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Crónica

Fazer snowboard na pequena vila otomana onde tudo começou há mais de dois séculos: bem-vindos a Petran

Petran, diz a lenda, é o lugar onde se inventou o snowboard. Num dia que começou com uma queda e acabou com grande emoção, siga mais uma aventura do surfista Filipe Jervis, do skater João Allen e do campeão nacional de snowboard, Ricardo Araújo

Ricardo Araújo

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Último dia na montanha.

Estamos cansados, doridos e em parte frustrados com tantos incidentes que nos limitaram na montanha.

Acordámos mais um dia cedo. Preparámos as malas a correr e seguimos nas motas de neve para junto do carro. Apesar do bom tempo, são mais 7 km de frio e incerteza do que poderia acontecer neste trajeto.

Na minha mota ia sentado o filmaker e o condutor pendurados nas laterais, com mais uma pilha de malas e sacos. Claro que tinha de acontecer alguma coisa e desta vez fui eu que cai da mota pelo caminho, a cerca de 40km/hora. Felizmente tudo tranquilo, mais uma para o livro que já vai com bastantes páginas.

O Allen já tinha seguido mais cedo para acabar de preparar um salto de um raio numa ponte. Após umas quantas tentativas, e de estar mesmo a conseguir, tivemos de abortar pois tínhamos de seguir para o próximo destino. Foi mesmo uma pena não conseguir finalizar, pois ia ser daqueles momentos que ficam para a história. Tenho a certeza que se houvesse mais tempo iria ser um sucesso.

Rumo ao próximo destino. Uma pequena vila no topo de uma montanha de difícil acesso por uma estrada vertiginosa e perigosa: PETRAN. São poucos os que sabem deste segredo muito bem guardando. Há mais de dois séculos que nesta vila de origem otomana que o snowboard começou. Crianças "roubavam" as placas retangulares feitas em madeira para pôr debaixo dos tapetes de reza dos pais e usavam para deslizar sentadas na neve. Mais tarde, os mais velhos começaram a tentar deslizar em pé usando um pau para se equilibrarem. E foi assim que tudo começou. Chegámos a Petran e fomos automaticamente transportados no tempo. Somos recebidos por Hizir, o guardião de Petran. O único sobrevivente de construtores destas pranchas, juntamente com Muhammed, um dos seus 5 filhos.

Partilhámos umas descidas nestes snowboards rudimentares feitos em madeira de pinho local. Fiquei emocionado. Realizei um sonho. Do nada, o nosso filmaker e fotógrafo tentam também. Nunca fizeram snowboard e logo no primeiro dia é no local onde tudo começou e com a réplica de uma prancha com mais de 200 anos. Viro-me para eles e pergunto se eles estão a perceber o que se passa. O privilegio que todos temos. Não consigo disfarçar tanta alegria.

O Hizir mostra-nos a arte de fazer estas pranchas e questiono-me se para esta arte haverá alguém que irá seguir-lhe nesta tradição. O tempo o dirá.

Acabámos o dia a beber o clássico chá de Rize dentro do barraco e que bom que foi.

* Este texto faz parte de uma série de crónicas escritas por um surfista (Filipe Jervis), um skater (João Allen) e um snowboarder (Ricardo Araújo) profissionais durante uma viagem à Turquia em busca de ondas, neve e ruas para rolar, fruto de uma parceria entre a Tribuna Expresso e a Dakine Expedition.