Estamos na ressaca do tetra do Benfica. Sinceramente, estava à espera que isto acontecesse, no início da época?
Sim. Havia todos os indicadores que era uma das hipóteses para este temporada. Isto porque o Benfica é uma instituição que soube, a determinada altura, depois de um largo hiato, reestruturar-se. A partir daí, obviamente que tudo era possível. Em relação aos outros clubes, ou o Sporting e o FC Porto, que são os outros principais candidatos ao título, tinha-se uma expectativa muito grande sobre o Sporting. Ou melhor, eu penso mais que era sobre o que Jorge Jesus iria fazer. Em relação ao FC Porto, se era capaz de dar a volta a uma perda de hegemonia que estava perfeitamente evidente. Quando o FC Porto perde o primeiro campeonato para o Benfica, penso que foi um sinal. Terá não ligado.
Achou que era um acaso.
Sim, terá continuado. Acontece o segundo título do Benfica e penso que acendeu o sinal amarelo. E o terceiro já foi o sinal vermelho. Nesta altura, o Benfica está com a hegemonia do futebol português e é, de facto, o virar de uma página depois de todos aqueles anos em que o FC Porto dominou como quis. E fica-se aqui sem se perceber o porquê de o FC Porto não ter acompanhado esta mudança que aconteceu. Não respondeu, digamos, ao Benfica. É a questão que fica mais no ar, porque teve possibilidades de o poder fazer.
Quando?
Penso que Lopetegui, quando é contratado, é um pouco nesse sentido. De mudar as coisas, mudar a própria estrutura e a filosofia. Era um treinador jovem, um treinador com outra visão das coisas, tinha, e tem, outra amplitude do que é hoje o futebol. Um treinador que vinha de seleções jovens, portanto, de outra realidade de formação. Parece-me extremamente importante o FC Porto ter olhado para isso, e foi o que o Benfica fez. Aí está o contraste das situações: o Benfica olhou para a formação. Mas não com Jorge Jesus.
São os hábitos e os métodos de trabalho de cada um.
São escolhas, opções e formas de trabalhar. Mas, já agora, o José Mourinho, quando foi campeão pelo FC Porto, foi-o com meio União de Leiria. Hoje, José Mourinho já não é capaz de fazer isso. Habituou-se a ter alguém com um livro de cheques. Mas não quero agora diabolizar o Mourinho, o Guardiola também. Estão sempre a ver quem é bom aqui e ali para irem comprar.
Talvez por saberem que vão estar num clube que lhes dá essa possibilidade.
E que lhes faz essa exigências. Estes grandes magnatas e empresas e consórcios que compram os clubes, de forma direta ou através de ações, querem valores imediatos. E quais são esses valores imediatos? As vitórias. E têm de aparecer rápido. Mas parece que há aí qualquer coisa que não está a funcionar em alguns clubes, como é o caso do Manchester City e do Manchester United.
Depois há a questão dos estilos de jogo.
Sim, que, no caso do United, é uma coisa horrível. Não tem nada a ver com o ADN do United. Penso que Alex Ferguson, como é um senhor, não questiona isto, mas tem aqueles que são os seus seguidores, ou diletos filhos, que de vez em quando vêm a terreiro falar. E nós vamos lendo.
Esse ADN era um futebol muito atacante e empolgante. Mas o Mourinho, pelo estatuto que tem, parece ter convencido os adeptos de que o seu estilo de jogo é necessário para reerguer o clube, não acha?
Mas está a emergir, e de que maneira, um treinador português, que é exatamente a antítese: o Leonardo Jardim. É um treinador que olha para a formação e sabe trabalhá-la. Mas porquê? Por ter uma administração que lhe permite fazer isso. E repare, ele chega ao Monaco e perde quase a equipa toda. E o Monaco é praticamente campeão francês e chegou às meias-finais da Champions com brilho. A própria Juventus, que o eliminou, tem vindo a fazer um trabalho com tempo. O próprio Nápoles, também. Portanto, aquela pressa do City, do United, do Sporting Clube de Portugal, essa pressa parece que é inimiga. E lembro-me que há muitos anos, 20 ou 30, o Barcelona teve o Maradona e não conseguiu ser campeão. Tem de se formar uma equipa primeiro, olhar para a cantera.
O Real Madrid, por acaso, não se tem de preocupar com isso.
Neste momento, tem uma série de jogadores jovens que vão ter que sair de Espanha para jogar, somarem jogos e competirem. O Llorente [Alavés] vai regressar, o Asensio regressou o ano passado, o Lucas Vásquez… Só podem jogar 11, e quanto muito há 16 no banco e só três vão também jogar. O Morata, por exemplo, em part-time, é o quinto ou sexto melhor marcador. Em part-time. E vai ser difícil segurá-lo porque ele precisa do seu espaço. E tenho de tirar o chapéu ao Zidane.
