto pessoal como profissionalmente.
Um scout como o Francis pode fazer o melhor trabalho do mundo, mas isso servirá de pouco sem um treinador que aposte no talento recomendado. O que levava Wenger a ter tanta convicção para apostar nos jovens?
Arsène era tremendamente polivalente e, dentro dessa polivalência, tinha também uma faceta de olheiro dentre dele. O primeiro scout do Arsenal era praticamente ele, tinha uma paixão por descobrir jovens talentos, era algo que o motivava imenso e esse gosto contagiava-nos. Detetar gente de qualidade era parte fundamental do modelo de clube, mas não podemos esquecer que tivemos de mudar de estrutura e de visão de trabalho a meio do percurso: com a construção do estádio [do Emirates, inaugurado em 2006], a situação financeira do Arsenal mudou. Passámos de ser um clube ganhador, que chegou à final da Liga dos Campeões, para um modelo mais discreto, porque não podíamos ter o mesmo nível de investimento na equipa principal. Não éramos candidatos a contratar as grandes estrelas, mas sim jovens de grande potencial, tipo Van Persie ou Fàbregas. A lista de jovens que chegaram a custo zero ou a baixo custo é interminável. Depois, muitos deles foram vendidos para continuar a financiar o estádio. Conseguir estar sempre na Liga dos Campeões sob estas condições, tendo de vender tantos jogadores, mas continuando a ser competitivo, foi pouco menos do que um milagre, realmente.
Doeu-lhe essa perda de competitividade na segunda parte da era Wenger?
O Arsène aceitou essa mudança porque viu que era necessário para que o clube prosperasse. O Arsenal que vemos agora não seria possível sem passar por aquele período. Mas claro que doeu a toda a gente, porque passámos de ser uma equipa vencedora, que chegou a ganhar a Premier League invencível, a estarmos limitados, sem competir financeiramente com os pesos pesados, ainda que nos tenhamos mantido competitivos e presentes na Liga dos Campeões. O Arsène aceitou a mudança, mas julgo que lhe custou um pouco mais nos últimos anos, quando a direção, talvez, não o tenha apoiado tanto. Se a direção o tivesse apoiado economicamente tal como fez nos últimos anos, gastando centenas de milhões em jogadores, talvez a história do Wenger tivesse acabado de outra forma no Arsenal. Mas continua a ser o treinador mais bem-sucedido da história do clube e creio que demorará muito tempo até que alguém o iguale.
Ele revolucionou o futebol com esse modelo de clube, a busca verdadeiramente global pelo talento.
Efetivamente. Começaram a ver-se muitos clubes a seguirem essa tendência, alguns talvez por moda, outros quiçá por necessidade. O Arsenal não tinha, na altura, um dono bilionário e conseguia auto-financiar-se, ser sustentável. Os outros emblemas olharam para ali e começaram a fazer semelhante, também devido às imposições do fair-play financeiro.
Passou a haver uma corrida para contratar os melhores adolescentes do mundo por parte das grandes potências?
Diria que essa corrida sempre existiu. Talvez tenhamos sido os pioneiros, mas rapidamente juntaram-se os demais. Lembro-me de estar em campos de futebol perdidos nalgum lado e sempre havia os mesmos seis, sete ou oito clubes ali comigo. Depois era uma questão de gostos, de aposta ou de não aposta, mas rapidamente outros olhos juntaram-se à procura pelo melhor talento existente. Aí, claro que se tornou uma corrida, parecia a corrida para chegar primeiro ao espaço entre russos e norte-americanos. É muito estimulante descobrir qualidade jovem e ver como ela evoluiu, apreciar agora, por exemplo, o percurso de Gabriel Martinelli ou William Saliba. Recomendar um rapaz de 16 ou 17 anos e vê-lo tornar-se numa estrela do futebol é, verdadeiramente, muito bonito.
Wenger com um adolescente Fàbregas, em 2003
Stuart MacFarlane/Getty
Neste mundo em que está tudo tão controlado, podendo ver jogos de todo o lado, como é que se chega primeiro, por exemplo, a um Martinelli, que estava nos escalões inferiores no Brasil?
Ele estava num clube da quarta divisão [Ituano], que tinha um acordo com o Manchester United. Só que ele não era do agrado do Manchester United e voltamos ao mesmo: é tudo uma questão de gostos e opiniões. Tiveram a oportunidade de o contratar, acharam que não era jogador para eles. Nós seguimo-lo bastante tempo, mas entretanto levaram-no a um teste no Barcelona, o que me fez pensar que o tinha perdido. Só que o Barça também não o quis. E poderíamos ter pensado que, se nem o United nem o Barça o quiseram, nós também deveríamos mudar de opinião. Mas tens de ter as tuas convicções. Eu acreditava no jogador a 100%, ainda para mais depois de o conhecer pessoalmente. Fizemos uma oferta, ele aceitou e agora vemos um futebolista de topo. É, muitas vezes, questão de convicção, de apostar, de arriscar, mas um risco calculado. Tal como te pode sair bem um, outro pode não sair tão bem.
