É certo que logo após o regresso do Catar marcou cinco golos nos primeiros quatro jogos, mas - e não é seguramente filho único - há claramente um antes e um depois do Mundial 2022 para Mehdi Taremi. O iraniano está a viver aquilo que costumamos chamar de, simploriamente, “fase”. Que acontece quando nada corre bem, quando lances fáceis vão parar, como que por inércia, aos postes, à bancada, ao quintal de alguém. Quando a baliza parece encolher, quando o remate nem sai e quem se queixa de dor é a atmosfera. Enfim, que fase.
O jogo frente ao Paços, essencial porque neste momento de reanimadas esperanças no título todos os pontos são de se recolher, estava a tornar-se num desses encontros para Taremi, que em 2023 marcou apenas cinco golos, depois de uma recheadíssima primeira parte da época. Houve um remate para as estrelas quando seguia sozinho aos 23’ (estava adiantado, mas serve de evidência para esta reflexão), um tiro desengonçado mesmo antes do intervalo, a desperdiçar uma das poucas jogadas de ataque bem gizadas pelo FC Porto na 1.ª parte, mais um remate contra o guarda-redes depois de ser isolado por Evanilson logo após arrancar a 2.ª parte e logo de seguida novo lance pela lateral direita em que mais uma vez permitiu a reação rápida do guardião Vekic.
Era o festival do desperdício.
O relógio já passava os 60 minutos e o FC Porto acossava cada vez mais a baliza de um Paços a jogar com 10 desde os último minutos da 1.ª parte - expulsão de Holsgrove com dois amarelos em menos de um minuto - quando o VAR alertou Fábio Veríssimo sobre a queda de André Franco na área. Marcada foi uma infração e lá foi Taremi com a bola na mão. Talvez a muitos adeptos do FC Porto tenha passado pela cabeça a “fase” de um gato persa inesperadamente amansado nos últimos meses, mas naquele momento Taremi tornou-se de novo no felino Taremi, instintivo e de nervo: a bola foi tranquila e segura para dentro da baliza, enganando o esloveno Vekic - e, digam-me se souberem, como é que há tantos guarda-redes naquele país balcânico?
MIGUEL RIOPA
É até paradoxal que o homem que estava a causar tanta arritmia cardíaca ao FC Porto fosse o mesmo a trazer a tranquilidade naquele remate infalível dos 11 metros. Mas assim é a dupla vida de Taremi. Apesar da “fase”, também é dele o golo da vitória na Luz, o penálti decisivo contra o Estoril. Se o FC Porto ainda sonha com o título, também é por causa dele. Toni Martinez, recém-renovado e recém-entrado, confirmou a vitória aos 83’, num lance que é boa parte do mágico passe de Pepê para Namaso, que fez depois o cruzamento atrasado para o espanhol encostar, mas foi a calma de Taremi naquele penálti que verdadeiramente colocou o FC Porto a fazer cócegas nos pés do Benfica. Com apenas um ponto de vantagem para os dragões, o líder do campeonato caminhará sobre brasas daqui a umas horas frente ao Estoril.
Já o Paços entrou até muito bem, com vontade de discutir o jogo porque, derivado a razões menos simpáticas como são as da luta pela não descida, também não se pode dar ao luxo de deixar pontos para trás. Os primeiros 10 minutos do jogo foram verdadeiramente bons, com a equipa da casa a levar muito perigo à baliza de Diogo Costa em duas ocasiões. Quando o FC Porto se começou a impor, pelo menos territorialmente, a boa organização defensiva permitiu ainda fechar as vias para a baliza, mas com a expulsão de Holsgrove, numa altura em o Paços já tinha posto o jogo durinho, a estratégia mudou. Ainda assim, Alexandre Guedes até podia ter colocado os pacenses na frente aos 56’, num lance em que surgiu isolado, mas onde Pepe, sempre ele, brilhou no corte. Com o golo de Taremi, a resistência caiu, apesar da boa reação.