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Crónica de Jogo

O FC Porto sobreviveu ao ai-jesus que lá vou eu

Amorfos e molengões, às tantas aconteceu aos jogadores do FC Porto o que não podia acontecer e chegaram a estar a perder contra o Casa Pia no seu estádio, que virou louco perante a balbúrdia de emoções. Um auto-golo e a coxa de Danny Namaso arrancados do atabalhoada assalto à área adversária resgataram a vitória (2-1) que impediu o que seria um desastre: a festa do Benfica no sofá causada por um tropeção dos dragões

Diogo Pombo

RUI MANUEL FARINHA/LUSA

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Nenhum futebolista gostar ou querer perder é um facto incontestável, aliás, serve para ser dogmaticamente aplicado a qualquer desportista. No âmago de quem joga, contudo, as palpitações serão outras quando a questão muda para não se poder perder. O bate-papo entre o tico e o teco abraça outras frequências e aterra-se no domínio da ‘pressão’, esse caldeirão onde caem todas as pequenas coisas que fazem tremelicar a mente e tudo o resto. Não é de agora, ele sempre o disse, é mantra de Sérgio Conceição que jogar no FC Porto equivale a ter de saber viver com essa pressão, mas esta era nova.

Não ser derrotado sob pena de, uns trezentos e tal quilómetros a sul, uma vintena e pouca de jogadores soltarem a franga em celebração pela conquista do título nacional foi a cenoura diante dos olhos dos dragões. Podia convidar à pressa, urgir à feitura acelerada de coisas, sugerir uma vertigem desmiolada pela baliza. Pelo equador da primeira parte, o treinador abria as palmas das mãos e mostrava-as à relva, pela altura da cintura, pintado a cara com um desânimo espantado: Diogo Costa acabara dar um passe com força a mais e mira torta que Wendell, em esforço, tocou para canto. Foi quem via mais de longe o objetivo máximo de um jogo de futebol a aparentar um sintoma de não haver tempo a perder.

Empurrando a roldana para a frente, já quase na beira do intervalo, Wendell abalroou uma inofensiva posse de bola de Derick Poloni junto à bandeirola de canto, precipitando o seu corpo contra as costas do lateral do Casa Pia. O apito castigou-o com uma falta a querer ser um canto. O próprio lateral, canhoto a jogar à direita, cruzou a bola, tensa e forte, para a zona do primeiro poste onde Evanílson era um dos jogadores encarregados de a proteger. Desastrado, o brasileiro entortou o pescoço, virou a cabeça à sua baliza e o toque que deu na bola fê-la fugir a Diogo Costa.

O Dragão mergulhou num sepulcro de silêncio, os assobios não tardaram. Nos descontos do primeiro ato, acontecia o que a missão da noite fixou como proibitivo, um vá de retro Satanás futebolístico. Até então, o FC Porto fizera um jogo amorfo, quase molengão, com os ataques sem evidenciaram isso por aí além, mas sim a reação aos momentos em que urgia correr para trás, cerrar espaços e sair na pressão. Em suspensão e para lá do segundo poste, Uribe rematou com estilo num livre cruzado por Eustáquio, depois o médio pontapeou em jeito e por cima da baliza, mais tarde André Franco cortou um remate já na área, após Evanílson ajeitar-lhe a bola no desfecho da única jogada bonita, ao primeiro toque, ligada pela equipa.

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Pouca produção própria teve o FC Porto, carente do que Conceição se queixou antes do jogo - sem gente a atacar a profundidade e a incomodar a linha defensiva - e dependente dos safanões de Galeno da esquerda para dentro, com a sua típica irrequietude. Sem o castigado Otávio e a sua técnica furibunda a gerar passes de rutura, a equipa enterrava-se na lamacenta previsibilidade, ainda mais com Pêpê a fazer, mais uma vez, de lateral de direito e André Franco, o substituto da projeção do treinador em campo, parecer amorfo, absorvido pela ocasião. Era mal geral: a melhor oportunidade do FC Porto veio da caça a um passe errado do adversário que serviu para lançar Taremi, pela esquerda, e o iraniano fez um passe às mãos do guarda-redes Ricardo Batista só com a sua pessoa pela frente.

Com o tempo, a esburacada transição defensiva do FC Porto dava as pistas para a leviandade à equipa mora enterrada no sopé do campeonato em remates à baliza, posse de bola e resultados recentes (seis jogos sem ganhar). Perante os visíveis problemas alheios, o Casa Pia ousou jogar ao que joga, apontando os primeiros passes pós-recuperação de bola logo para a frente e acionando as setas que tem em Saviour Godwin e Yuki Soma. Fora o golo, o nigeriano testou à força as mãos de Diogo Costa e, nas barbas dele, deu um piparote nas orelhas da bola que o japonês lhe serviu de bandeja, quase na pequena área.