Já que falamos de aposta, suponho que uma marcante tenha sido a que foi feita no Cesc Fàbregas?
Sim. O Cesc é quase um pioneiro, talvez o primeiro jogador que sai de um grande europeu, praticamente sem custos, para ir para outro clube, que talvez até pudesse considerar mais pequeno…
…mas que lhe dava um caminho claro até à primeira equipa.
Claro. Tanto eu como o Wenger convencemo-lo de que teria uma carreira de topo connosco, que teria um caminho muito mais rápido até à equipa principal. Iríamos confiar nele, dando-lhe minutos desde muito jovem. E a partir daí é mérito do jogador e o Cesc teve todo o mérito.
O Cesc está muito metido na parte técnica do futebol. Imagina-o como treinador do Arsenal um dia?
Não sei. Falo muito com ele e sei que quer ser treinador. Já começou no Como [onde joga], muito regularmente trabalha com jovens lá. Viajou por alguns clubes, inclusivamente esteve alguns dias no Arsenal com o Jack Wilshere, trabalhando com os sub-18. Tem essa curiosidade de ser treinador, depois o tempo dirá que tipo de treinador. Tem muito boas ideias e muito que oferecer ao futebol.
Lembra-se da primeira vez que viu Messi?
Claro, foi na mesma equipa que o Cesc [no Barcelona]. Na altura, quisemos contratar, ao mesmo tempo, Messi, Piqué e Cesc quando eram adolescentes, mas no final de contas só conseguimos contratar um. Tivemos Piqué nas nossas instalações, mas ele foi para o Manchester United, e com o Messi, por questões legais do Reino Unido relacionadas com ele ser extra-comunitário, não foi possível avançar. Mas podes imaginar como era essa equipa sub-16 do Barcelona com estes três, era incrível. Teria sido maravilhoso contratá-los aos três, mas contratar o Cesc já foi muito importante para os anos seguintes. Quanto ao Messi, já se via, naquela altura, que seria totalmente diferente dos restantes, que seria uma estrela.
Fàbregas e Van Persie chegaram como adolescentes recomendados por Cagigao ao Arsenal e saíram como estrelas de dimensão mundial
Tom Dulat/Getty
Outro jogador que foi buscar do Barça para o Arsenal foi Hector Bellerín, que viria a fazer 239 jogos nos gunners.
O Héctor costumava jogar como extremo-direito, mas houve um jogo de sub-16 contra o Espanyol em que, tendo ele 15 anos, o colocaram como lateral, porque o titular da posição estava castigado. Vi esse encontro e acompanhei-o durante quatro meses, mas foi sempre extremo, nunca mais voltou a atuar como lateral. Só que eu fiquei na cabeça com a imagem dele a lateral. Pensei que não seria um futebolista de topo jogando na frente, mas que como lateral poderia chegar a internacional. Disse isto ao Héctor e à família dele. Ao princípio, todos ficaram surpreendidos, mas ele aceitou a proposta que lhe fizemos e pudemos contratá-lo com 16 anos. Foi um jogador muito importante para o Arsenal, chegou à seleção e espero que lhe corra tudo bem no Sporting.
Acha que foi uma boa decisão vir para o Sporting?
Creio que sim. Neste momento, têm dois laterais-direitos, o Héctor e o Ricardo Esgaio, e ambos podem jogar numa defesa de cinco ou de quatro. São jogadores semelhantes, também conheço o Esgaio desde os 15 anos. Ambos começaram como extremos ou médios e foram reconvertidos a laterais, ainda que sejam um pouco diferentes na leitura de jogo.
Por esse conhecimento do Esgaio, vejo que tem o futebol português bastante debaixo de olho.
Nos meus primeiros anos no Arsenal, dedicava-me quase exclusivamente a seguir o futebol português e espanhol, portanto vi muito futebol em Portugal e continuo a fazê-lo. É um país de onde saem muitos talentos e é importante estar atento ao mercado português.
No entanto, na vossa época, na qual foram muitos espanhóis para o Arsenal, praticamente não foram portugueses, talvez com o Rui Fonte como única exceção.
Mas não penses que não foi por falta de tentativa. Não penses que não houve jogadores portugueses nas nossas instalações, porque houve bastantes. Mas, por uma razão ou por outra, não se fecharam os negócios. Não foi porque não reconhecêssemos talento, houve muitas hipóteses de contratar portuguesas, mas caíam ao último obstáculo, que não tem nada a ver com os scouts.
Agora que já passou algum tempo, pode revelar o nome de alguns desses jogadores?
Não, isso nunca o farei. Nem com portugueses, nem com jogadores de outros países.
