Há lances do Inter-Benfica que podem muito bem definir aquilo que mudou no mundo de dia 7 para cá. Aquela bola que Otamendi, o campeão mundial Otamendi, não conseguiu ganhar no duelo físico, o livre direto de Grimaldo colocado, direitinho à baliza, mas sem força. Ou aquele balázio de Neres ao poste. Teria sido diferente antes daquela Sexta-Feira Santa que marcou uma espécie de morte do Benfica perfeito de Schmidt? O Benfica do futebol vistoso, do golo fácil, dos jogadores felizes? Metáforas bíblicas à parte, desde aí que não houve ressurreição e as contas destes treze dias de terror (e logo este número) fazem-se na dureza dos factos e números: desde aí o Benfica perdeu três jogos e empatou um. Desbaratou uma vantagem de 10 pontos no campeonato, que se reduziram a quatro. E foi eliminado da Champions, onde já se sonhava com glórias de tempos idos, por um Inter em crise dentro de portas e que a todos parecia, pelo menos, ultrapassável.
O jogo de Milão foi uma viagem de idas e vindas de expectativas. Com pecados de Schmidt mas também reação, com repetição de comportamentos por esta hora preocupantes mas também com momentos de esperança que seriam desaproveitados. Com minutos finais de deixar a mão a bichanar no queixo, pensando: e se?
O “e se?” valerá de pouco agora, com o Benfica eliminado e um monstro emocional às costas para o que resta da época, controlo de danos é o que terá de ser feito, mesmo que haja ainda um campeonato para ganhar. Mas o certo é que a derrota por 2-0 na Luz não era uma sentença de morte e essa sensação foi grande e presente principalmente no início da 2.ª parte, quando Schmidt, acusado de mexer pouco e tarde, lançou David Neres. O jogo estava então empatado, Barella tinha feito o primeiro aos 14’ num remate em arco com o pé esquerdo, num lance em que Otamendi não conseguiu ganhar a bola ao veteraníssimo Dzeko e Grimaldo escorregou numa algo suicida tentativa de um corte. A cabeça translúcida de Aursnes, após cruzamento também ele reluzente de Rafa (38’), afastaram por momentos a fina lâmina da guilhotina - numa altura em que o Benfica talvez não o merecesse, tal a pobre reação ao golo adversário - mas o timing foi desaproveitado no melhor momento.

Marco Luzzani
Porque a esse bom momento do Benfica, o Inter respondeu colocando gelo no jogo, manha italiana dirão alguns, e quando acelerou colocou-se de novo em vantagem, pelo lado direito que Schmidt desguarneceu quando fez entrar Neres para a vez de Gilberto. O risco não era calculado porque por esta altura o Benfica não se podia dar ao luxo de apólices de seguro simpáticas e Dimarco, lateral do Inter, foi sempre um dos mais perigosos. Estava ali o jackpot e o Inter soube-o rapidamente. Ver o rapaz de cabelo descolorado a passar por Aursnes e a dar o golo a Lautaro (65’), aí sim soube a sentença de morte e quando Correa fez o 3-1 (78’) já a certidão de óbito estava assinada.
Entre os dois golos do Inter, um cheirinho deste novo Benfica meio perdido que nos foi apresentado no dia 7: previsível no ataque, com Gonçalo Ramos e Rafa sabe-se lá onde e em que dimensão, a insistir num jogo interior facilmente bloqueado por uma maralha de gente de camisola azul e negra. Só depois do 3-1, já com tudo mais que perdido, Roger Schmidt voltou ao banco.
Não há que puxar pela demagogia e dizer que o Inter colocou o mesmo compromisso em campo nesses últimos 10 minutos de jogo, já com a eliminatória no bolso e o Giuseppe Meazza em delírio - por esta altura, para lá da óbvia desilusão, os jogadores do Benfica ainda tiveram de levar com uma chuva de olés. Mas com Musa e João Neves em campo houve, pelo menos, uma qualquer corrente alternativa de pensamento no jogo do Benfica. Aproveitando o relaxamento interista, Neres recolheu uma bola perdida por Brozovic e fez tremer o poste da baliza de Onana. Aos 86’, após um livre lateral, a cabeça de António Silva reduziu para 3-2. E num derradeiro momento de pressão, uma jogada de Grimaldo pelo corredor ofereceu mais um golo, desta vez a Musa, com uma boa movimentação na área, já nos descontos.

GABRIEL BOUYS
Se deveria ter mexido mais cedo Schmidt? Talvez sim. Perante o descalabro dos últimos 13 dias, é difícil continuar a bater na tecla de que a equipa que está em campo lhe dá garantias de golo. O empate 3-3, que desportivamente vale cerca de zero, tem pelo menos o condão de atenuar o que seria um registo pesado: o de quatro derrotas seguidas para os encarnados, situação impensável nos primeiros nove meses desta temporada, vividos num idílio que agora parece ter pés de barro. Seria isto um desastre à espera de acontecer face à pouca rotação do plantel e a uma má reação às paragens? É circunstancial? É a estas perguntas que o Benfica terá de responder nos próximos dias. Se a resposta for a primeira, poderá vir aí um descalabro épico.
Com tudo isto falta dizer que a eliminação do Benfica significa que nas meias-finais da Champions teremos um Derby della Madonnina, um Inter-AC Milan com as duas eliminatórias a disputarem-se no mesmo estádio, dado não virgem, mas sempre curioso. O futebol italiano tem estado de tal maneira que desde 2003 que não tinha duas equipas nas meias-finais da Liga dos Campeões. E terá seguramente alguma delas na final, algo que não acontece desde 2016/17.