Por causa do Cristiano Ronaldo?
Ele tem menos oito jogos na liga em relação à época passada. E convenceu-o a sair da zona de conforto, que era sobre a ala esquerda, a fazer piques e diagonais, para passar a ser um ponta de lança ao lado do Benzema.
Mas isso não terá passado muito pela própria vontade do Ronaldo?
Acho que, na seleção, Fernando Santos tê-lo-á ajudado nesse sentido. Terá sido Fernando Santos, com o seu saber, conhecimento e savoir faire, a dar a primeira nota ao Ronaldo. Porque o problema é tanto a idade desportiva, como a fisiológica. Passa por todos nós. Você tem o próprio Messi, que já passa muito tempo sentado no meio campo, faz cinco ou seis daqueles raides, fica sentado no meio campo e vai fazendo passes de 30 ou 40 metros.
Envelhecendo, um avançado no campo e o outro recuou.
São jogadores de características completamente diversas. O Messi mete uma bola a 40 metros para o Neymar e é golo. O Ronaldo não, é um jogador de intensidade, de pressão, de último terço e sobre o último quarto do campo. Não têm nada a ver um com o outro. As comparações fazem-se por serem parte dos media e do negócio, fazem parte da emoção das pessoas. Mas temos é de ser todos felizes por sermos contemporâneos de ambos. Muito felizes, mesmo, por até podermos ter esta discussão.
Mas, nos últimos 10 anos, vendeu-se muito a ideia de que para se gostar de um, tem que se desgostar do outro. E muita da culpa é dos jornais espanhóis, concorda?
Pois, e aqui também. Puxa-se um bocado pelo chauvinismo português. Eu gosto muito do Ronaldo, dá-me gozo ver o Ronaldo. Ontem marca um golo ao Sevilla que é fabuloso. É como eles dizem, foi um zurdazo. Depois, a gente tem aquele Messi que, no Santiago Bernabéu, deu um banho de bola. Portanto, temos é de estar felizes por os ver e espera que possam surgir outros. Não iguais, mas que tenham as suas características e os seus perfis. Quem viveu o Maradona, como eu, tem-no como uma referência. Também vivi o Cruijff, talvez o jogador mais inteligente. Vivi o Eusébio, que nos anos 60 trouxe uma sapatada, era um jogador-força, mas força com toda a técnica. Há muita gente que não gosta daquela minha frase, ou acha que é parva, mas não é - “A força da técnica e a técnica da força”. O Eusébio tinha as duas coisas e conjugava-as. Era o exemplo disso. Não esquecendo o Pelé, que apareceu com uma nota artística, parafraseando o nosso conhecido Jesus, fantástica e fabulosa. Depois veio o Diego Armando Maradona com uma capacidade atlética invulgar. E atenção, porque ele treinava e não conseguia fazer aquilo sem treino. Depois tinha a questão ocular, que era dele, com uma visão periférica fantástica. Ele metia a bola e nem olhava. Surpreendia e era intempestivo em relação ao adversário, fazia sempre aquilo que achavam ser impossível. Foi, de facto, um jogador invulgar e, talvez, o melhor de todos.
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Voltando a Portugal. Que jogador lhe deu mais gozo ver jogar no campeonato?
O Benfica teve um jogador que, tendo sido sempre bom jogador, exponenciou tudo este ano. O Pizzi. Já não é um jovem, tem 27 anos, está na idade madura. Ele era um bom jogador, mas este ano mostrou que é muito melhor do que aquilo que mostrara. Assumiu com toda a firmeza, todo o caráter e toda a qualidade. A verdade é esta: o Benfica da época passada é Jonas, o Benfica esta época é Pizzi. Porque é a constância. A fadiga normal da época, quando Pizzi a sentiu, o Benfica ressentiu-se. É evidente que Jonas aparece outra vez em momentos cruciais, porque é um jogador extraordinariamente inteligente. Mas o campeonato é uma maratona, não é um jogo de eliminar. Em campeonato, não. Por isso é que tenho alguma dificuldade em imaginar os nossos três grandes a discutirem o título em Espanha. O futebol espanhol, que hoje já tem assimetrias que não tinha, é de uma intensidade e dimensão… E falo à vontade porque estou a trabalhar no futebol espanhol. Faço, normalmente, três ou quatro jogos por fim de semana. Conheço muito bem as equipas. E vejo que nós, realmente, teríamos muita dificuldade. O FC Porto, o Benfica e o Sporting discutiriam ali o 7º ou 8º lugar.
