Crucificado figurativamente pelos golos que o evadem, João Paulo Dias Fernandes tem o que raro será o profissional de futebol que não terá: um faro pela colisão física iminente, um por-se a jeito para o seu corpo chocar com o de outrem. De quando em vez, a aptidão serve para se ganhar uma falta em vez de a sofrer e esta vulgar ‘ratice’ foi aplicada pelo vulgarmente conhecido pelo seu diminutivo na área do Desportivo de Chaves, onde aproveitou a extemporânea reação do guarda-redes Rodrigo Moura: ainda de joelhos na relva e com um pouco de ingenuidade nas luvas, esticou-se sem mirar o retrovisor para chegar à bola sobre a qual Paulinho já se precipitara.
Cravando os pés entre ela e o tombado corpo do guardião, viu-se o avançado do Sporting a cair com a mordacidade dos futebolistas, era uma tombe adivinhável. Ouviu-se o silvado do apito, viu-se-lhe uma queixa de uma dor no ombro, seguiu-se um lenta e rasteiro penálti não do pé de Paulinho, mas de Pedro Gonçalves, o jogador fã de rematar à baliza passando-lhe a bola. Oito minutos havia no relógio e Sporting ganhava já com uma mão quase cheia de cortejos à área, incluindo vislumbres do que Paulinho dá a um jogo enquanto providencia apenas ocasionalmente aquilo que a sua sub-profissão lhe exige.
Avançado de posição, médio-ofensivo de formação e futebolista que pensa, logo joga, de feitura no modelo de jogo da equipa, Paulinho tocou uma bola de calcanhar na área para Edwards poder rematar e não o fazer. Fugiu aos centrais várias vezes para recuar no campo, ser a referência para o Sporting livrar-se da pressão, esticar um passe vertical e ele, com um toque de primeira, deixar alguém com a bola de frente para o jogo. Mexendo-se e agindo em prol do benefício comum, Paulinho joga para fazer jogar. Mas, depois, escondido no lado cego de um defesa, na área, para depois atacar um cruzamento de Nuno Santos, dirigiu a bola com estrondo à barra, usando o pé com mais dioptrias.
A baliza aos tremeliques lembrou como a bússola do jogador nem sempre dança consoante o magnetismo dos ferros desse retângulo. Pelo menos, não baila com a insistência que lhe cobram. Um avançado é reduzido ao golo, todos padecem das mesmas palas aos olhos de quem os julgam e Paulinho, desatasse ele agora a marcar em cada jogo, a sombra que lhe despistariam ainda seria a do desperdício e ele, de facto, parece, por vezes, ter uma sina a persegui-lo: na jogada em que rematou à barra, os transmontanos contra-atacaram logo, cruzaram para a área e o VAR teve de ver e rever uma possível mão de Coates na área (25’). Antes, as costas do uruguaio e a lentidão a rodar sobre si próprio tinham proporcionado uma oportunidade a Juninho que Adán bloqueou (28’), agigantando-se nas suas barbas.
O Sporting começara mandão, de peito feito em Chaves, a pressionar no alto as receções dos médios adversários e a ter vários roubos no seu meio-campo. Os movimentos e toques de Paulinho deixavam gente a jeito de ver a baliza, Nuno Santos tanto esticava a posição na linha como se alternava em corridas entre central e lateral, mostrando aparatos novos. E Pote não se deixava alinhar com Ugarte quando a equipa tinha bola, gravitando nas costas dos jogadores do Chaves para lá receber passes. Essa distância, porém, faziam-no ser vagaroso a recuperar posição aquando de perdas de bola e os leões apenas sofriam por aí.
Na primeira parte, poucas vezes o Chaves prolongou a vida de jogadas até à área contrária, mas, quando o fez, Ugarte era um singelo bombeiro para vários fogos, encostando-se aos centrais ou tendo demasiados espaços para cobrir. E o que João Mendes já aproveitara, à entrada da área, o capitão João Teixeira explorou um quê de mais longe - sem alguém a cobrir-lhe a bola, rematou. E a sua pancada seca apontada a um dos postes fez Adán hesitar, deixar a bola bater-lhe à frente e reagir tarde (34’) para evitar um golo que lhe voltou a rabiscar a folha. Há meros quatro dias, já a tingira contra os dinamarqueses cujo nome é certeiramente escrito somente com a ajuda do Google.

