Parte do que tem sido o rendimento recente de Francisco Trincão foi resumido logo aos 8' do Sporting - Estoril. O internacional português entrou na área pela esquerda, com a bola ao jeito da canhota para poder visar a baliza dos visitantes. Dono de uma técnica de remate que deu nas vistas nos seus melhores momentos nas seleções jovens ou no SC Braga, Trincão optou não por disparar, mas por passar para o lado, com o Estoril a cortar o lance para canto.
A plateia de Alvalade foi rápida a criticar a decisão do atacante, fazendo-o ouvir que deveria ter rematado. Naquele instante em que é preciso assumir e ser ofensivamente agressivo, Trincão agarrou-se à timidez que vinha marcando os últimos meses da sua época, um encolher semelhante ao encolher de ombros que fez perante a falta de êxito da ação. Como que renegando ao enorme talento dos seus pés, não maximizando as hipóteses que contém dentro de si mas, em sentido inverso, minimizando-as.
Só que quem tem o talento do rapaz que num certo verão impressionou num Europeu sub-19 e que conviveu com Messi na última temporada de Leo em Barcelona não pode jogar com receio, sem assumir, mais preocupado em não errar do que criar algo de diferente. Após nova primeira parte apagada, marcada pela timidez daquele lance aos 8' ou por um cabeceamento também a medo que foi por cima, o segundo tempo começou com uma visão do que Trincão pode ser quando a timidez desaparece.
Aos 51', o português recebeu na esquerda, na zona onde tem atuado desde que Edwards se tornou senhor do lado direito. Veio para dentro contornando Guitane sem propriamente o enfrentar, na fuga aos dribles que em teoria deve protagonizar. Só que, a cada passo, ganhou coragem e audácia. Ludibriou Gamboa, que se encolheu para não fazer falta, e passou entre Mexer e João Carvalho, já condicionados pela hipótese do penálti. Na cara de Figueira, apontou o 2-0.
O primeiro golo de Trincão na I Liga desde novembro fez o resultado final no Sporting - Estoril e foi o melhor momento dos últimos meses do canhoto ao serviço do clube de Alvalade. Depois do slalom digno de Mikaela Shiffrin, um dos protegidos de Rúben Amorim pareceu tirar a apatia do corpo e abraçar as hipóteses que o talento lhe dá.
Roçou o golo noutras duas ocasiões, uma delas num grande lance, serviu Chermiti para um remate perigoso do adolescente atacante, acertou quatro dribles em cinco tentativas. Nos instantes finais, a gestualidade de Trincão era diferente, mais afirmativa, pedindo a bola, rodando sobre o defesa, desfrutando de estar no relvado. Foi a melhor notícia de um triunfo que permite à equipa de Rúben Amorim aproveitar a derrota do FC Porto para ficar a sete pontos dos campeões nacionais, que ocupam a milionária segunda posição que dá acesso direto à Liga dos Campeões.
A fria noite de Alvalade foi praticamente um monologo. O Estoril chegou à partida em crise e de lá saiu agravando a situação que vive, com seis derrotas nos últimos sete desafios. Dias depois do despedimento de Nélson Veríssimo, foi Pedro Guerreiro, até aqui técnico dos sub-23, a assumir o comando da equipa. Em todo o embate, o Estoril só criou perigo aos 83', num remate de Tiago Araújo ao poste, e não forçou Adán a realizar qualquer defesa.
Sem Ugarte, Rúben Amorim lançou Pedro Gonçalves e Morita como dupla de médios, algo que, de início, não se via desde 10 de setembro, na receção ao Portimonense. O Sporting entrou empurrando os visitantes para perto da baliza de Figueira e recuperando a bola em zonas muito adiantadas, mas nos primeiros 30 minutos só roçou verdadeiramente o 1-0 num cabeceamento de Paulinho defendido com qualidade pelo guardião da equipa que ocupa o 15.º lugar da tabela, uma posição acima da de play-off.
O Estoril só assustou na primeira parte num contra-ataque aos 23', com Guitane a roubar a bola a Matheus Reis e Geraldes a não conseguir servir o francês nem Tiago Gouveia, ambos em boa posição. Seria o Sporting a chegar ao 1-0.
Bellerín remata para o 1-0
CARLOS COSTA/Getty
Primeiro foi Edwards que, num lance à Arjen Robben, foi da direita para o meio para rematar, em arco, de pé esquerdo, muito perto do poste direito da baliza. Logo a seguir, aos 40', Bellerín roubou a bola a João Carvalho dentro da área e, com um tiro cruzado, estreou-se a marcar pelo Sporting, no primeiro golo do espanhol desde 14 de fevereiro de 2021, num Arsenal - Leeds.
Os locais entraram no segundo tempo embalados pelo 2-0 de Trincão, o qual parece ter feito do Estoril uma equipa derrotada. Os canarinhos têm um plantel que parece uma mostra de talento forjado nos grandes de Lisboa, com Pedro Álvaro e Tiago Santos, Francisco Geraldes e João Carvalho, Tiago Gouveia e Tiago Araújo. Mas falta consistência coletiva que una os lampejos de qualidade que cada calcanhar de Geraldes ou arrancada de Gouveia sugerem. Nos últimos 18 jogos, só venceram duas vezes.
Com os visitantes a perderem muitas bolas na fase de construção perante a boa pressão do Sporting, a equipa de Rúben Amorim foi desperdiçando a hipótese de chegar à goleada. Os minutos seguintes ao 2-0 foram de Francisco Trincão, renovado na energia e confiança, mostrando-se de novo a Alvalade. Forçou Figueira a boas defesas aos 63' e 68' e cruzou para Chermiti voltar a ver o guardião opor-se em cima dos 90'. Foi a segunda tentativa do jovem, que aos 71' rematara, de pé esquerdo, ao lado.
O Sporting 2022/23 vai de mini-crise em mini-crise, com Rúben Amorim a dizer, nos intervalos das crises, que são precisas séries de vitórias seguidas. Para já, são três triunfos seguidos para os leões. Para que cheguem mais até ao final da época, muito ajudará que Trincão diga adeus à versão tímida e solte o talento existente naquela canhota.