E destaca mais alguém no Benfica?
O Ederson, que vai ser enorme. Deu ao Benfica, no mínimo, dez pontos no campeonato. Os grandes guarda-redes dão pontos para o título, para a Europa ou para não descer. O que seja. O Benfica tem de lhe agradecer. Um dos grandes esteios do Benfica chama-se Ederson, o outro chama-se Mitroglou. Que esta época, de facto, também explodiu.
Dizia-se que vivia muito à base da relação com Jonas.
E mostrou que não. É muito bom jogador. Até trouxe isto aqui [mexe nuns papéis e, um deles, mostra a lista dos melhores marcadores do campeonato]. É engraçado, porque o Mitroglou tem 15 golos, portanto, metade do Bas Dost, tem menos que o Soares e menos que o André Silva. Só que teve golos decisivos, nos jogos que interessam. Estas questões aparecem e os plantéis têm os seus jogadores.
Incluindo os mais velhos e os trintões.
É outra coisa que tem acontecido. É importante que os jogadores mais velhos vão ficando. Não têm que ficar a vida toda, mas as coisas vão rodando à volta deles. Até porque hoje o mercado é internacional. Vem um indivíduo lá da Argentina, de Rosário, ou da Colômbia, e tem de ser moldado. Tem chegar e aprender. Se for um treinador a dizer-lhe algo, entra o fator disciplinar. Se o for capitão a dizer-lhe, não. A absorção de ideias é diferentes. Isso tem acontecido nos grandes clubes: terem alguns jogadores de trinta e tal anos. Há sempre três ou quatro que ficam, faz parte de uma estrutura devidamente pensada e equilibrada. É isso que o Benfica tem feito.
Com o Luisão?
Houve um treinador que passou pelo Benfica e que conheci, de forma mais íntima, que foi o Camacho. Pode não ser um grande treinador, mas geria bem tudo. E ajudou o Luís Filipe Vieira, ensinou-lhe como ele deveria fazer. Explicou-lhe. Foi há muitos anos, mas temos que perceber. O Luís Filipe Vieira foi dos primeiros a dizer que o Luisão não podia ir embora. Segurou-o sempre. Os mais velhos têm que estar, há que haver três ou quatro referências para segurarem os mais novos. E o próprio treinador sentir que tem neles um apoio.
Já se fala que Salvio se está a tornar num deles, pelos anos que tem de Benfica.
E o Júlio César. Com a sua maturidade e o estatuto que tem, percebeu, no momento em que é arredado da baliza, o seu novo papel. Se calhar o Ederson vai-se embora e, para o ano, é ele o titular. Isto foi importante para o Ederson, porque ficou com uma lenda a ensiná-lo e com uma lenda, no banco, a olhar para ele. Mas não a olhar como quem quer o lugar dele, mas a incentivá-lo. Isso é importante. Vítor Baía fez isso ao Helton no FC Porto. São as tais questões que não percebo como o FC Porto não percebeu.
Voltamos ao Lopetegui?
Houve muita ansiedade por títulos. E hoje o Lopetegui é seleccionador espanhol e é muito apreciado por lá. Também nós, jornalistas, não apreciamos muito o Lopetegui à chegada. Saía fora dos formatos, mas era, e é, educado. Como o Rui Vitória. A educação faz parte da sociedade, quer se perca, quer se ganhe. Mas o Lopetegui chegou com a questão das rotações, que não foi muito bem percebida. Se calhar, o Lopetegui, quando chegou, também não percebeu bem o futebol português, nem sabia bem o que era o FC Porto. Mas vai-se embora quando já sabe? Aí é que vai embora? Estas são as questões que ficaram para nós. Cada administração sabe o que faz, não tenho de criticar nada, mas é a análise que faço. Não há ninguém perfeito, mas ele, que é um bom treinador, quando já conhecia Portugal, o Porto e o FC Porto, foi embora. Acho que ele percebeu o que era o Benfica, o Jesus, o autocarro e a filosofia do futebol português, em que há muito anti-jogo.
Foto Tiago Petinga/Lusa
Sente falta de comentar jogos em Portugal?
Nós gostamos sempre de comentar cá. Mas comentei muitos jogos internacionais na RTP. E vou-lhe dizer, aqueles que me deram mais gozo, em termos de qualidade, quantidade e dimensão, foram as finais da Taça de Inglaterra, que fiz sete ou oito. Nem sempre estiveram as melhores equipas, mas eram jogos especiais. Hoje, os meios tecnológicos, as marcas, os jogadores, com a globalização, tornaram o futebol um jogo do mundo. A Inglaterra é a primeira a dar o pontapé de saída, ao meio dia, a Espanha já está a fazer isso, outro dia experimentou-se cá, com o Sporting-Belenenses. Há outros mercados. Posso-lhe dar isto: o Ronaldo é adorado no Japão.
