Estranhamente, o jogo começou com uma cadência lenta. Afinal, os dois concorrentes procuravam embarcar numa viagem para o destino mágico chamado Jamor. Outro torcedor de nariz foi testemunhar a um Porto algo apático, ou pelo menos inferior ao Famalicão, que perdera na primeira mão em casa (1-2) e que agora fazia pela vida em pleno Estádio do Dragão. Destemidos, os visitantes. E bons de bola.
Apesar de um início errático, apenas Otávio dava sinais de querer cuspir fogo das botas e do peito. Do outro lado havia gente com espírito juvenil, como se não temessem nada. Iván Jaime é um caso sério, fino fino e realmente importante na maquinaria de João Pedro Sousa, ainda mais preponderante numa fase adiantada do jogo. Ivo Rodrigues também sabe fazer meiguices aos olhos. Jhonder Cádiz foi incómodo para os defesas como é a areia que não sai dos pés depois de um dia de praia, chato nos duelos e na forma como coloca o corpo. Foi precisamente o venezuelano que marcou o primeiro golo da noite, depois de um livre lateral de Ivo Rodrigues – foi o sexto golo do avançado na Taça de Portugal. “Foste tu?”, perguntou-lhe o médio, que meteu a bola redondinha no coração da área.
Um erro de Cláudio Ramos com os pés, antes do golo de Cádiz, quase permitiu ao Famalicão inaugurar o sonho desperto. Marko Grujic, quase irrelevante quando tem a bola no pé, cortou e convocou um suspiro coletivo. Os primeiros 20 minutos ofereceram um FC Porto irreconhecível, que não sabia ter a bola e, sobretudo, desmontar a linha de cinco do rival, quando Mihai Dobre se juntava a Riccelli, Otávio Silva, Francisco Moura e ao bom do Alexandre Penetra, o lateral que fez o golo na primeira mão. Por esta altura, e isso sim é notícia, o Famalicão parecia querer mais do que a equipa da casa.
A eliminatória não esteve empatada muito tempo, pois logo a seguir o VAR chamou o árbitro para o aconselhar sobre um penálti sofrido por Uribe na área do Famalicão. Galeno assumiu e empatou o jogo. O golo não despertou os dragões, que desta vez não desfrutaram da incrível qualidade do discreto Pepê, mas a bola deixou de sentir alergia às botas dos senhores da casa. As saídas rápidas para o ataque do Famalicão ganharam outra vigilância, com Pepe como chefe desse gabinete, mas sentia-se do lado dos campeões nacionais uma eventual agonia física.

O Famalicão assustou o Dragão
DeFodi Images
Enquanto os napolitanos disparavam para o céu o tradicional fogo de artíficio, pela conquista da Serie A 33 anos depois e sem Diego Maradona, Iván Jaime, partindo da esquerda, sacudia o Kvaratskhelia que tem no corpo. Manafá teve problemas, depois foi o adaptado Pepê, sendo necessário um terceiro defesa direito mais tarde, Rodrigo Conceição. Jaime dribla com uma lentidão irresistível. A sua relação com a bola pertence às coisas bonitas da vida.
Plim, ganiu o poste aos 60’. Mais uma vez, Iván Jaime, cheio de razão e fé no infinito, bateu na bola como quem beija alguém que gosta. A bola também prometia cumprir a sua parte do acordo. Cláudio Ramos, apostado em viver um momento bonito no Jamor, empurrou a bola com os dedos para o poste, um protagonismo que repetiria uns minutos depois com uma mancha a Penetra. Xeque ao dragão. Conceição, que esta noite igualou o mítico José Maria Pedroto (322 jogos no banco), ia mexendo na equipa, começando por Mehdi Taremi e André Franco. O gelo voltou ao relvado, o Porto queria esvaziar a esperança e esventrar o futebol dos senhores que não vinham assim de tão longe.
Mas não há frescura que bloqueie Iván Jaime, que, facilmente lançado por Ivo Rodrigues, encarou Fábio Cardoso e usou o corpo do defesa para enganar Cláudio Ramos, 2-1. O espanhol, nascido em Málaga há 22 anos, é um rapaz especial.
Uribe e Franco, com oportunidades flagrantes a seguir ao golo que causou espanto, não evitaram o prolongamento no Estádio do Dragão. A incerteza era imensa. Mudou tanto e tudo, o vento e o fulgor das pernas, menos a influência e a beleza no jogo de Otávio e Iván Jaime, resistentes à sangria das substituições, que inevitavelmente desfigurou o jogo, o mesmo que foi perdendo interesse.
O Porto empurrou o Famalicão para trás durante a segunda parte dos 30 minutos, ainda que sem grandes ideias ou ginga, um rumor de sufoco a que os rivais iam respondendo com faltas e uma ou outra entrada mais dura. Foi um exercício de resistência para os rapazes de Vila Nova de Famalicão, ameaçados aos 119’ por um voo de Taremi que chegou mais alto do que o do guarda-redes Luiz Júnior.
Conceição esfregava o rosto, preocupado. Mas o futebol tratou de ser futebol pouco depois, impiedoso para uns e magnânimo para outros. Nos últimos suspiros do prolongamento, a bola pingou à entrada da área e Otávio bateu à inglesa, cortando a bola por baixo. Foi um golaço. O Dragão foi à loucura, viam-se rostos incrédulos, promessas de lágrimas também. O internacional português, que aparentava estar esgotado e sem uma gota de suor para desperdiçar, esticou o indicador junto aos lábios. E Sérgio Conceição entregou-se ao alívio delirante, mas também aos seus habituais excessos, acabando expulso. Pouco depois, Taremi e Evanilson mataram saudades do que já foram e o primeiro fabricou um golo para o segundo extrair o veneno que outrora jorrava das suas botas. Cambalhota no marcador. Ambos os golos resultaram de lançamentos laterais.
Pela quarta vez nas últimas cinco edições, o FC Porto está mais uma vez na final da Taça de Portugal, onde vai defrontar o Sp. Braga.