A sinfonia de graves que despediu os jogadores ao intervalo vinha da razão conhecida por todos. Findo o descanso, o Casa Pia e os árbitros tiveram de aguardar, especados no relvado, pelos dragões, propositadamente atrasados no retorno à ação ou demorados pela bronca que terão ouvido de Sérgio Conceição. O jogo recomeçou e o técnico ainda não aparecera, talvez porque o berbicacho não tinha ligação apenas com o festejo que este resultado proporcionaria ao Benfica - não ganhando, o FC Porto ficaria perigosamente só com dois pontos de avanço sobre o SC Braga.

A preocupação tinha várias frentes, o desastre no horizonte teria várias ondas de choque.

Apressados a correr contra a área, já urgentes a cercar a área contrária e a arriscar o tipo de passes que machucam uma defesa adversária, os jogadores do FC Porto voltaram com outra genica. Taremi mostrava-se a eito, pedia passes para levar as jogadas mais longe, Galeno forçava o um para um e endireitava as tentativas rumo à baliza, Uribe e Eustáquio mordiam as segundas bolas com outro apetite. Não chegava. Vendo um jogo que se atabalhoava um pouco mais a cada volta dos ponteiros, Conceição até recorreu ao pouco visto para agitar as coisas e deitar algo inóspito ao turbilhão de emoções.

Fez entrar Gabriel Veron e os seus 324 minutos de campeonato até então, dando-lhe um pedaço escrevinhado de papel. A mensagem na mão pode ter sido um SOS enviado, porque no iô-iô constante de jogadas a que o jogo já cedera surgiu um momento de calma protagonizado pelo avançado brasileiro: vendo um cruzamento seu a ser cortado, foi pronto a pressionar Zolotic e a roubá-lo, forçando essa recuperação até Taremi ter a bola que rematou de qualquer jeito para o empate. Havia 57 minutos e ainda uma barrigada de tempo disponível.

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Pouquíssimo demorou o Casa Pia a soltar-se da respiração sustida perante o empurrão sofrido contra a própria área, as falências do FC Porto a reagir tartaruguescamente às perdas de bola persistiam e Yuki Soma desencantou, à direita, uma jogada para Felippe Cardoso sacar de Diogo Costa a parada salvadora da noite, atirando-se às chuteiras do avançado. Fora uns fogachos de Godwin a aventurar-se sozinho pela esquerda, o Casa Pia seria vergado à avalanche de insistência dos dragões que mesmo sem critério de maior logravam terraplanar o adversário contra a sua baliza.

Apesar dos nervos, da falta de norte e da calma em parte incerta, houve ocasiões de sobra para o FC Porto extrair golos do massacre imposto aos visitantes. Acrobaticamente, Galeno rematou a bola contra a relva e o ressalto chocou com a barra (depois, rebentaria uma bomba de longe), Veron também pontapeou uma tentativa de primeira na área, Eustáquio teve o seu disparo potente para Ricardo Batista brilhar e o defesa João Nunes se estender na relva para dar o corpo à recarga de Taremi. O sufoco asfixiava o Casa Pia, que acabou a resistir como pôde - só não evitou o canto curto que Pêpê reciclou à cabeça de Fábio Cardoso que tocou a bola na direção de Danny Namaso. Com um amortecimento de coxa, o avançado rebentou a bolha aos 90’+3.

O golo celebrou-se sem filtros, nem maneiras. Aos festejos aos pulos no trampolim de loucura, com suplentes a correrem campo dentro para abraçar quem estava em campo, acrescentou-se uma picardia com futebolistas, técnicos e dirigentes à molhada de insultos facilmente lidos em tantos lábios. Sérgio Conceição acabou com a cara vermelha, em erupção, veias salientes no pescoço, a ser levado túnel dentro para longe da confusão. Os nervos em franja não justificam tudo, em ambos os lados. Face ao teórico desequilíbrio entre as equipas, o jogo foi invulgarmente funambulista entre o precipício do desastre e o tentar tudo por uma vitória, o FC Porto-Casa Pia terminou envolto numa balbúrdia desnecessária.

Ou, se calhar, inevitável face ao que a precedeu. O ai-jesus que os dragões domaram tarde e a custo fê-los adiar, por mais uma semana, o título que parece estar à espera do Benfica. Fazerem-no com tantos percalços quase distópicos é que era inesperado.