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Crónica de Jogo

O Sporting jogou o mesmo jogo duas vezes. E sem estrelinha

Como em Turim, os leões sofreram um golo num canto com ressaltos, atrapalhações e toques ineptos. E em Alvalade, também falhou um golo a poucos metros da baliza escancarada. De novo melhor do que a Juventus, mas outra vez sem eficácia a aproveitar as oportunidades que criou, o Sporting empatou (1-1) na 2.ª mão dos quartos de final da Liga Europa e foi eliminado da prova, restando à equipa pouco por jogar na época

Diogo Pombo

CARLOS COSTA/Getty

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Chamem-lhe ‘parvo’, chamem, mas Rúben Amorim é parvo nenhum. Bem-falante e um assertivo comunicador, com o dom de dizer as coisas certas no momento certo e com a certeza da falta de pudores, qualidades banalmente encapsuladas na descrição “tem carisma”, ele avisou quem quisesse. Ainda a quente, a ter que temperar as emoções, disse em Turim, mal acabou a desfeita imposta ao Sporting pela Juventus, que todos teriam “de ser muito inteligentes” dali por uma semana, quando a Alvalade chegasse uma equipa italiana de vantagem no bolso e contar com a pressa do carteirista.

E quem diz inteligência, diz ratice.

Apressado, Ricardo Esgaio nem encostou as pestanas umas nas outras quando, já no meio-campo adversário mas fora do campo, marcou rapidamente um lançamento lateral na direita para Marcus Edwards, o mais malandro dos jogadores da equipa. Em corrida, o inglês executou um dos seus pára-arranca habituais, o baixo centro de gravidade desmontou Alex Sandro e entrou na área para cruzar a bola. Foi desviada para o poste e o ressalto deixou-a pertença de ninguém, portanto Rabiot tentou reclamá-la, mas Ugarte antecipou-se. Cedo (18’) o Sporting teve um penálti que o próprio Edwards converteu e, mal a bola entrou, três ou quatro companheiros urgiram-se a ir buscar a bola à baliza.

Mais matutina já tinha sido a Juventus. Era esse o problema que inquietou os leões e cedo lhes deu a evitável pressa, tão cedo e já com o prejuízo engordado, porque noutro canto a dar toques ao malogrado canto em Turim, onde toques atabalhoados, ressaltos e caos deram o golo aos italianos, novos toques desastrados (na cabeça de Coates), ressaltos sem tino (nas costas de Morita) e caóticas intervenções (de Danilo) encadearam a bola nos acontecimentos que a deixou à mercê de Rabiot. O francês só teve ser pronto a rematá-la (12’) para agravar a vida aos anfitriões.

E o estádio, essa entidade coletiva e abstrata a quem Rúben Amorim estendera o pedido por inteligência, calou-se por segundos. O silêncio vindo do desânimo de um golo sofrido é mais pesado do que outro qualquer.

Mas, nem em meio minuto, o ser que não existe e que é mais uma consciência comum ressuscitou, voltando aos bons barulhos, não aos assobios dados a passes para o lado ou aos sibilados por não verem no lá em baixo racional o que imaginam lá em cima nas cabeças emotivas. E a equipa do Sporting serenou-se, ou melhor, não deixou de estar serena e foi atrás do empate que lhe apareceu fruto de ter de caçar com o rato da matreirice por não ter o gato de um resultado favorável. Só depois, de novo igualados em golos, os leões encetaram um jogo algo parecido com o de Turim.

Agora com o pulmão senciente de Ugarte ao lado de Morita, o Sporting beneficiava das recuperações de bola altas do uruguaio, por um par de vezes armado em ladrão no meio-campo italiano ou a acorrer a dobras feitas a um dos centrais de fora, sobretudo nas costas Gonçalo Inácio. O médio rematou de longe antes de Diomande, num canto, desviar de cabeça uma tentativa que rasou o poste esquerdo (35’) da baliza de Szczesny, guarda-redes que não era forçado a tantos trabalhos como na primeira partida. Por oposição, nem Chiesa ou Di María, os desequelibradores da Juventus nas alas, agitavam os ataques italianos com as suas intervenções.

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Daniele Badolato - Juventus FC

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Daniele Badolato - Juventus FC

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PATRICIA DE MELO MOREIRA/Getty

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Carlos Rodrigues/Getty

Era nas receções entre linhas de Pedro Gonçalves, em recuos constantes para longe dos dois centrais, que o Sporting farejava o ouro, cujo brilho tardava a guiar a equipa devido a alguma precipitação dos jogadores quando achavam os espaços livres - solto de marcação, viu-se Pote a errar ao jogo de primeira e Edwards, livrando-se de chatices com um primeiro drible, tardou em decidir um par de jogadas à entrada da área com toques a mais. À esperteza do português a jogar com os espaços e ao espernear das fintas do inglês uniu-se o critério no passe de Morita, de novo omnipresente a lidar com Rabiot e Locatelli.

Não se viu até ao intervalo a vertigem nem o domínio que o Sporting exercera, durante muitos períodos, em Turim. Era natural, mesmo com o resultado antipático os jogadores não tinham tanto tempo para amainar erros, imprudências ou precipitações que cometessem, mas algo misterioso parecia haver nos cantos - outro ainda trouxe um estranho vórtex em que os mesmos ressaltos e cortes falhados e segundas bolas (39’) desesperam o Sporting a ter de bloquear sucessivos pontapés nas redondezas da área.

