Foi como se um lance quisesse ilustrar tudo. Como se um momento pretendesse resumir este jogo, sim, mas também as antigas ideias feitas associadas ao futebol em Itália, ao catenaccio, ao ficar na retranca, ao ser defensivo e ter prémio, aos preconceitos que os últimos anos, à boleia de Sarri ou De Zerbi, ajudaram a combater.
A partida já ia nos descontos, a Juventus vencia por 1-0. Feito o golo, o guião do duelo não mudou muito do que vimos na generalidade do embate, com camisolas pretas e brancos na expetativa, defendendo a sua área, e outras, verde e brancas, circundando os últimos metros dos adversários, tentando, insistindo, mas sem prémio. Naquele lance, aos 91', lá estava a Juventus atrás e o Sporting a procurar o golo, já com a sensação de frustração que sai de contendas com estes contornos.
Inácio descobriu Arthur na esquerda. O brasileiro cruzou para Pote, que estava a escassos metros de Perin. O melhor finalizador da equipa na cara do golo. O disparo foi parado pelo guardião. O ressalto foi feliz para o Sporting, indo parar a Bellerín. O espanhol voltou a acertar no dono das redes da vecchia signora.
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Ali, naquela dupla incapacidade de ser feliz, naquela insistência sem prémio, ficava resumida a noite do Sporting em Turim. Castigada pelo desacerto na finalização, frustrada por uma Juventus que esperou, retraiu-se, mas saiu a sorrir, porque havia sempre mais um Perin para evitar o golo, mais uma perna no caminho da bola. E mais um erro dos visitantes.
Aos 73', uma má saída de Adán a um cruzamento da direita abriu a porta para que Vlahovic cabeceasse. Coates ainda evitou o golo do sérvio, mas Gatti levaria os italianos para Alvalade em vantagem. Depois de Marselha, do Midtjylland ou da final da Taça da Liga, o espanhol voltou a comprometer.
Tirando o lance do 1-0, a Juve só fez um remate à baliza, menos do que aqueles que o Sporting realizou na jogada aos 91' que tudo resumiu. Será preciso dar a volta à eliminatória em Alvalade para tentar estar, pela sexta vez na história, numa meia-final europeia.
O estádio da Juventus, casa do clube desde 2011, mesmo na aurora da era que daria nove títulos seguidos ao clube de Turim, recebe as partidas com um hino que já é um clássico do futebol mundial. Louvando o amor bianconero e apelando às glórias construídas por lendas como Platini ou Del Piero, é uma espécie de cartão de apresentação de um colosso como há poucos no planeta da bola.
Em terra de heróis, o Sporting não se amedrontou. Tal como contra o Tottenham ou o Arsenal, a equipa de Rúben Amorim foi fiel à sua proposta, circulando desde trás, tendo posse, pressionando alto e encostando a Juventus atrás. Aos 12’, após Di María sacar da fisga de grande alcance que tem na canhota, Chiesa rematou para boa defesa de Adán. Foi o único remate dos locais à baliza no primeiro tempo.
Morita encheu o campo em Turim
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O domínio do Sporting partiu dos pés de Morita, um japonês ambidestro que parece multiplicar-se no meio-campo. Recupera bolas, pressiona, engana a pressão com receções orientadas e truques de corpo, remate à baliza. Aos 20’, um tiro do ex-Santa Clara inauguraria um período de sufoco para a Juventus.
Entusiasmado e autoritário, o Sporting atacava com audácia e cadência, em galopadas, quase parecendo homenagear a discrição feita dos verde e brancos no “Leão da Estrela”. Coates, Pote e Nuno Santos tiveram oportunidades de finalizar na grande área, mas as finalizações nunca encontraram as redes rivais.
Depois do desperdício visitante, vieram as preocupações para fechar o primeiro tempo. Szczesny, o guardião da vecchia signora, queixou-se de uma dor no peito e foi substituído. St. Juste, depois de um sprint, agarrou-se à coxa esquerda, deitou-se no chão e saiu, lesionado, em lágrimas.
Ao ver a Juventus encolher-se, proteger a área e esperar pelo Sporting, parecia estarmos a ver uma equipa decidida a dar sentido a todos os preconceitos sobre o jogo em Itália, mesmo os que já não têm tanta correspondência com a realidade. No recomeço após o descanso, Pote, numa suave finalização à Pote, deu trabalho a Perin.
Aos 62', Allegri colocou Vlahovic e Fagioli e os italianos passaram a jogar com três médios, melhorando no jogo. Mas o mais duro dos velhos estereótipos italianos viria aos 73', quando a vecchia signora há muito não criava perigo.
O cruzamento da direita saiu largo, não muito tenso, Adán teve tempo para medir o tempo e o espaço. O espanhol falhou, a Juventus marcou. Um erro grave do guardião do Sporting, um golo sofrido. A ideia de penalização máxima dos pecados do adversário está, também, dentro do antigo livro não escrito das ideias feitas sobre o calcio, resgatado pela velha senhora e oferecido aos leões.
O Sporting acabou circulando e circulando, mas só criando verdadeiro perigo mesmo no final. Antes de Morita, aos 89', ficar perto de culminar uma grande exibição com um golo, os visitantes foram algo inofensivos, sem agressividade ofensiva.
A dupla oportunidade de Pote e Bellerín fecharia a noite, que foi tão honesta que quis ir-se embora sintetizando o que fora. O Sporting bateu à porta de um grande resultado em Turim, mas não a abriu. Os velhos estereótipos do jogo defensivo italiano vieram do passado, atualizaram-se, como que uma edição vintage deles próprios. Mas familiarmente dolorosos: em 16 partidas em Itália, o Sporting nunca ganhou. Tudo será decidido em Alvalade.