Crónica de Jogo

Um Fórmula 1 chamado Nico Williams para nos lembrar que, sim, esta Espanha também é candidata

Um Fórmula 1 chamado Nico Williams para nos lembrar que, sim, esta Espanha também é candidata
picture alliance

A vitória curta de Espanha frente a Itália (1-0) só se justifica pela quantidade impensável de oportunidades perdidas pelos espanhóis, que chegam a este Europeu a jogar um futebol alegre, divertido, que faz sonhar, nos pés de jovens talentos. O mais novo dos manos Williams voltou a ser a locomotiva. A equipa de Luis de la Fuente já está nos oitavos de final

Temos candidato. A vitória de Espanha frente a Itália foi curta, 1-0 apenas, mas o domínio espanhol, a qualidade do processo de ataque, juntando-lhe uma colheita de talento individual excecional, entusiasma, num Europeu em que às grandes candidatas, França, Inglaterra e Portugal, tem faltado a magia das equipas que fascinam.

Com uma exibição estrelar de Nico Williams, com Lamine Yamal endiabrado como já havia estado na estreia, um Fabian Pérez perigoso e depois incansável quando foi necessário à Espanha encolher-se, a tudo pode almejar a equipa de Luis de la Fuente, que pecou pela quantidade de golos falhados. No final, acabou a sofrer, mas podia ter goleado a atual campeã da Europa.

Com duas vitórias em dois jogos, Espanha já sabe que o seu lugar é na fase a eliminar. Já Itália, em sentido contrário, confirmou as poucas expectativas para este Euro: pouca qualidade individual, incapacidade de ligar jogo. Foi perigosa já no desespero, quando Espanha baixou a intensidade, em bolas longas e lances de bola parada. Jogará pela sua vida na última jornada.

Edith Geuppert - GES Sportfoto

Uma primeira parte de picos de intensidade sempre para Espanha. Rodri, descomplicando aquilo que outros teimam complicar, sempre simples e elegante, Fabián Ruiz, olhos na baliza, e a magia nos pés de Nico Williams e Lamine Yamal ditaram o tom de uma seleção que chegou ao Euro 2024 para ser dominadora, transpirando rotinas. Quando não tinha bola, a pressão alta espanhola fazia questão de a recuperar novamente.

Donnarumma salvou logo aos 2’ um remate de cabeça de Pedri a passe de Nico pela esquerda e depois um remate de meia distância de Fabián. O mais novo dos manos Williams, elétrico na 1.ª parte, esteve também perto do golo aos 10’ e Espanha não tinha receio de jogar com as linhas bem subidas.

Já a seleção italiana guerreava para controlar uma bola, para manter a posse. Só depois dos 20 minutos se suspirou na área espanhola, num lance que começou num passe a queimar linhas de Calafiori. Um par de passes ao primeiro toque permitiram encontrar Dimarco com espaço na linha mas cruzamento do lateral do Inter só encontrou Fabián Ruiz pelo caminho. Os possíveis ataques italianos à profundidade foram, aliás, quase sempre bem controlados pela defesa espanhola, com Cucurella em destaque, justificando a titularidade apesar da grande época de Grimaldo no Leverkusen. A proximidade de Espanha à área de Itália é que seria sempre intenso, nas bancadas ouviu-se um “mama!”, um lamento desesperado de quem via a sua seleção dominada sem bola e estrangulada com ela.

NurPhoto

Spalletti deve ter ficado tão incomodado com o que viu que ao intervalo mexeu logo em duas peças no meio-campo, tirando Fratesi e Jorginho para colocar Cambiaso e Cristante. O ex-Benfica, 20 segundos depois, já tinha um amarelo, por falta feia sobre Rodri.

Não mudaria muito o filme do jogo no início da segunda parte, Itália tentava ataques rápidos nas cavalgadas de Scamacca e Espanha construía com precisão, movia-se com rapidez. Só faltava mesmo o golo. Pedri esteve perto após nova combinação pela esquerda, onde Cucurella e Nico Williams iam brincando com Di Lorenzo. E com os atacantes espanhóis azarados na hora do remate, seria um italiano a dar uma ajuda: após mais um ataque pela esquerda e cruzamento de Nico, Donnarumma fez-se à bola, atrapalhando a ação do central do Bolonha, que colocou a bola dentro da baliza transalpina. Dentro do amargo de boca que fica sempre após um autogolo, há muito que Espanha merecia a vantagem.

Não se travou na sua ambição desmedida a seleção espanhola, logo a seguir ao golo Morata assustou Donnarumma de longe e Le Normand no canto viu o seu cabeceamento salvo na linha. Lamine Yamal continuou na sua demanda por roubar corações, tentando um remate cruzado que rasou o ferro da baliza italiana e exultando logo a seguir os adeptos espanhóis a gritarem ainda mais pela equipa. Nesta altura, era um amasso aquilo que se via na Arena AufSchalke. Mesmo com as substituições, o meio-campo de Itália não existia.

Michael Regan - UEFA

As entradas de Zaccagni e Retegui, aliadas a um certo relaxar espanhol (mas a sério que os adeptos ainda não aprenderam que não se pode gritar ‘olés’ com 1-0 no marcador?), equilibraram finalmente o jogo. Retegui esteve perto do empate aos 66’ e a partir daí chegou o período mais perigoso de Itália, com De La Fuente a responder com a entrada de Baena e Ferran Torres pelos fatigados Pedri e Yamal, na tentativa de voltar a controlar o jogo. A bola à trave de Nico Williams, num espectacular remate cruzado a partir da esquerda, podia ter fechado as contas. Era um golo merecido para o avançado do Athletic Bilbao, explosivo, consequente, perigoso, a combinar de olhos fechados com Cucurella.

Com a vantagem curta de Espanha, Itália ia criando algum perigo em ataques rápidos, aproveitando também o cansaço que já se notava no meio-campo espanhol. Até à última, principalmente através de bolas paradas, o resultado ia ficando em aberto, impensável tal o domínio espanhol durante praticamente toda a partida. Ayoze Pérez, que entrou para o lugar de Nico, teve duas oportunidades claras e o jogo acabou com Donnarumma na área a tentar responder a um canto. Mas a vitória assenta bem a esta Espanha, entusiasmante, alegre, divertida, que faz sonhar. Com um pingo de pragmatismo, o resultado teria sido histórico.

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