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Crónica de Jogo

Em noite para se chegar à frente, o FC Porto teve pujança. Depois, veio a cautela

Durante o aquecimento surgiu a boa-nova no Dragão e os jogadores entraram a abrir, pressionantes e ligados à corrente em qualquer jogada atacante, mesmo que sem produzirem oportunidades por aí além. O FC Porto marcou um de dois penáltis na primeira parte, fez outro golo na segunda, ganhou (2-1) ao Santa Clara e reduziu para quatro pontos a distância face ao Benfica. Mas, na roda final, houve berros de Sérgio Conceição

Diogo Pombo

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A bola era carnavalesca e tinha a máscara de balão posta, elevou-se no ar vinda de Manafá para descer a sambar na cabeça de Galeno, valente saltador no costado do último defesa do Santa Clara. Usando o cocuruto, tocou o objetivo já arredondado futebolísticamente para a frente de Uribe, que dispunha de todo um conforto na área, sozinho e sortudo de poder receber a bola e olhar para a baliza a tão poucos metros. O colombiano, porém, rematou-a quase de sola e contra o relvado, fazendo-a ressaltar contra a barra, caricaturando uma jogada que virou um espetáculo de variedades.

Porque o ressalto sobrou para Toni Martínez, à direita da área, que se apressou a acorrer à bola para logo a rematar de volta ao alvo, esbarrando a sua insistência no poste. Nesse momento de namoro aos ferros, o Estádio do Dragão reagiu organicamente: a barulheira agitou as estruturas, viam-se pessoas a marimbarem-se para os assentos, em pé, a esbracejar e a saltar, gritando decibéis de reação. De um cruzamento de feiura brotou um duplo lance de entusiasmo e não havia golo ao fim de um quarto de hora, mas a noite era de excitação, o FC Porto jogava com um embalo.

Ainda os jogadores chegavam braseira aos músculos, aquecendo no relvado de colete e meias em baixo, quando lhes chegou a notícia da derrota do Benfica em Trás-os-Montes. Caso precisassem, era encanto para o seu entusiasmo, não que o parecesse. A equipa jogava à sua moda, os laterais baloiçados para a frente, Uribe e Eustáquio a quererem ser rápidos a receberem, virarem-se e orientarem o jogo para a frente, a procura por Galeno uma constante para o FC Porto ultrapassar um frágil adversário pela esquerda ou recorrer a Pêpê e Otávio, os garantes de trocadilhos nos pés, quando a velocidade furiosa do brasileiro não resultava.

À duplicação dos embates nos postes acrescentou-se um estrondo de remate de Eustáquio (24’), bruto a disparar à entrada da área na sobra de uma jogada. E, sobretudo, várias jogadas que testavam as articulações de anca e cintura da linha defensiva dos açorianos, os massacrados últimos classificados do campeonato - os passes nos espaços nas suas costas, onde o tipo de avançado que Toni Martínez é os massacrava, eram uma constante. Quando o matulão espanhol, homem de movimentos curtos e que dispensa muitos toques na bola para rematar, fez uma breve diagonal para a área quando viu Otávio a intuir que ia ajeitar uma das suas bolas curvadas pelo ar, o estádio teve outra erupção.

A queda de Martínez ao encosto de Ygor Nogueira provocou um apito, era penálti. Uribe chegou-se à frente (34’) para o FC Porto se tranquilizar perante um Santa Clara que nem importunava Pepe e Marcano, centrais com todos os segundos e metros de relva disponíveis para iniciarem a construção de jogadas. Ricardinho e Alano, os seus jogadores mais agitadores, eram insuficientes para machucar uma equipa que prosseguiu a forçar entradas na outra área. Uma outra, com uma bola meio-perdida, teve Toni Martínez a esgueirar-se entre o guarda-redes Gabriel Batista e Pierre Sagna, defesa que o pontapeou após o espanhol desviar a bola. Novo penálti, repetição do rugir do estádio.

