Um ano pode ser nada à escala futebolística, dá-se um vislumbre de esguelha à TV que espera pelo Arouca-FC Porto e vê-se a cassete a rebobinar até ao último jogo entre as equipas naquele lugar. A similitude dos equipamentos engana por segundos, parece que assistimos a um jogo que ainda não foi jogado. Ajustando o foco - ou deixando andar a jogada que está a ser mostrada -, é mesmo engano: aí está Pepe, braçadeira posta, a conduzir a bola meio-campo adversário dentro, provocando o adversário a sair-lhe ao caminho para abrir espaço a um passe posto em Fábio Vieira, que depois a toca para Vitinha a receber, ajeitar e a rematar à baliza com uma pancada seca.
As equipas de futebol constroem-se e desmantelam-se em tempos distintos, o cimento de um coletivo demora a assentar enquanto a fome ou necessidade por receitas apressa as vendas de jogadores. Os rapazes da posse de bola, de conspirar com ela e sempre com ela, sumiram no verão e este FC Porto já não é necessariamente o mesmo. Nem aquele golo, também enganosamente simples por na sua simplicidade aparentar facilidade, poderia ter par no reencontro das equipas no mesmo lugar, pouco mais de um ano depois.
Não há, de início, especial belezura no canto que é batido à esquerda e cortado por um defesa perto do segundo poste para ser reclamado na quina da área por Otávio, batalhador de palmo e meio que fica com a bola entre três adversários para a tocar de calcanhar quando já o atiravam à relva. Num ápice se levantou, rapidamente Grujic lhe devolveu o que ele queria e de pronto o médio curvou a bola de novo para a área e aí se avistar alguma beleza: o cruzamento atravessou muitos corpos para ir ter com a cabeça do fulminante Iván Marcano, servido de longe e ao milímetro na ressaca de um certo atabalhoamento.
Pouco faltava (44’) para os descontos da primeira parte e o FC Porto, numa jogada, mostrou o quanto mudou de uma visita a Arouca para a outra. Nenhuma novidade mora em constatar, à 31.ª jornada do campeonato, que a matéria-prima com que o recordista Sérgio Conceição se teve de haver esta época obrigou os dragões a moldarem-se a outras valências e sofrerem com certas circunstâncias que os anfitriões tentaram expor. Unindo a equipa no próprio meio-campo, colocando a linha defensiva - e baixando o médio Ismaila Soro em caso de necessidade - pouco fora da sua área e os médios lá encostados, o Arouca concedia o volante, mas trancava os espaços por onde a bola nos pés dos outros causa dor.
O FC Porto teve 45 minutos a solavancar e emperrar como já se viu esta época, cheio de iniciativa e sem ser concreto com ela, puxando Otávio para longe do nervo onde as jogadas viram perigosas para servir de lançador de passes, um quaterback de um jogo a salivar por gente que corra nas costas dos defesas que se torna previsível com o tempo. Evanílson não recebeu passes nessa profundidade, Galeno era uma bola de neve de decisões precipitadas e Taremi foi inexistente além de aparece no fim da única jogada tricotada dos dragões, com um chapéu contra a barra nas barbas de Arruabarrena após Eustáquio picar, de costas, um passe e Otávio picar um seu, de veludo, para dentro da área. De resto, os dragões foram um vazio de ideias em formato equipa de futebol, ultradependentes das tesouradas que os passes de Otávio desse no adversário.
JOSÉ COELHO/LUSA
Que era um Arouca organizado e paciente, sem pudores em depositar na bandeja uma oferenda envenenada para o adversário se encravar na própria deinspiração. Estar tão comprimido não favoreceu a influência de David Simão e Alan Ruiz no jogo, os pés esquerdos que tudo ditam tiveram adversários sempre a rosnar por perto a cada bola recuperada por estarem numa equipa a defender em tão poucos metros, mas o quinto classificado do campeonato teve as corridas de Rafa Mújica, que rematou, aos 24’, num raide solitário, e de Antony, que desarmou perigosamente Marcano e obrigou o outro recordista da noite a condenar-se a um cartão amarelo por agarrar o adversário que se escapava rumo à baliza.
O 28.º golo do central fê-lo o defesa mais anotador na história do FC Porto no 323.º jogo pelo clube de Sérgio Conceição, ninguém supera o treinador que em alguma tecnologia comunicacional teve de confiar para, ao intervalo, instruir da bancada para o balneário a equipa a pressionar a todo o campo, talvez prevendo que o Arouca faria o mesmo face à urgência do prejuízo.
A postura renovada dos anfitriões beneficiou os campeões nacionais. Cedo o jogo teve períodos de outra partida diferente, mais avançada no tempo, às vezes parecendo que se estava a ver os descontos de uma partida apressada: trocavam-se contra-ataques, uma transição rápido seguida de outra vertiginosa, ambas as equipas a quererem roubar bolas na área da outra e os espaços a brotarem no meio-campo para quem os quisesse aproveitar. E aí Otávio prosperou, colando a bola aos pequenos toques dos seus pés sem a urgência de ter de descortinar passes a rasgar a toda a hora.
O médio que organiza, pressionar, corre com a bola, finta com ela e morde os calcanhares de quem a tem ou refila quando acha que alguém se deixa cair para não a perder teve, nesses novos espaços, um remate (64’) antes do ocasional Taremi ter o seu (75’) no jogo que igualmente o beneficiou por já ver pradaria aberta por onde correr. E o Arouca, a querer competir perto da baliza de Diogo Costa, antecipando passes à procura dos atacantes, fugia ao seu estilo. Também David Simão se resumia a um lançador e Alan Ruiz, apesar da cadência para o remate que lhe está no sangue, via a sua pegada no jogo a mirrar.
Se há um ano a inferioridade do Arouca se enrolou em passes atrás de passes de quem já não mora nos visitantes que tinham outras ideias a rolarem na bola, agora o FC Porto pela sua inevitável dependência em Otávio, o inventor de soluções no meio do decréscimo de influência de alguns nomes na equipa - os espaços entre linhas palpitam por Taremi desde o Mundial, as mazelas traíram a época de Evanílson, os desequilíbrios de Pêpê são afastados dos ataques como o foram em Arouca, para a lateral direita. Depois, haverá nomes como o de Iván Marcano, o discreto, pouco elogiado e constante defesa central, que por sinal marca muitos golos.