A Juventus rondou o retângulo protegido pelos leões com outro afinco no retornou ao campo, durante 15 minutos foram os visitantes a parecerem os lesados. Pressionando mais alto e com Miretti a ser o terceiro médio que explorava as costas de Ugarte e Morita, os italianos ligaram um par de jogadas em que lançaram alguém até à linha de fundo para empurrarem a última linha do Sporting contra a própria baliza e conspirarem no contrapé.

Primeiro, fizeram um roubo suceder a um roubo quando Di María adivinhou a ideia de Morita, o japonês quis lançar um contra-ataque e o argentino cortou a intenção, lançando Cuadrado na direita; o colombiano picou a bola um pouco demais para trás, não conseguindo a cabeça de Vlahovic acertar (55’) no remate. Depois, uma posse de bola trabalhada com paciência fez Miretti ligar-se ao mesmo Cuadrado, que voltou a cruzar atrasado e agora rasteiro; só Diomande se intrometeu entre o remate (57’) do avançado sérvio e o alvo. Os italianos não queriam esperar no conforto do golo a mais e ver o que sucederia.

Inteligência também é isso, fazer pela sorte em vez de confiar nela.

O encher o peito de ar da Juventus cortou o ímpeto do Sporting, que andou à sua procura na segunda parte sem lhe achar a companhia e convencê-la a ficar: os trabalhos a que eram chamados na sua área levava os médios a não chegarem tão rápido perto da outra e as posses de bola da equipa viviam menos tempo, por falta de opções de passe oferecidas ao incógnito Trincão (foi ele o mais usado como referência para os centrais), ao redundante com o tempo Edwards e ao Pote que não via baliza. Foi o português a disparar o primeiro remate na baliza dos leões pós-descanso, só aos 74’, muito de longe e inofensivo nas mãos de Szczesny.

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Octavio Passos/Getty

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Daniele Badolato - Juventus FC

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Daniele Badolato - Juventus FC

Se aparecesse, a redenção coletiva do Sporting haveria de surgir num remate, às vezes a fortuna guarda ressaltos, desvios e atrapalhações como em Turim, mas do remate se espera o golo no futebol e de seguido um houve que redimiria um homem de cometer o pecado de ser o jogador que é, porque nenhum mal cometeu. Quando Edwards, de primeira e aberto na direita, tocou na corrida de Ricardo Esgaio pelo centro, uma dos tais desvarios atrapalhados de Danilo apareceu e um estádio levantou-se com o suspense de ver a isolar-se o jogador que esse estádio já assobiou, simplesmente, por não gostar dele.

E lá foi Esgaio, cavalgando na feiura que os adeptos lhe colariam se fosse um pato, a correr pela área e com mira na baliza, só com o guarda-redes à frente e o bruá, não o apupo, a acompanhá-lo, a botar força no pé direito para bater na bola que explodiu pouco por cima da barra. Sobrava quarto de hora no relógio e Alvalade descobria o som de uma redenção não consumada - foi oco, como se milhares de conversas de circunstância ao balcão de uma taberna estivessem a ser faladas em simultâneo.

No restante tempo, apesar de um míssil disparado por Cuadrado a fechar uma transição rápida, a Juventus escusou-se a atacar, não quis mais ver a baliza. Preferiu resguardar-se para ganhar enquanto o Sporting tentava jogar para vencer, um destino pode ter caminhos diferentes. Com uma catrefada de corpos a cobrir a área, todo um adversário encavalitado no seu derradeiro finca-pé, aos leões faltou repercutir ameaças por mais jogadores, o habitual do visto esta época. A inspiração de Marcus Edwards pode ser genial, mas é finita, e às tentativas do inglês, que insistiu e carregou e forçou momentos de drible, faltaram instrumentistas a tocarem as mesmas notas em vez de mais corpos à espera na área.

Quando um deles já era Sebastián Coates, mesmo estando nele centrada a previsibilidade de onde poderia vir o perigo, o canhoto encarou um adversário, atacou-o, enganou-o até à linha de fundo e cruzou ao de leve para trás, onde estava quem Rúben Amorim quer sempre na área quando o Sporting está magro de golos. A bola foi para o pé direito do “melhor cabeceador” da equipa. A três, quatro metros da baliza escancarada, o uruguaio falhou, aos 88’. Quando o cruzamento veio do outro lado, curvado por Arthur Gomes aos 90’, o capitão do Sporting, agora a um, dois metros do objetivo, fez um desvio e não um remate. Como em Turim, a proximidade ao alvo tremelicou a eficácia na finalização.

Não tão superior como em Itália, o Sporting pareceu jogar o mesmo jogo duas vezes e repetir-se nas virtudes, mais ainda nos erros. A moralidade das vitórias não conseguidas é o pior dos condimentos para uma derrota e o balanço de uma eliminação nos ‘quartos’ da Liga Europa, com 180 minutos feitos como o foram contra a Juventus, terá tanto de inteligente como de simples: a equipa jogou para ser dominante, mas falhou nos momentos-chave em ambas as áreas. A estrelinha de outrora deu origem à escuridão.