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MANUEL FERNANDO ARAÚJO/LUSA

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O fotograma seguinte teve Otávio a cair de joelhos, curvado sobre a relva e com as mãos entrelaçadas na nuca, desgostado por não acertar o penálti (42’) na baliza. Foi um pedaço de cascalho prensada no carril de uma locomotiva em andamento, mesmo com as melhorias do Santa Clara no retorno à partida, a ligar mais passes seguidos desde trás perante a pressão do FC Porto. Não criava por aí além, o último e penúltimo passes eram espécies ameaçadas na savana do Dragão a quem a parca vantagem trazido do intervalo pareceu acautelar mais do que empurrar.

O espreguiçar dos minutos favoreceu a equipa das catacumbas da tabela. Com apenas 17 golos feitos no campeonato, agiu como qualquer equipa: face à moleza alheia, a um prosaico ‘deixa andar’ visto nas ações, o Santa Clara foi-se esticando no campo com as suas armas. Com Bruno Jordão a filtrar passes e a procurar Ricardinho ou Matheus Babi nas costas dos médios portistas, os açorianos foram avançando em passes curtos e pequenas tabelas. Esses dois portugueses tiveram os seus remates (aos 60’ e 62’) e os dragões, sem engatilharem jogadas com a fluidez da primeira parte, eram tímidos nas tentativas de Pêpê (59’) e Galeno (70’).

O abrandamento do ritmo pareceu um convite ao atrevimento, o afrouxar do barulho no estádio denotou-o. Silêncio em anfiteatros de futebol é o som da preocupação e nem por isso as entradas de Evanílson, André Franco e Danny Namaso mexeram nas entranhas do jogo que o FC Porto já abrandara - Pêpê a lateral e Otávio no centro do meio-campo, afastando-os do nervo das jogadas, não ajudou ao atiçamento dos ataques dos dragões. Por isso o esticão dado por Galeno nas circunstâncias, jogador de repelões e momentos de frenesim, projeto em andamento de desequilibrador a querer o que todos eles pretendem - constância no perigo que causam - foi tão um alívio sentido no Dragão.

O brasileiro que joga a abrir com bola acelerou e travou e arrancou na esquerda, cruzou rasteiro e o subsequente corta da defensiva do Santa Clara deixou uma prenda nas barbas da Namaso, cujo passe à baliza (80’) serenou o ambiente numa equipa que já se via a quatro pontos de distância do topo da Liga, quase dona da missão com que entrara em campo. Conspirar com a bola, fazer os adversários correr, prolongar a vida das suas posses eram tarefas sugeridas por qualquer enciclopédia de futebol. Mas nem por isso o FC Porto acalmou o jogo nos seus pés.

Os humanos são animais de hábitos, jogadores nunca seriam diferentes, e no 2-0 viu-se precipitação, pressa em procurar o passe a rasgar e olhos na profundidade, apetite que os dragões sempre têm. Nos derradeiros minutos, essa queda pelo que lhes perfaz várias costelas com Sérgio Conceição deu bolas para o Santa Clara se projetar em ataques esperançosos. Um deles, desembaraçado nos pés do habilidoso Gabriel Silva, arranjou nespa de espaço para servir Kyosuke Tagawa na área para o 1-2, já nos descontos. Dois suplentes a inventarem um berro dos açorianos no Dragão.

A gritaria definitiva foi dos mais de 40 mil nas bancadas, festivos e pomposos no ruído em prol da vitória que prolonga a vida à felicidade trazida, há uma semana, de outro estádio. No clássico da Luz não houve relaxamentos e o pescoço cheio de veias hirtas, a quererem brotar da pele de Conceição, vermelho de tanto berrar na roda de equipa no final da partida, denotaram alguma arrelia. O FC Porto pôs-se a quatro pontos do Benfica e, agora, é o campeonato a espernear com vida.

* soube-se, no final do jogo, que a mãe de Stephen Eustáquio falecera durante a partida, tendo vários meios noticiado que o jogador foi informado de tal ainda no relvado. Arrigo Sacchi outrora disse que o futebol é a coisa mais importante das coisas menos importantes da vida. De todo: o futebol é um jogo, nada importante perante o que realmente importa na vida.