Os postes tilintaram com desdém. Nakamura, um guarda-redes com nome de superestrela canhota, parecia ser um gigante de três metros, defendendo tudo e mais alguma coisa, atrasando o que parecia inevitável. Pedro Gonçalves falhou um penálti. Os fantasmas, esses malditos, foram convocados.
A 15 minutos dos 90, Paulinho entrou. Não mostrou os dentes, exibiu antes a colher em que transformou a canhota, num mergulho glorioso para o 1-0. O passe do angustiado Pedro Gonçalves não parecia ser assim tão prometedor, pelo ângulo a que convidaria o remate. O avançado fez um golo difícil e sacudiu o pó do orgulho. Não sorriu durante a festa dos companheiros, era o rosto protocolar de um carteiro que fazia o que tinha de fazer. Esta noite, em Portimão, testemunhou-se a um festival do desperdício e da agonia que acabou bem, uma novidade na temporada dos leões.
O Sporting de Rúben Amorim, com cinco alterações em relação ao triunfo com o Estoril Praia, jogou bem durante muito tempo. Ousmane Diomande mostrou muita qualidade com bola, conduzindo jogadas e fazendo passes que desequilibraram a organização do outro lado. É um defesa criador. A equipa ia encontrando vários caminhos para a baliza de Kosuke Nakamura. Pela direita, pela esquerda, descobria espaços por dentro, num miolo salpicado pela qualidade de Manuel Ugarte e Hidemasa Morita, o japonês mais móvel. Essa mobilidade era evidente. Ricardo Esgaio, por exemplo, chegou a tocar bolas por dentro, deixando o cheirinho a cal para Marcus Edwards, para forçar o 1x1 contra Filipe Relvas.
Pedrão, que provocaria a primeira defesa de Antonio Adán apenas aos 87’, evitou em cima da linha o golo de Morita no arranque do jogo. Os visitantes iam sendo pacientes contra uma linha defensiva de cinco e seis homens. Poucas vezes os futebolistas do Portimonense mostraram ousadia, exceção para uma ou outra correria valente de Lucas Ventura, Zié Quattara e Wellington Junior. O plano era evidente: conter o que os lisboetas podiam fazer.
Pedro Gonçalves confirmou, no equador da primeira parte, que já não é aquela fera fria e esfomeada na hora de bater na baliza. Mandou por cima uma bola que há dois anos teria marcado com os olhos fechados. A seguir, o penálti atirado para as nuvens. Pelo meio, de livre direto, Maurício deu sinais de vida dos tímidos caseiros. Por esta altura, perto do intervalo, o Sporting contava com 76% de posse de bola.

LUÍS FORRA
No segundo tempo, já com o poderoso Mohamed Diaby, o irmão do craque que passou pelo Arsenal, o Sporting quase marcou através de um autogolo de Park Ji-soo. Bola na barra. Depois, procurando emendar a dor dos corações desafinados, Pedro Gonçalves chutou com esperança. Nakamura voltou a voar. Poucos minutos depois, foi o rosto do internacional japonês a tapar a baliza e a promessa dos três pontos para os homens de Alvalade. O remate foi de Esgaio.
Plim! E o poste miou outra vez, por Pedro Gonçalves. A desilusão escorria pelo corpo do avançado. O Sporting já rematara 17 vezes e nada. O 18.º saiu outra vez da bota de Pote, isolado por Edwards. Sem surpresa para esta história, Nakamura parou o remate novamente.
Já com Matheus Reis em campo (por Coates, o que empurrou Gonçalo Inácio para o centro da defesa), os leões já não estavam tão finos na criação. A frescura mental não era a mesma, a ansiedade já chegara sabe-se lá donde. Foi aí, aos 75’, que Amorim lançou Paulinho por Ugarte, assumindo o risco, aproximando-o de Chermiti (jogo discreto). Dois minutos depois o avançado fez o primeiro golo na Liga em 2023.
A mexida no marcador inaugurou a coragem dos homens da casa, que desataram numa correria para a frente, tentando atingir a baliza de Adán, que num espaço de poucos minutos teve de defender três bolas. Depois de um jogo com o vento a soprar numa só direção, o empate, de repente, não parecia assim tão impossível.
O Sporting, na 100.ª vitória de Rúben Amorim (em 144 jogos), garantiu os três pontos no Algarve na semana em que recebe o Arsenal para continuar a dar gás ao sonho europeu.