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Crónica de Jogo

Sporting - FC Porto. (Quase) a mesma história

Tal como há duas semanas, o Sporting entrou a desperdiçar e tal como há duas semanas o FC Porto foi a equipa mais adulta em campo, contendo o ímpeto, aproveitando os erros do adversário, adaptando-se. Mas, ao contrário de há duas semanas, este clássico foi um jogo intenso, aberto, um bom entretenimento. Vitória dos dragões por 2-1 mantém os campeões nacionais na luta pelo título e Sporting longe da Champions

Lídia Paralta Gomes

DeFodi Images

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Como não reagir ao infortúnio é um livro que o Sporting 2022/23 poderia escrever com a propriedade dos melhores escolásticos, com a certeza dos grandes doutores, com o peso de quem sabe o que é o desespero. A estrelinha da época do título, que não seria mais do que uma confiança absurda, uma crença inabalável, esfumou-se algures em pó cósmico nos caminhos celestes do futebol e o que sobrou foi uma equipa assombrada pelos mínimos deslizes que trazem grandes consequências.

Os dois jogos com o FC Porto das duas últimas semanas poderiam ser um capítulo de um livro que já passou pela eliminação da Champions quando tudo parecia encaminhado, e por incontáveis jogos na liga, de maior ou menor dificuldade no papel, em que o Sporting se afundou num qualquer vórtex de incapacidade de emergir. Este seria sempre difícil, como seria a final da Taça da Liga, em que a equipa de Rúben Amorim assumiu a pena e resolveu contar a mesma história: uma boa entrada, uma série de oportunidades falhadas e o desabar após um erro. E o FC Porto, claro, é uma equipa adulta, onde todos os jogadores parecem astutos veteranos, gestores com anos e anos de casa, que parecem conhecer toda e qualquer fraqueza da empresa rival, adaptando-se com facilidade. No final, a vitória do FC Porto por 2-1 é a vitória de uma equipa que soube aguentar o ímpeto do adversário e esperar pelo erro que sempre aparece, controlando depois com tranquilidade q.b., cheirando a ansiedade e aflição do outro lado, duas das piores inimigas dos futebolistas.

A história deste clássico só não foi a mesma de há quinze dias porque este jogo foi infinitamente mais interessante e bem jogado. Foi um jogo aberto, intenso, principalmente na 1.ª parte, com oportunidades de parte a parte, ainda que o Sporting se tenha distinguido no esbanjamento. Depois de um arranque nervoso, com as duas equipas a tentar pressionar alto, o Sporting emplacou duas grandes oportunidades à passagem dos 20 minutos, primeiro pela esquerda, num lance entre Fatawu e Matheus Reis, com o brasileiro a dar para a área onde o toque subtil de Edwards saiu ligeiramente ao lado; depois pela direita, com Trincão a não dar a melhor sequência ao passe atrasado de Bellerín, titular pela primeira vez.

Zed Jameson/MB Media

Trincão sairia não muito depois, numa fase de maior equilíbrio do FC Porto, que aos 33’ quase marcava num lance confuso, com a bola a chegar a Taremi que rematou à barra. Na recarga, com tudo a seu favor, Marcano cabeceou por cima. Com a entrada de Paulinho, pareceu voltar algum ímpeto leonino e na reta final mais dois hinos ao desperdício: aos 41’, bem Chermiti na simulação que permitiu dar espaço a Edwards, que cruzou para o jovem avançado, que rematou em cheio em Marcano. E logo a seguir, num livre direto, foi o extremo britânico a chamar os melhores instintos de Diogo Costa.

Para a 2.ª parte, nova mudança de ideia de Rúben Amorim, retirando um Fatawu muito frágil a defender (foi incontáveis vezes ultrapassado por João Mário) para colocar Nuno Santos. O jogo continuou livre e entretido, nervoso no melhor sentido, com duas equipas à procura de ganhar, porque só a vitória seria um resultado positivo para qualquer uma delas, ainda que com objetivos distintos.

E se na Taça da Liga o erro do Sporting aconteceu ainda na 1.ª parte, este domingo esperou até aos 61 minutos. Ugarte, que estava a fazer um imenso jogo a meio-campo, tentou o corte à entrada da área, um corte que se transformou num passe que enganou Gonçalo Inácio e isolou Uribe, que rematou depois em arco, fora do alcance de Adán.

Com o golo, o Sporting perdeu-se. Mérito do FC Porto, estrategicamente coeso, a elevar a intensidade a meio-campo, controlando na experiência. E a equipa da casa foi-se baralhando nas diversas ideias e vontades de Rúben Amorim, sempre aparentemente reativo, mais que ativo, o que resultou, por exemplo, na inusitada entrada e saída de Ricardo Esgaio num espaço de 15 minutos. Os planos, esses, a meio da 2.ª parte, pareciam apenas desalentadas tentativas de fazer qualquer coisa, não se sabendo exatamente como. Só os últimos minutos voltaram a trazer um Sporting de pés mais assentes no chão, com Chermiti a aparecer várias vezes diante de Diogo Costa ao segundo poste, primeiro permitindo (mais) uma grande defesa ao titular da seleção nacional e depois a marcar mesmo, mas em fora de jogo, numa boa bola parada ensaiada.

CARLOS COSTA

Nestas coisas, parece que o esotérico entra também em campo, como que confirmando certos adágios populares que nos habituámos a desdenhar. Não marcando, o Sporting viu o FC Porto confirmar a vitória já nos descontos, numa bola longa vinda de Diogo Costa, que Toni Martínez ganhou nos ares e Pepê perseguiu felinamente, deixando para trás um mal colocado Coates. A finalização foi com classe, picando por cima de Adán. E quando Chermiti finalmente colocou a bola na baliza do FC Porto, a contar, após um cruzamento de Arthur, já a reação estava condicionada pelo relógio e por todo o tempo que havia passado, em que o Sporting foi novamente uma equipa pouco eficaz, com planos B, C e D meios atabalhoados, e que não soube responder à contrariedade, como que presa numa realidade paralela de auto-comiseração.

Quanto ao FC Porto, foi novamente o adulto na sala. Mesmo sem tantas oportunidades quanto o Sporting na 1.ª parte, foi sempre uma equipa perigosa na frente e que soube gerir quando se viu em vantagem, camaleonicamente adaptando-se à realidade, num clássico que dignificou o futebol português, sem picardias ou casos, coisa que não se pode dizer de tantos outros entre estas duas equipas nos últimos anos. A equipa de Sérgio Conceição, que consegue a quinta vitória consecutiva frente ao Sporting (é obra), ganha agora um momentum para o que resta da liga, ainda com o título na mira. Já o Sporting nem um lugar de Champions consegue arranhar. A temporada será longa e potencialmente penosa em Alvalade.