PEDRO SARMENTO COSTA/LUSA
Dominando, mas empatando, o sumário de mais 45 minutos do Sporting esta época aproximavam a equipa de uma repetição discursiva do seu treinador. Rúben Amorim está grego de dizer como os seus educandos jogam melhor neste curso, fazem bem mais coisas, melhoraram outras e desavindos estão com os objetivos por detalhes, azares na finalização ou desaproveitamento de oportunidades. Retornados do balneário, os jogadores apressaram-se a evitar uma reaudição.
Logo ao ataque inaugural o demonstraram, verticais e frenéticos, Nuno Santos a ser servido na esquerdo para de bandeja rasteirar um cruzamento para Paulinho mandar às urtigas (46’) o que se diz dele, para ser o VAR a desdizê-lo: o avançado estava em fora-de-jogo entre os centrais. Pouco demorou para a vez do ala canhoto chegar, matreiro a tentar picar à última um chapéu que o guarda-redes do Chaves adivinhou (50’), pouco tardaria também até o avançado marcar outro golo que não o foi, desta vez pelos 12 centímetros que o seu corpo tinha a mais do que o derradeiro esqueleto transmontano. Paulinho e o golo será uma questão de geometrias.
E por uma questiúncula de tempo se tratava o regresso de Morita, o maior sinónimo de consistência a meio-campo tida pelo Sporting esta temporada, sem o japonês a equipa carece de uma presença que calce tantas boas ações na posição 8 e a sua entrada significou o empurrão no campo dado ao único conterrâneo que eles tinham dos adversários. De Vidago, onde nem 1.800 pessoas vivem, chegou Pote, cujo primeiro gesto na posição onde Rúben Amorim o deixou com os seus passes para a baliza o fez receber orientadamente da esquerda para dentro, encarar a baliza e curvar uma dessas bolas (61’) já tão dele.
Com nova vantagem, o Chaves arriscou de novo, forçou ainda mais o risco na cabeça pensadora de João Teixeira, o orquestrador de tudo que até o português Benny e o espanhol Héctor Hernández saírem do banco não teve uma equipa com pernas suficientes a correrem à sua frente. Capaz de gerir a bola, cheia de pés certeiros, a equipa de Trás-os-Montes gere jogadas com facilidade, mas faltava-lhe ameaçar a última linha do Sporting sem ser unicamente em transições. Porque, abrindo o jogo e sujeitando-o a esticões, quem cresceu foram os visitantes.
Já depois de Paulinho se vestir de assistente para Nuno Santos beneficiar de um ressalto para confortar ainda mais o Sporting no jogo (70’), contra-ataques houve para o verde Chermiti não mandar a bola esquivar-se ao dono das luvas e ainda se apitaria outro penálti para um transmontano ofertar a bola a um açoriano. Ser caseiro é bem receber, Pedro Gonçalves deixou o projeto de avançado assumir os 11 metros e Youssef tentou puxar o remate no mesmo lado para onde Pote passara o seu primeiro golo. Rodrigo Moura, o guarda-redes estreante no campeonato, defendeu desta vez (84’).
Quando o Chaves logrou o segundo golo, nos descontos, por Héctor Hernández, já só restavam segundos para uns fugazes festejos e as câmaras apontarem ao rapaz da terra, maior responsável por o Sporting ultrapassar os anfitriões na tabela das equipas que mais pontuam em jogos além-freguesia. Verificarmos que tal só acontece agora, à 21.ª partida do campeonato, é outra arrelia nas intermitências da sua época, mais uma a ter um pequeno Pote de dóceis palmadas dadas em jeito na bola como melhor marcador. E teve Pedro Gonçalves de se chegar à frente - e ser chegado para a frente de ataque - atrás dos montes onde veio ao mundo para o Sporting de lá sair sem mais preocupações.