Onde estavas a 19 de maio de 2013? Talvez ninguém se recorde. O mundo era diferente, Francisco era o Papa há menos de três meses, José Mourinho treinava o Real Madrid, o Sporting concluía uma temporada em sétimo lugar.
Naquele dia, num Zenit-Volga, Luís Neto marcou um golo. Daí para cá passaram 3843 dias, nos quais o defesa disputou 292 encontros em que marcou um total de zero golos. Um jejum superior a uma década para um central com alergia à baliza oposta.
A seca terminou aos 8' do Sporting-Dumiense. Canto da esquerda, salto do internacional português, cabeceamento, 1-0. Os festejos dos companheiros tinham um misto entre a felicidade pelo momento protagonizado por um dos mais experientes futebolistas do plantel e a surpresa com o raro fenómeno cósmico. A partir do ponto final nos 3843 dias sem golo de Luís Neto tudo foi normal e previsível, como se a tarde tivesse arrancado da mais improvável maneira para, posteriormente, assumir a forma que todos esperavam.
10 anos depois da visita do Alba, uma equipa do quarto escalão voltou a pisar Alvalade. E o 8-0 final corresponde ao mundo que divide ambos os conjuntos, separados por realidades diferentes que, durante 90 minutos, colidiram no relvado, o milagre da coexistência de planetas distantes só possível pela Taça.
Onde estavas a 26 de novembro de 2023? A pergunta poderá ser feita, daqui a muito tempo, na freguesia de Dume, em Braga. A goleada sofrida foi só um pormenor num dia de festa, em que as gentes afetas ao emblema do Campeonato de Portugal foram em peregrinação a Alvalade.
Compondo o setor dedicado aos adeptos visitantes, ouviram-se cânticos e apoio, assinalando a jornada e evidenciando que, para o Dumiense, o encontro foi uma festa. Durante a primeira parte, os visitantes complicaram a vida ao Sporting, com um bloco baixo coeso que só foi quebrado na sequência de dois cantos. No segundo tempo, o cansaço e a fome de Gyökeres e Paulinho tornaram a goleada inevitável.
Depois do 1-0 de Neto, os leões partiram para um primeiro tempo sem grande inspiração. O ampliar da vantagem voltou a chegar após canto, com Paulinho a revelar o oportunismo de que careceu noutros momentos. O capitão do Dumiense é João Faria, o herói que, há um ano, marcou o golo que eliminou o Sporting contra o Varzim, mas desta feita não haveria tomba-gigantes.
Na segunda parte, os locais dobraram a vantagem em oito minutos. Aos 46', após assistência de calcanhar de Paulinho, Trincão fez o 3-0. O canhoto que em tempos foi contratado pelo Barcelona começou a segundo avançado, passou para a direita e terminou a lateral.
Numa noite que ficará na história do Dumiense mas que, para o Sporting, foi uma mera formalidade, houve um uruguaio de grande porte físico que alcançou um registo de respeito. Coates chegou aos 342 desafios pelos verde e brancos, igualando Polga como o estrangeiro que mais vezes atuou pelo clube. Para assinalar o feito, o central apontou o 4-0 aos 53'.
Noutros momentos em que o Sporting teve jogos bem encaminhados, Rúben Amorim lamentou que a sua equipa não tivesse aproveitado o embalo para construir goleadas e ganhar motivação. Desta feita, não houve uma equipa em modo gestão nem a olhar para o relógio a avançar. Parte da culpa dessa ambição é de Paulinho, que fez o 5-0 aos 58'.
O outro grande responsável pelo avolumar do resultado, sem calculismos ou apatias, é Gyökeres. O sueco é a grande estrela da equipa e entrou com 5-0 no marcador frente a uma equipa do quarto escalão. Gerir o esforço? O que é isso?
O ex-Coventry só sabe jogar a todo o gás, de pé no acelerador e olhos na baliza adversária. Aplicando o seu futebol potente e agressivo, teve impacto imediato: aos 71' assistiu Paulinho para o 6-0, aos 75' ganhou um penálti que Nuno Santos transformou no 7-0, aos 83' apontou, ele próprio, o 8-0.
O Sporting-Dumiense foi uma festa. Festa do golo para os leões, que se lançam para nova série carregada de jogos com a barriga cheia de festejos, ainda com o trauma da Luz na memória; festa para os minhotos, que desfrutaram, pela primeira vez, de um encontro num dos palcos maiores de Portugal. Tudo isto era provável — tudo menos Luís Neto, o central que não marca golos que voltou ao golos.
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