Wenger e Bellerín, um dos jogadores que Cagigao recomendou para o Arsenal
Adam Davy - PA Images
Acredita que o Arsenal ganhará a Premier League?
Não sou pessoa de apostar, mas, se tivesse que apostar, diria que sim. Tem cinco pontos de vantagem, perdeu muito poucos jogos e está a ser muito sólido. Ultimamente, tem obtido vitórias nos últimos minutos, o que também nos revela a fé que a equipa tem, não param até ao final. Há, obviamente, um encontro muito importante, que será a visita ao Manchester City, mas ainda que seja derrotado nesse jogo pode manter-se como líder, caso mantenha esta margem. Veremos o que sucederá, mas apostaria que o Arsenal ganha a liga, sim.
Para quem trabalhou tanto com Wenger, que opinião tem de Arteta?
Ainda trabalhei uma temporada com o Mikel. Toda a gente fala do êxito que está a ter agora, mas houve um momento em que, com ele, o Arsenal chegou a ficar de fora da Europa pela primeira vez em muito tempo. Creio que é preciso dar mérito aos donos e à direção, porque, no Arsenal, quando ficas em oitavo, o lugar do treinador corre perigo, mas eles mantiveram-no, o que foi importante. E não só o mantiveram, como injetaram muito dinheiro na equipa. Não era tão normal ver compras de 50 ou 60 milhões [de euros] no Arsenal, mas houve esse investimento em jovens de qualidade. O Mikel está a fazer um trabalho fantástico, acho que é um treinador de topo, já o achava quando ele foi contratado. Perguntaram-me a minha opinião sobre ele e fui sempre muito claro. Julgava que seria um grande técnico, ainda para mais depois do tempo que passou com o Guardiola. Agora estamos a ver o que o Mikel consegue fazer, mas também temos de nos lembrar que, nos momentos maus, foi apoiado. Creio que é uma boa lição para todos os clubes que gostam de tomar decisão precipitadas: por vezes, as equipas técnicas e o staff não têm tempo para trabalhar nem desenvolver conceitos de jogos.
Martinelli foi um dos últimos jogadores que Cagigao ajudou a levar para o Arsenal
Stuart MacFarlane/Getty
Durante muito tempo, parecia que vários dos melhores jogadores do Arsenal iam para o Manchester City (Nasri, Adebayor, Clichy, Sagna), mas, no verão passado, o Arsenal teve capacidade para fazer o contrário, investindo em Gabriel Jesus e Zinchenko.
E não é só o investimento na contratação em si, mas também pagar os salários desses jogadores. Mas, nesses casos, o que me surpreendeu foi o que o City os vendesse a um rival. Provavelmente o problema esteve aí, não achavam que seria um rival. Quiçá pensaram que, com o Haaland, o Gabriel Jesus não teria espaço, não sei. Mas esse já não é o caso do Zinchenko, porque o City não tem assim tantos jogadores que possam ser laterais esquerdos.
Mas parece que houve uma certa mudança no modelo de clube do Arsenal, certo?
Não acha que tenha havia uma mudança muito drástica. Talvez na metodologia do treinador, aí sim talvez tenha havido mudanças, mas a grande alteração foi o investimento feito. Mas também temos de ver que muitos destes jogadores já lá estavam. O Saliba já tinha sido contratado, estava era emprestado. O Xhaka já estava, o Martinelli já estava, o Saka, o Smith-Rowe ou o Nketiah já lá estavam, são da formação. Algumas das contratações já estavam planeadas, como o Thomas Partey, cuja aquisição já andávamos a rondar há dois anos. O Gabriel Magalhães ou o Ben White já estavam também na nossa órbita, próximos do clube. Mas claro que depois o investimento é o mais importante, podes seguir muito um jogador, mas se não podes, depois, gastar 30, 40 ou 50 milhões nele isso não serve de nada.
Para terminar. Viajou pelo mundo para ver jogadores. Conte-nos uma história peculiar dessas aventuras.
A história mais freaky aconteceu na Ucrânia — e, pensando em Ucrânia, tenho de enviar um abraço a todos os ucranianos. Fui a Kiev ver um jogador. Estava no bar do hotel, fui à casa de banho e, quando voltei, tinham-me roubado tudo, carteira, passaporte, tudo. Fui três dias seguidos ao aeroporto de Kiev para tentar sair do país e não conseguia. Passei horas e horas naquele aeroporto, houve uma altura em que não estava nem em solo ucraniano, nem em solo internacional, ninguém sabia muito bem o que eu tinha de fazer. Parecia aquele filme do Tom Hanks. Foram dias cheios de nervos, sem cartões, dinheiro ou passaporte, isto foi há mais de 20 anos, era uma situação meio-dramática. Lá me arranjaram um passaporte provisório e viajei. É uma vida que te pode levar a muitas histórias deste tipo, tens de viajar muito e isso leva a diversas anedotas. Muitas ficarão para um livro quando me retire.