O primeiro intuito foi escrever algo sério, filosófico e incrivelmente profundo. No entanto, rapidamente percebi que gostaria de aproveitar estas “poucas palavras” para provocar alguns sorrisos e partilhar com os leitores um dos momentos mais cómicos que aconteceu na minha carreira desportiva.
Eu tinha apenas 12 anos e esta era a minha primeira competição como membro da equipa principal do Sporting Clube de Braga. Naquele tempo, eu tinha um problema bastante grave para uma nadadora de longas distâncias… enganava-me a contar os metros. Quase sempre… sem exceção… e não existia uma única prova em que eu não fizesse 50 metros a mais ou a menos. Posso só imaginar como isso soa, porém, quando estás a fazer 16 piscinas à máxima velocidade, é muito fácil perder a conta…
Para a minha profunda alegria, desta vez, eu não corria o risco de colocar as minhas capacidades matemáticas em questão… pensava eu. Sabia que era a atleta mais nova da última série dos 400 metros livres e que tinha sete adversárias inscritas com tempos mais rápidos do que o meu. O plano da Tamila era fácil…suspeitosamente fácil. Saltar para a água, “colar-me” às mais velhas e quando visse que a minha “boleia” tinha acabado a prova, fazer o mesmo. Aqui é importante referir que, de modo nenhum, fazia parte do meu plano vencê-las. Aquela Tamila era bem mais tímida e também não tinha a autoestima da atual.
Chegou o momento da verdade… subi para o bloco, sustive a respiração e saltei para a água. Os problemas começaram logo nos primeiros 50 metros, quando os meus óculos novos embaciaram de tal modo que não conseguia ver nada nem ninguém. “Tudo é disperso, nada é inteiro. Ó Portugal, hoje és nevoeiro”, diria a Tamila atual. “Não faz mal”, pensou, inocentemente, aquela Tamila feliz e esperançosa. Continuei a nadar no meu ritmo e passados uns 100 metros percebi que conseguia diferenciar umas silhuetas atrás de mim nas pistas ao lado. “Oh, meu Deus, elas já me deram uma volta de avanço”, pensei, incrédula, “agora como é que vou saber quando é suposto parar?” Assim, o plano foi momentaneamente alterado e passou a ser o seguinte: "Se já fiz 100 metros, quer dizer que elas já fizeram 150, ou seja, só preciso de continuar a nadar até ver alguma delas parada na parede e aí já só faço os 50 metros que me faltam”.
Dito e feito. Continuei a afundar-me até finalmente ver as minhas adversárias paradas na parede, virei, e fiz, então, as duas piscinas restantes. Porém… por algum motivo, duas delas fizeram mais 50 metros comigo… e a prova pareceu-me durar mais do que o normal…e a piscina toda puxou mesmo muito por mim nessa última volta… mas nada disso me alertou e eu sprintei os últimos metros em direção à tão desejada parede. Agora…o que aconteceu na realidade? A Tamila saltou para a água e começou a sprintar logo nos primeiros metros, tornando-se a líder da série e fazendo com que, aos 100 metros, as suas adversárias já tivessem ficado para trás. Essas atletas experientes cometeram, então, o erro de confiar a contagem dos míseros 400 metros à jovem e inexperiente Tamila Holub. O pensamento delas deve ter sido semelhante ao meu: “Se ela está à frente é porque vai a contar… quando a virmos parada na parede também paramos.”
Assim… continuei a esbracejar, à espera de ver as outras atletas paradas na parede…e elas fizeram o mesmo! Claramente, estávamos ali a correr o risco de criar um mecanismo infinito, mas, infelizmente para a ciência, e felizmente para o público presente na piscina e obrigado a assistir a esta desgraça, a “maratona” acabou. Após TODAS as atletas da série terem feito 450 em vez dos 400 metros, os treinadores e árbitros conseguiram travar cinco das sereias. Eles também o tentaram fazer com a Tamila… porém sem sucesso. Querendo, finalmente, abandonar aquela desgraçada piscina, TODOS os presentes começaram a fazer sinais com os braços e a gritar fora de água fazendo com que a Tamila… acelerasse ainda mais! Com toda a garra possível fiz os 50 metros que acreditava que me faltavam… levando mais duas adversárias que estavam atrás de mim demasiado focadas em apanhar-me.
Se estivéssemos num conto penso que o final seria assim: naquela série, cinco pessoas fizeram 450 metros e outras três fizeram 500 em vez dos 400. Todos aplaudiram e riram-se muito com a situação. A Tamila investiu nuns óculos novos e nunca mais se voltou a enganar a contar. Na realidade, a Tamila passou a vergonha da sua vida e ainda hoje acorda com pesadelos daquela prova. A mãe da atleta em questão estava nas últimas semanas de gravidez quando decidiu assistir a essa mítica prova… Ainda estou a tentar perceber se foi o stress ultrapassado ou se foi a realização de que precisava de uma filha mais normal do que esta… mas ela acabou por dar à luz nessa noite. Sumarizando, façam desporto, criem memórias e riam-se mais vezes.
Vossa, Tamila.