Porque é que as equipas portuguesas, lá fora, cometem menos infrações do que cá dentro? Será que o mérito é dos árbitros estrangeiros, mais competentes e corajosos do que os nossos? Mas, se é assim, porque é que os portugueses também assinalam menos faltas quando arbitram no estrangeiro? Que fator determina essa variação?
Regresso a este tema porque penso que estas são perguntas que merecem resposta.
No Dynamo Kyiv-SL Benfica da passada terça-feira foram assinaladas dezasseis faltas (sete até ao intervalo). Porquê? Por que é que é quase sempre assim? Penso que há várias respostas plausíveis.
Comecemos pelos árbitros que, de facto, têm o apito na mão e, por isso, o poder de interromper ou deixar seguir o jogo.
Parece-me que têm, nas provas internas, uma tendência inconsciente para se defenderem. A pressão a que estão sujeitos é enorme, o mediatismo dado ao futebol é tremendo e as consequências de uma decisão errada (ou apenas duvidosa) podem ser avassaladoras.
Falhar uma falta relevante num "jogo a doer" pode significar semanas de injúrias, ameaças e até perseguições. Quando a mente não está tranquila, a resposta nunca é a melhor. Se os árbitros estivessem mais protegidos e menos expostos a variáveis maiores do que a mera crítica técnica, teriam mais tranquilidade, logo maiores condições para realizarem um trabalho com outra segurança e qualidade. É assim na arbitragem e em qualquer outra área de atividade.
Nos juízes mais experientes esse fenómeno, o do peso do exterior, tem menos reflexos (dizem os números que são os que mais deixam jogar), mas nos mais jovens, que ainda estão à procura do seu espaço, o apito e o cartão são quase sempre a única "arma" de defesa que conhecem.
Mas a verdade é que esta questão não se cinge apenas à intervenção direta dos árbitros. A diferença relativamente ao que acontece nas competições europeias também pode ser explicada por outros fatores.
Pensem comigo, a ver se faz sentido:
- Nessas partidas, os árbitros são de outro país, falam uma língua diferente e não têm histórico com as equipas envolvidas (não um que se compare com o daqueles que dirigem os jogos nas ligas domésticas). Ora, isso faz com que ninguém tenha na memória atuações menos felizes ou decisões controversas. Não há esse fator de pressão. Além disso, a própria barreira linguística inibe grandes conversas ou explicações. Cada um foca mais no seu trabalho e menos no do árbitro. É bom para todos.
- Na UEFA há "tolerância zero" (e mão pesada) para questões de foro disciplinar. Jogadores, treinadores e dirigentes sabem disso. Protestar excessivamente, ver dois cartões amarelos ou um vermelho custa muito dinheiro e suspensões desportivas. A punição, neste caso, funciona como prevenção. O crime não compensa, que é como quem diz, o jogador mete menos o pé em situações de risco, evita os protestos desnecessários, não entra em conflitos com adversários e até o treinador mantém-se mais calmo no banco técnico. Ninguém se excede na conduta cá fora ou nas entradas lá dentro. Com melhor comportamento, há mais lealdade em campo, logo... menos faltas.
- Nestas provas, os jogos decidem-se quase sempre em apuramentos por grupo ou a duas mãos. A competição não é longa, o que dilui qualquer estratégia orientada para o pontinho, qualquer 'tática' mais propensa à malandrice, às perdas de tempo desnecessárias ou aos sururus, que enervam árbitros, jogadores e adeptos. No mata-mata o foco não está no árbitro, mas na vitória, na passagem à fase seguinte. Não há tempo a perder com expedientes rasteiros, lesões dissimuladas ou quedas aparatosas. A vida dos árbitros é muito mais facilitada quando não têm que lidar com batota.
Mas há mais. Por cá, os adeptos que exigem mais tempo útil de jogo e menos apito "por tudo e por nada" são os mesmos que depois endoidecem quando a sua equipa sofre um golo na sequência de um contacto suspeito. Os adeptos que exigem coragem para que não se assinalem faltas por 'dá cá aquela palha' são os mesmos que depois barafustam quando o rival ganha um jogo dessa forma. A vontade até é boa, mas esbarra na incapacidade emocional de aceitarem a decisão que possa beliscar a sua vontade. São assim, "emocionalmente desonestos".
Os jogadores habituam-se a essa realidade cultural e, nas competições domésticas, atuam em conformidade. Mergulham na área adversária à espera que o VAR legitime qualquer toque impercetível, contorcem-se com dores na cara após sofrerem contatos ligeiros nos braços e demoram séculos a repor uma bola em jogo. Também alguns treinadores pedem aos seus guarda-redes para ficarem no chão deitados, porque é importante parar o tempo de jogo e quebrar o ímpeto atacante do adversário. E, tantas vezes por causa disso, anda tudo aos empurrões e insultos.
Quando é assim, não há árbitro que resista.
Os homens do apito têm que rever, sim, a sua intervenção no jogo. Devem assumir essa missão de forma corajosa e coerente, procurando "educar" gradualmente todos os agentes desportivos. A estratégia acarreta riscos (vão errar muito e ser crucificados por isso), mas se forem bem defendidos, ao menos saberão que os "ataques" serão por uma boa causa.
Também jogadores e técnicos têm responsabilidades nesta matéria. A sua atitude em campo, a sua ética profissional, a sua orientação para o essencial pode fazer a diferença.
A imprensa - na forma como defende (ou ataca) esta ideia - poderá desempenhar papel importante na formação de opinião.
A mudança depende de todos, não acontecerá de um dia para outro mas é mais fácil de atingir do que parece. Assim estejam todos focados nesse objetivo.