Como assim?
É um país a que vou com frequência. E quero-lhe dizer que me pedem camisolas assinadas pelo Ronaldo, é uma loucura. E não estou a falar de jovens, mas de homens de 60 e tal anos. Tenho pedidos e e-mails que me mandam. Agora vou tentar arranjar uma para alguém que acho que merece, e nem é meu amigo. É por ser a figura que é e por adorar o Ronaldo. Isso é incrível. Claro que gosto de estar integrado dentro de aquilo que é nosso. Não tenho, nesta altura, ligação, mas talvez um dia possa ter, ou não.
Fiz a pergunta porque a sua voz, a narrar e comentar, é incontornável.
Ainda hoje tenho consciência disso. Chegar aqui, de manhã, estar o balcão cheio de gente, às 7h30, e pedir à D. Antónia um café, há cabeças que se viram. Não digo que sejam as 30 pessoas que estão ali, mas metade fá-lo, pelo menos. E mesmo mulheres, às vezes. Até com amigos, por vezes entro no táxi e digo, por exemplo: “Vamos para o Bairro Alto”. E respondem-me “ok, senhor Gabriel”. Está a perceber? Acontece. As pessoas ficam muito admiradas, mas sempre lidei bem com isso. Até quando era controverso. Quando chegava a Alvalade e diziam que era do Benfica, ou chegava à Luz e diziam que era do Sporting. E gostava muito de quando chegava às Antas, e depois ao Dragão, a diziam-me que era mouro. E eu ria-me.
Tem mais histórias dessas?
Uma vez, no Portugal-Irlanda, no Campeonato do Mundo de sub-20 que Portugal organizou, fui fazer o jogo de abertura ao Estádio das Antas. Até foi um relato para a rádio. Lembro-me que entrei nas Antas com um Alfa Romeo vermelho. Nem era meu. Quando entro no estádio, parei o carro para mostrar a identificação, para entrar para o parque. Estavam lá três ou quatro adeptos do FC Porto e, quando reparam que era eu, fiquei com o carro rodeado, num instante. E disseram-me só isto: “Isto é um jogo da seleção, mas tu abusaste! Nunca mais venhas para aqui com um carro vermelho”. Eu sempre calado a ouvi-los, nunca fechei o vidro. Mas, quando voltei, o carro estava inteirinho. Eles não foram agressivos, foram emocionais. E também lidei bem com o assunto. Quando me dizem que era um da seleção, respondi-lhes que, se fosse um jogo do FC Porto, viria com um carro cinzento.
E eles?
Riram-se, claro. Depende muito de como encaramos a conversa. Há muitos anos, na rádio, corria para aí o ano de 1975, tive um problema em Setúbal. Há uns três ou quatro anos estava na zona de Palmela e há um fulano que vem ter comigo. “Queria falar consigo”. Olhei para ele e tudo bem, diga, na boa. “Lembra-se daquela cena de Setúbal, há muitos anos? Eu era uma das pessoas que estava contra si”. E rapidamente olhei para ele e perguntei: “E ainda está?” [ri-se]. Mas perguntei com tranquilidade, nem me lembrava do senhor. Já lá vão muitos anos. Só entrei na televisão em 1979.

D.R.
Como é que isso aconteceu?
Entrei a substituir o Alves dos Santos. Era o tempo do Amadeu e do Rui Romano, também. Olhe, até acho que entrei para substituir o Rui Romano num jogo da seleção, em Vigo. Um Portugal-Espanha. Ele estava doente. Já tinha concorrido para ir para a televisão e é aí que eles me chamam. Acabei por ficar. Depois apareceu o Rui Tovar. E havia sempre uma figura muito importante para mim, que nunca o esquecerei, que era o Nuno Brás, um homem do norte. Já o conhecia da Emissora Nacional. Ensinou-me muito e ajudou-me muito. E aprendi muito sobre futebol com uma insígnia do futebol português, o José Maria Pedroto.
Isso é uma sorte e um privilégio.
Eu era um catraio. O Nuno Brás era um homem feito e eu ia para o Porto fazer relatos. O Nuno gostou de mim e, na altura, apresentou-me ao Pedroto. Frequentámos sítios onde o Pedroto estava. Aprendei muito e, já depois, na televisão, o Pedroto falou muito comigo. Não que ele chegasse ao pé de mim a ensinar-me, não. Era o que ele falava sobre futebol e o que dizia que era o futebol, na intimidade.
Houve mais referências?
O Hernâni Gonçalves ajudou-me muito, o bitaites. Ensinou-me muito. Os termos do futebol, e utilizei muitos, foram-me dados pelo Hernâni Gonçalves. Ele não me deu lições, nem tive aulas. Era quando ele estava a fazer o treino e, portanto, a trabalhar, a que eu assistia, ouvia a linguagem que ele utilizava com os jogadores. Fui apanhando e percebendo que, se era a linguagem do futebol, então também era a minha. Não sou burro. Mas as pessoas, cá fora, não perceberam. Outra foi o senhor Serafim Marques, um sportsman, o chefe de desporto na RTP, um homem do râguebi. Quando me lançou na RTP, disse-me assim: “Isto não é rádio, é televisão. Não precisa de explicar às pessoas o que estão a ver, tem que ajudá-las a ver”. O que é uma coisa completamente diferente. Mais do que isso, disse-me: “Têm que fazer com que a pessoa que está sentada em casa, no sofá, se sinta no estádio”.
E como é que o Gabriel tentou fazer, ao início?
Ele deu-me duas cassetes da BBC para ver. Por isso trouxe aquela dimensão. Hoje as pessoas ainda falam que eu dizia a altura e o peso dos jogadores. Hoje já não é preciso dizer, porque está tudo em grafismo. Naquela altura não havia, a televisão era outra. Se for ver os tipos da BBC ou o princípio da Sky, eles faziam o mesmo. Aprendi com eles, não fiz mais, nem menos. E as pessoas gozavam e não sei quê. Depois, enfim, o meu estilo foi ficando. O Rui Tovar tinha um estilo completamente diferente do meu, era um homem muito interessante e curioso. Hoje há muitos rapazes novos nos moldes dele, e já nem falo só do filho. Mas o Rui era aquele homem que adorava futebol e decorava tudo sobre futebol. Eu não decoro nada, tenho as minhas cábulas. Tenho o meu arquivo e sei onde ir buscar tudo. Hoje queria falar comigo e, por exemplo, não sabia de cor os golos que o Sporting tinha sofrido. Portanto, fui buscá-los [começa a mexer nas folhas que trouxe].
O que lhe dizem esses números?
O Sporting sofreu 35 golos no campeonato. Ora bem, como é que uma equipa, que é candidata ao título e terceira classificada, quer se campeã quando o Braga, que é 5ª, tem 34 golos sofridos, o Marítimo, que é 6ª, tem 32, e o Boavista, que é 9º, tem 34. Como pode ser campeão? Há 20 ou 30 anos, já havia treinadores na NBA a dizerem que os campeonatos ganham-se é a defender. Aliás, a saber-se defender. Os jogos ganham-se a atacar, mas os campeonatos jogam-se a defender. Hoje, todas as grandes equipas têm a base na defesa, depois há a dinâmicas, os processos e os treinos. O futebol tem evoluído muito e vai continuar a evoluir. Foi beber ao basquetebol a questão da pressão e os italianos foram os primeiros a fazê-la, o pressing, pressing, pressing. O basquetebol é um jogo coletivo, como o futebol, só que jogada num campo mais pequeno e, por isso, muito mais intenso. Não é por acaso que o Arrigo Sacchi fez a jaula em Milanello.
E mais conclusões?
Bom, o FC Porto e o Benfica têm os mesmos golos marcados e sofridos, e está explicada a luta até ao fim. O Sporting tem seis derrotas e o FC Porto só perde um jogo, apesar de ter os 10 empates.
Disse que está a trabalhar em Espanha. Onde?
Na Media Pro, a empresa que tem os direitos dos jogos.
Sobra-lhe tempo para ver o campeonato português?
Não vejo muitos, só alguns. São jogos à mesma hora, é difícil. Vou vendo os mais importantes, mas, de há dois anos a esta parte, não tenho tempo.
E ainda comenta e narra jogos?
Completamente. Mas em português. É a minha atividade e estou muito mais por dentro do futebol espanhol, hoje em dia. É normal. Obviamente que, antes de entrar nisto, conhecia o Real Madrid, o Barcelona e, vá lá, o Atlético de Madrid e o Sevilha. Agora não. Olho para o Alavés e sou capaz de ver três ou quatro jogadores de qualidade. O Kiko Femenía, por exemplo, tem um potencial de carrilhador e de defesa vai e vem, impressionante. Tem um chip inglês. Depois há o Théo Hernández, que vai ser um grande jogador e está emprestado pelo Atlético. Um pouco como o irmão, o Lucas, que já lá está.